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Em sinal trocado com Rússia, suinocultura está alerta à China-dependência no futuro

06 maio 2020, 15:51 - atualizado em 06 maio 2020, 16:43
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Fome chinesa pelo porco brasileiro deve amainar bastante quando o país recuperar sua produção (Imagem: Reuters/Jason Lee)

Não fosse a China ter socorrido o Brasil com o buraco deixado pela Rússia nas importações de carne suína, os investimentos feitos para atender o país de Vladimir Putin não teriam sido ainda recuperados na esteira dos 16% de perdas dos embarques para o então principal mercado. Agora, em sinal trocado, os suinocultores precisam ter cuidado com a empolgação com a China-dependência.

Os cerca de 20% do total da produção brasileira que seguem para o gigante asiático, maior porto de destino (somando Hong Kong), diante da fome pela proteína causada sob os severos prejuízos sanitários em seu plantel, podem não ser mais os mesmos daqui dois a três anos, máximo quatro, assegura Valdecir Folador, presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs).

“E nós não podemos fazer crescer nossa produção em mais de 3% a 4%, alocando investimentos, já que a China vai sair mais forte da crise causada pela peste suína africana (PSA)”, avalia ele, lembrando, por exemplo, que as criações de fundo de quintal vão desaparecer no país e a tecnologia vai imperar em todas as fases do negócio.

Os chineses, portanto, mais dia menos dia vão comprar, mas vão comprar menos. O que poderia ter como agravante, diz Folador, um mercado interno brasileiro crescendo vegetativamente e que não mostra muitas esperanças depois do estrago nos empregos e renda que deverão perdurar depois da crise da pandemia.

Além do que, Folador também adverte para o máximo de cuidado que o Brasil deve tomar com as questões sanitárias, evitando reproduzir o que ocorreu também com os russos.

Entre 2000 e 2017, a Rússia-dependência ia bem, até que desconfiaram do uso da ractopamina (promotor de crescimento) na criação e barrou as importações, mesmo sob protestos e sem provas, segundo o setor suinocultor. Voltou a liberar os embarques brasileiros em 2019, mas sem nenhuma vontade de recuperar a participação anterior. Pelo contrário, está muito longe, em linha com mercados importadores periféricos.

Em 2018 e até 2019, antes do boom das compras chinesas, o parque nacional ficou abarrotado de carne de porco, o consumo interno surfou nos preços baixos, mas os produtores penaram com a oferta folgada achatando preços nas granjas integradas e, mais ainda, nas independentes.

Descontando que a Rússia cortou a zero as importações, o que o presidente da Acurs e outros líderes setoriais temem é que isso se reproduza, mesmo em menor intensidade, quando a China vier com menos força. E o planejamento de alocação de investimentos em uma produção de ciclo longo é necessário. “Entre começar uma granja e o tirar o primeiro animal para abate leva de 2 a 2,5 anos”, exemplifica.

A importância da manutenção dos importadores chineses deve continuar, mas sob atenção. Em abril, as exportações totais atingiram 62,9 mil toneladas (US$ 153 milhões contra US$ 115 milhões do mesmo mês de 2019), mantida a participação folgada do principal comprador do porco brasileiro.

Os mesmos 25% de alta sobre abril de 2019 igualmente valem para o 1º quadrimestre de 2020.