Money Times Entrevista

Economia está com uma ‘fotografia boa’, mas ritmo de crescimento pode não se manter, diz executivo do Itaú

22 out 2024, 7:00 - atualizado em 22 out 2024, 7:15
Fernando Gonçalves Itaú economia fiscal pib
Crescimento da economia impulsionado por consumo elevado e aumento nos gastos do governo preocupa o mercado. (Imagem: Divulgação/Itaú)

Apesar da Selic nos dois dígitos e a inflação acelerando, a economia brasileira apresenta sinais positivos. No segundo trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,4% em comparação ao primeiro trimestre do ano — já na comparação com o segundo trimestre de 2023, o crescimento foi de 3,3%.

Além disso, o Banco Central projeta um crescimento de 3,2% para a atividade econômica em 2024. Em entrevista exclusiva para o Money Times, Fernando Gonçalves, superintendente de Pesquisa Econômica do Itaú, concorda que o cenário da economia brasileira é bom, com PIB surpreendendo para cima. No entanto, ele não deve se manter assim em 2025.

“Esse crescimento é impulsionado por um consumo elevado e aumento nos gastos do governo, além de um recente aumento nos investimentos em capital fixo, embora este último esteja dentro de uma série bastante volátil, sem uma tendência clara de alta. Mas há dúvidas se esse crescimento vai conseguir se sustenta nesse patamar”, destaca.

Confira a entrevista completa com Fernando Gonçalves, do Itaú, sobre a economia

Money Times – Como se encontra a economia brasileira hoje e o cenário está como o esperado pelo mercado?
Fernando Gonçalves – Eu acho que a gente está com uma foto muito boa da economia, com um crescimento forte e um PIB surpreendendo para cima, superando as expectativas do início do ano. Aqui no Itaú, nossa projeção é de um crescimento de 3,2% até o final do ano, o que é bastante significativo.

Agora, olhando para o futuro, a preocupação que fica é a possibilidade de um superaquecimento da economia, que parece estar crescendo acima do seu potencial. Um exemplo disso são as importações em alta – quando a demanda interna supera a oferta, o país precisa importar mais.

Além disso, o mercado de trabalho está aquecido, com uma taxa de desemprego baixa e pressões salariais, o que também indica uma economia em forte expansão. E até mesmo a composição do PIB reflete esse cenário, com o consumo crescendo quase 5% nos últimos 12 meses, superando a capacidade de crescimento sustentável.

Esse crescimento é impulsionado por um consumo elevado e aumento nos gastos do governo, além de um recente aumento nos investimentos em capital fixo, embora este último esteja dentro de uma série bastante volátil, sem uma tendência clara de alta.

Mas há dúvidas se esse crescimento vai conseguir se sustenta nesse patamar, especialmente porque ele está sendo estimulado por medidas governamentais. Isso também levanta dúvidas sobre a inflação, já que uma economia com sinais de sobreaquecimento tende a sofrer pressões inflacionárias.

MT – O Banco Central voltou a elevar a Selic. O que está pressionando a avaliação do BC e podemos esperar por mais altas?
FG – O Banco Central olha fundamentalmente para a inflação e para variáveis que indicam o que ocorrerá com os preços. Por exemplo, ele considera as expectativas de inflação, que estão bastante desancoradas, mesmo em horizontes mais longos, como dois anos à frente, permanecendo bem acima da meta de 3%.

Ele também observa a composição da inflação, que atualmente se aproxima do topo da banda de tolerância do Banco Central, que vai até 4,5%. Então, a inflação está muito próxima desse limite e com uma composição ruim, caracterizada por um crescimento expressivo da inflação de serviços, que está beirando os 6%. Essa inflação é altamente inercial, já que está fortemente ligada ao comportamento dos salários. Como serviços são geralmente intensivos em mão de obra, a pressão salarial acaba refletindo nos preços, e, como salários dificilmente caem, a inflação de serviços tende a ser resistente e demora muito tempo para sair do sistema.

Esse nível elevado e a composição ruim da inflação sem fatores que incomodam. O Banco Central parece ter iniciado um ciclo de alta de juros, já que, considerando tudo, temos uma economia com sinais de sobreaquecimento, uma taxa de desemprego bastante baixa, inflação beirando o topo superior da banda de tolerância, uma composição ruim e expectativas de inflação desancoradas. Fica bem evidente que uma alta de juros é necessária, mesmo com a taxa já em dois dígitos no Brasil.

Outro ponto importante é a transição suave no Banco Central, com a entrada do [Gabriel] Galípolo, que foi indicado pelo governo e aprovado pelo Congresso. Ele tem adotado um discurso ortodoxo em relação à política monetária. Durante um evento recente do Itaú, o Macro Vision, Galípolo se manifestou firmemente a favor de conduzir a inflação para a meta, mantendo o compromisso com a meta de 3%. Ele inclusive falou que o Banco Central não tem nem que discutir a meta de inflação, que isso é uma responsabilidade do CMN [Conselho Monetário Nacional], e destacou a importância da independência institucional do Banco Central, que permite uma transição política mais tranquila.

