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Embate sobre construção de pera ferroviária em Santos trava expansão de escoamento

29 maio 2020, 17:36 - atualizado em 29 maio 2020, 17:36
Santos Brasil STBP3 Portos
O porto movimentou ao todo em 2019 um recorde de 134 milhões de toneladas (Imagem: Santos Brasil/Divulgação)

Uma disputa judicial envolvendo a companhia Marimex e o governo federal tem impedido a construção de uma pera ferroviária no porto de Santos (SP), estrutura considerada necessária para ampliar a capacidade logística do maior porto da América Latina, também o mais importante para o escoamento de commodities agrícolas do Brasil.

A pera ferroviária é um pátio em formato circular que possibilita o transbordo da carga sem a necessidade de desmembramento do trem. O empreendimento poderia quase quadruplicar, para 20 milhões de toneladas, a movimentação de granéis sólidos em uma área do porto, melhorando o acesso a 13 terminais.

O porto movimentou ao todo em 2019 um recorde de 134 milhões de toneladas, com os granéis sólidos, incluindo soja, milho e açúcar, respondendo por boa parte do volume exportado.

O projeto é construir a pera em torno do atual terminal da Marimex –que, por sua vez, não pretende deixar a área, embora o primeiro contrato para permanência tenha vencido no início do mês. O proprietário da companhia alega que o contrato previa a possibilidade de renovação por mais 20 anos.

O proprietário da companhia alega que o contrato previa a possibilidade de renovação por mais 20 anos (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

“O contrato da Marimex se encerrou no dia 8 de maio. Antes do encerramento, a SPA propôs para a empresa a assinatura de contrato de transição… (que) tem o objetivo de manter a operação da área até que a destinação estratégica de longo prazo seja dada”, disse o diretor de Desenvolvimento de Negócios e Regulação da Santos Port Authority (SPA), Bruno Stupello.

A alternativa proposta pela autoridade portuária, segundo ele, tem o objetivo de manter as operações e empregos ligados à companhia durante as obras, até que a empresa possa participar de novas licitações para áreas de movimentação de contêineres, previstas para começar no ano que vem.

Stupello afirmou, porém, que a Marimex manteve a vigência de seu contrato por meio de duas decisões liminares –uma do Tribunal de Contas da União (TCU) e outra do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1)– enquanto as áreas técnicas da SPA não fossem ouvidas.

“Então, nós estamos neste momento preparando as defesas para que tanto TCU quanto Ministério Público tirem essas liminares, para que a gente possa assinar o contrato de transição da área e seguir com o planejamento no porto”, afirmou.

De acordo com a autoridade portuária de Santos, a pera ferroviária é um projeto orçado em cerca de 170 milhões de reais e faz parte de um pacote de investimentos maior, na ordem de 1,5 bilhão de reais.

“Essa pera permitiria que todos os terminais da região do Outeirinhos recebessem as suas composições para carga e descarga sem que essas composições atrapalhassem as vias principais de circulação do restante do porto”, explicou o diretor.

Além disso, a capacidade ferroviária nas malhas “serra acima” está passando por um processo de ampliação para desembocar cargas como a safra de grãos do Centro-Oeste no Porto de Santos.

“A capacidade (de transporte ferroviário de cargas) serra acima, que era da ordem de 50 milhões de toneladas, em 5 ou 10 anos essa capacidade vai ser de 90 milhões de toneladas… Se todos os investimentos programados não forem feitos na malha do complexo, esses investimentos serra acima serão ‘perdidos’, porque eu não vou ter o trecho final de acesso ao porto.”

Stupello disse que a falta dessa infraestrutura ferroviária, além de não ensejar novos investimentos, pode prejudicar muitos contratos que já estão vigentes ou com investimentos em pleno desenvolvimento. “Então, afeta tanto a renovação de malhas quanto contratos portuários que foram recentemente assinados e prorrogados.”

O diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF), Fernando Simões Paes, afirmou que somente a prorrogação do contrato da Malha Paulista prevê a ampliação, em cinco anos, da atual capacidade de 35 milhões de toneladas úteis (TU) para 75 milhões. “Essa carga irá praticamente toda para o Porto de Santos”, disse.

O contrato de renovação da concessão da malha foi assinado pela operadora de logísticas Rumo (RAIL3) na quarta-feira.

