Eduardo Laguna: Fim do samba de uma nota só
Por Eduardo Laguna, da Inversa Publicações
Caro leitor,
Como você sabe, tivemos na quarta-feira o evento mais aguardado pelo mercado financeiro nacional nos últimos, pelo menos, três anos. A reforma da Previdência passou pela primeira votação do plenário da Câmara.
Eu sei que a emenda constitucional ainda precisa ser votada pelos deputados em segundo turno, que destaques a serem aprovados, ainda na Câmara, devem alterar pontos da reforma, e que será também preciso esperar a tramitação – isso, apenas em agosto – no Senado, onde eventuais mudanças vão reconduzir a matéria de volta para a Câmara.
Mas, sobretudo pela folga com que o texto-base foi aprovado na quarta-feira (71 votos acima do mínimo necessário), podemos finalmente dizer, com chances mínimas de erro, que, sim, as regras da aposentadoria vão mudar.
A comemoração do mercado veio em forma de postagens festivas nas redes sociais e na venda de ações, no pregão de ontem, para embolsar o lucro de um Ibovespa histórico que beirou os 106 mil pontos.
Para quem resistiu na última meia década ao caos político que contaminou o ambiente de negócios, segurando posições na confiança de uma recuperação no longo prazo, nada mais justo do que ir à forra.
Só que fico me perguntando como será o after party.
Sabe quando temos que lidar por muitos anos com algo que consome quase toda a nossa atenção e, em certo momento, ele desaparece?
Num primeiro momento, a sensação é de alívio.
Depois, por motivos que só Freud pode explicar, nos questionamos se não era justamente aquilo que trazia um sentido para a nossa vida. Ficamos meio que desnorteados.
Acho que é um pouco assim que muitos investidores vão se sentir com o fim da epopeia da Previdência.
Desde 2016, quando a reforma passou a ser a prioridade número 1 da agenda econômica, mais de 400 mil investidores entraram na Bolsa.
Essas pessoas aprenderam a operar ao ritmo do samba de uma nota só. Há três anos, avanços da proposta significam alta automática do Ibovespa, ao passo que retrocessos significam o oposto.
É uma forma simplista de olhar para a Bolsa, que se move ao sabor de uma infinidade de influências domésticas e externas. Porém, em grande parte, muitos dos novos investidores estão condicionados a ler o mercado dessa forma.
Uma vez superada a questão previdenciária – ao menos, parte dela – os investidores (incluindo você, caro leitor) terão que aprender a dançar sob novos ritmos.
Reforma tributária, privatizações e o pacote anticrime, que vai testar a força política do ministro Sergio Moro pós-Intercept, são temas que, certamente, vão dominar rapidamente a agenda.
Mas é de se esperar que, enquanto tenta assimilar as novas pautas, boa parte dos investidores se sinta perdida sem o norte da Previdência.
Comigo não é muito diferente. Explico: o debate político sobre a urgência de mudar as regras de acesso à aposentadoria ganhou corpo na época em que comecei a fazer cobertura diária de política econômica pelo Broadcast, do Estadão.
Houve períodos em que fiquei em dúvida se era jornalista de economia ou de Previdência. Não havia uma entrevista com algum ministro da equipe econômica em que o tema principal fosse outro. Era praticamente impossível escrever uma matéria sem citar “o rombo das contas públicas”.
A intenção da equipe econômica, liderada pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, era aprovar a reforma até o fim de 2017.
Acontece que veio o Joesley Day e o ex-presidente Michel Temer passou o restante de seu mandato usando o cargo para escapar de denúncias de corrupção, até desistir da reforma ao intervir na segurança pública do Rio de Janeiro – medida que impediu a aprovação de qualquer mudança constitucional.
Desde então, o presidente mudou, eu deixei a cobertura macroeconômica, e o desfecho dessa jornada só foi endereçado nesta semana.
Então, ao assistir na quarta-feira o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciar, sem conter as lágrimas, a aprovação em primeiro turno da reforma, confesso que me veio uma sensação de “virada de página”.
Vamos viver novas histórias a partir de agora.
E, por aqui, continuaremos ao seu lado para você não se sentir perdido nessa nova fase.
Se você quiser uma sugestão para a próxima fase do mercado, a minha é: fique de olho na agenda da Câmara, já que é o Legislativo quem vem liderando a condução das reformas; e, com a mudança nos gatilhos da Bolsa, procure ler especialistas independentes sobre temas os quais você não domina.
Isso vale para o que está acontecendo não só na economia, mas também nas empresas.
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Um abraço,
Eduardo Laguna