Política

Em discurso no Mercosul, Bolsonaro critica regra que exige consenso para decisões no bloco

26 mar 2021, 11:37 - atualizado em 26 mar 2021, 14:27
Bolsonaro, que defendeu a revisão da Tarifa Externa Comum (TEC) e a redução de barreiras comerciais internas, afirmou que a regra “não pode ser instrumento de veto ou freio permanente” para decisões do bloco (Imagem: Flickr/Marcos Corrêa/PR)

O que seria uma reunião comemorativa dos 30 anos do Tratado de Assunção que criou o Mercosul, nesta sexta-feira, transformou-se em um encontro virtual que escancarou as divergências entre os países sobre flexibilizações no bloco e mudanças na Tarifa Externa Comum (TEC) e terminou em troca de farpas entre Argentina e Uruguai.

Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro deixou clara a posição brasileira sobre a necessidade de mudança na TEC, a tarifa aplicada pelos países à entrada de mercadorias extra-bloco.

A proposta foi apresentada pelo Brasil em 2019 e segue em negociação, mas com cada vez mais resistência por parte da Argentina.

“Defendemos a modernização do bloco com a atualização da TEC como parte central do processo de recuperação do nosso dinamismo econômico”, disse o presidente, acrescentando que o bloco deve acelerar ainda negociações com outros grupos de países para aumentar sua participação nas cadeias mundiais de comércio. “Queremos rapidez e resultados significativos.”

A necessidade de consenso entre os países-membros para que todas as decisões sejam tomadas é um dos empecilhos para que as negociações, em qualquer setor econômico, avancem, e a regra foi alvo de críticas do presidente.

“Entendemos que a regra do consenso não pode ser transformada em instrumento de veto ou de freio permanente. O princípio de flexibilidade está inscrito no próprio tratado de Assunção”, afirmou.

O governo brasileiro quer duas mudanças essenciais no Mercosul: o corte na TEC e a liberdade para negociar acordos comerciais com outros países se outros sócios do bloco não tiverem interesse.

A proposta brasileira é de um corte linear na TEC, de 20%, abrangendo todos os setores –uma proposta inferior a feita inicialmente, em 2019, em que a ideia era de reduzir a média da TEC de 13,6% para 6,4%. Enquanto Uruguai e Paraguai concordam com a proposta, a Argentina, sempre mais resistente à redução de tarifas, deu uma sinalização inicial positiva no início do ano.

Aparentemente, o presidente Alberto Fernández mudou de ideia.

“A Argentina tem sido muito pragmática. No entanto, não acreditamos que uma redução da TEC linear para todas as taxas seja o melhor instrumento. Preferimos continuar com a metodologia que estávamos trabalhando”, disse Fernández. “A proposta argentina vai preservar o equilíbrio entre os setores industrial e agroindustrial.”

A oposição direta à proposta brasileira, no entanto, não foi o momento de maior mal-estar no encontro. Irritado com as posições argentinas, que tem sido seguidas em parte pelo Paraguai, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou externou sua insatisfação com o bloco, e reclamou do “peso” que tem o Mercosul.

“Obviamente que o Mercosul pesa. Sua atividade, sua produção, pesa no cenário internacional. Mas o que não pode ser é uma carga. O que não estamos dispostos é que seja um espartilho que impeça nossos países de se mexer”, disse Lacalle Pou. “E por isso falamos com todos os presidentes sobre a flexibilização. Flexibilização, diferentes velocidades, vejamos o nome, o conceito, mas o Uruguai precisa avançar.”

O presidente uruguaio disse ainda que vai propor formalmente a flexibilização porque precisa de uma resposta rápida.

A flexibilização, que daria aos países o poder de negociar acordos de forma independente, é também defendida desde 2019 pelo Brasil, mas até hoje não avançou.

A fala de Lacalle Pou ofendeu especialmente Fernández, que tomou a crítica como dirigida diretamente a seu país.

“Se nos transformamos em uma carga, lamento. A verdade é que não queremos ser uma carga para ninguém. É mais fácil descer do barco se essa carga pesa muito”, disse o presidente argentino. “Terminamos com essas ideias que ajudam tão pouco a unidade em um momento que a unidade nos importa tanto. Não queremos ser peso de ninguém. Se somos, que tomem outro barco. Não somos lastro de ninguém.”

No momento mais tenso da reunião, Bolsonaro já não estava. O presidente deixou o encontro virtual logo depois de sua fala alegado problemas de agenda, o que valeu uma ironia do chanceler argentino Felipe Solá, que fez questão de estender a ele seus cumprimentos “apesar do presidente Bolsonaro já não estar mais aqui”.

A fala de Lacalle Pou ofendeu especialmente Fernández, que tomou a crítica como dirigida diretamente a seu país (Imagem: REUTERS/Mariana Greif)

Desdenhado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, antes de assumir o posto, o Mercosul voltou a ser parte das atenções do governo com a assinatura do acordo com a União Europeia e pelo fato de o bloco ainda garantir uma fatia considerável do comércio brasileiro.

No entanto, o Brasil tenta alterar pontos desde o início e, se tinha o apoio de Maurício Macri, Fernández não tem simpatia pelas mudanças e nem pelo governo brasileiro –e agora, nem pelo uruguaio. Com a regra de consenso, o governo argentino pode travar quaisquer mudanças que não sejam do seu agrado.

A reunião comemorativa dos 30 anos mostrou, na verdade, um bloco que chega ao que deveria ser sua maioridade cheio de fissuras e desentendimentos.

(Atualizada às 14h27)