O contrato de renovação da concessão da malha foi assinado pela operadora de logísticas Rumo (RAIL3) na quarta-feira (Imagem: Facebook/Divulgação/Rumo)

Nesta semana, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, usou sua conta no Twitter para afirmar que “a pera ferroviária… evitará gargalo logístico no acesso ao porto”.

Em uma segunda postagem, o ministro disse que o planejamento desenvolvido pela pasta é estritamente baseado em critérios técnicos, amplamente discutido junto a órgãos de fiscalização e controle em todas etapas e tem sido construído com total transparência junto ao mercado e à sociedade.

O Ministério da Infraestrutura foi quem anunciou, no final de abril, a construção de um ramal ferroviário em uma área pertencente à SPA.

Pelos planos, além da pera ferroviária, parte do local atualmente ocupado pela Marimex se tornaria um terminal de fertilizantes após a conclusão da obra logística.

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Impactos

A Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec) disse que a atual configuração da malha ferroviária no chamado Corredor de Exportação, composto pelos terminais ADM, TES e Caramuru, demanda um grande número de manobras intermediárias para que as composições sejam divididas em blocos menores para a carga e descarga.

A Abratec disse que a atual configuração da malha ferroviária demanda um grande número de manobras intermediárias (Beth Santos/Secretaria-Geral da PR)

“Essa condição prejudica a produtividade e ocasiona um alto custo operacional, agravado pela concorrência no acesso às cinco moegas de descarga”, afirmou o advogado da associação, Cássio Lourenço Ribeiro.

Segundo ele, enquanto a pera não existir, há uma perda de eficiência estimada em 15 milhões de toneladas em cargas por ano.

Ribeiro ainda estimou o transporte de cerca de 23,32 milhões de toneladas em granéis neste ano. “Com a pera, esses números vão atender uma demanda que vai para 33,74 milhões de toneladas de granéis.”

Com isso, tanto a ANTF quanto a Abratec solicitarão ao TCU o ingresso nesse debate, na qualidade de amicus curiae. “O objetivo é demonstrar a imprescindibilidade de todos os investimentos de ampliação da infraestrutura ferroviária no acesso ao porto, inclusive a construção da pera ferroviária”, disse o diretor da ANTF.

Outro lado

O proprietário da Marimex, Antônio Carlos Cristiano, afirmou ter investido em uma licitação com vigência de 20 anos, com expiração em 2020, mas com possibilidade de renovação por mais 20 anos. “Qualquer um que entra numa licitação sem dúvida está idealizando os 40 anos”, disse.

Segundo ele, entre os anos de 2015 e 2016 começaram as primeiras conversas para antecipar a renovação. “Nós investimos bastante, mais que o mínimo necessário, e tínhamos uma expansão de projeto para mais investimento”, disse, acrescentando que as conversa se alongaram até meados de 2019.

“Depois do nosso projeto aprovado, dez dias antes do vencimento eu recebo um aviso dizendo ‘não vou renovar’… Não restou outro caminho a não ser ir para a Justiça”, afirmou.

Ele também disse que a Marimex já é uma empresa cercada por trens no Porto de Santos. Para o empresário, na realidade a pera mencionada na prática já existe. “Faltaria um último pedacinho de curva para se caracterizar como um efetivo desenho de uma pera, mas você já enxerga que essa pera existe.”

Para o empresário, na realidade a pera mencionada na prática já existe (Imagens: Tina Coelho, Paulo de Araujo, Jorge Cardoso – Valec)

Segundo Cristiano, a Marimex opera, armazena e desembaraça contêineres com produtos de alto valor agregado em seu terminal de importação, movimentando cerca de 100 mil TEUs (unidade equivalente a 20 pés) por ano e empregando 1.300 pessoas.

“A pera não vai pagar aluguel… não vai gerar empregos. Não tem benefício nem para a cidade, nem para a região”, avaliou.

Ele considera que as obras de logísticas na área do terminal são a troca de “uma coisa certa” por uma “incerta, especialmente no tempo”, além de rechaçar a possibilidade da assinatura de contratos transitórios.

Apesar da disputa jurídica atual, há conversas com autoridades sobre a possibilidade de uma troca da área da empresa no porto, por exemplo, o que poderia ajudar a acabar com o impasse. Mas o presidente da Marimex evitou fazer mais comentários.