Seu discurso foi alinhado com o de outros presidentes do Banco Central de sucesso no passado, e acho isso muito importante para construir credibilidade e ajuda a lidar com a desancoragem das expectativas de inflação mais longas. Se o Banco Central mantiver esse discurso firme e acompanhado de ações concretas, poderá conduzir essas expectativas para baixo, mesmo após choques de curto prazo, o que seria um passo importante para reduzir as expectativas inflacionárias.

MT – Você comentou sobre o tempo que a inflação de serviços leva para desacelerar. Mas estamos com uma inflação de serviços alta há um bom tempo. Existe uma previsão de quando ela deve começar a melhorar?
FG – Na verdade, existe uma dúvida sobre o fato de termos uma taxa de desemprego baixa, o que sugeriria núcleos da inflação de serviços mais pressionados do que estão atualmente. A questão é entender por que isso não está acontecendo.

Eu entendo que esse processo é demorado. Primeiro, seria necessária uma mudança no mercado de trabalho para, em seguida, impactar os salários, o que só depois se refletiria na inflação de serviços. Por isso, essa inflação tende a ser difícil de combater, pois é muito inercial, como mencionei antes.

Estimar uma data exata ou aproximada para esse impacto é complicado, porque depende do ritmo do mercado de trabalho. Mas, certamente, com o mercado de trabalho apertado como está, a inflação de serviços teria dificuldades de se manter em uma trajetória de queda mais intensa.

MT – As expectativas de taxa de juros a um dígito morreram?
FG – Nossa projeção indica uma taxa de juros de 11% ao final de 2025. Acreditamos que os juros subirão até 12% e, na segunda metade do próximo ano, recuarão para 11%.

Atualmente, o mercado projeta uma taxa acima disso, próxima de 13% ou mais. Com base nesse cenário, parece que a Selic de um dígito não será realidade até 2025, mas algo para um período mais adiante.

É importante destacar que o juro de equilíbrio no Brasil, estimado por muitos economistas, gira em torno de 4,5% a 5% de taxa real. Considerando uma meta de inflação de 3%, o juro de equilíbrio estaria próximo dos 8%. Então, no longo prazo, uma vez superadas as pressões inflacionárias, os juros deveriam convergir para esse nível. Mas, dado o quadro atual de forte atividade econômica, pressões inflacionárias e expectativas desancoradas, parece improvável que vejamos uma taxa de juros de um dígito em 2025.

MT – Qual é a avaliação sobre a política fiscal?
FG – Nossa projeção aponta para uma meta de déficit primário de menos de 0,4% para este ano, enquanto a meta oficial é zero, com uma margem de tolerância de até 0,25% de déficit. Mas o cumprimento dessa meta ainda dependeria de receitas extraordinárias que são bastante incertas. E é aqui que tem temas que nos preocupa, como exclusões e abatimentos da régua fiscal, o que diminui a relevância do resultado primário como indicador do esforço fiscal real.

Então, olhando para frente, são importantes medidas para retomar o controle das despesas, como cortes em gastos discricionários ou ações mais estruturais, porque, hoje, o que estamos vendo é uma menor transparência das estatísticas fiscais.

Ao mesmo tempo, começam a aparecer no noticiário possíveis medidas de contenção de gastos que precisam ser submetidas ao presidente, como cortes no abono salarial, no seguro-desemprego, BPC [Benefício de Prestação Continuada] e super salários de servidores. Há incertezas sobre o avanço dessas medidas, mas elas seriam bem importantes para garantir a sustentabilidade fiscal e manter a credibilidade do esforço fiscal.

MT – O governo está chegando em um nível muito elevado das despesas obrigatórias?
FG – Eu acho que um ajuste baseado apenas em receita não leva em consideração o tamanho do governo e o quanto ele está crescendo. Seria mais adequado medir isso pelo gasto em relação ao PIB.

Estamos vendo um aumento no tamanho do governo, o que traz diversas consequências, como o aumento da demanda agregada e da pressão da inflação. Com isso, os juros precisam ser elevados, impactando o setor privado para ajustar a economia sem gerar aumento nos preços.

Precisamos avaliar se as propostas que estão sendo discutidas, e que aparentemente serão analisadas pelo presidente Lula, vão avançar. Acho que seria importante que houvesse progresso nesse sentido.

MT – Nos últimos dias voltou o assunto de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil. Qual deve ser o impacto disso?
FG – Olha, ainda falta bastante detalhamento para conseguirmos fazer uma avaliação mais precisa, como, por exemplo, se essas medidas garantiriam neutralidade fiscal ou não.

A princípio, acredito que sim, haveria uma certa neutralidade. Ou seja, você isenta do imposto de renda pessoas que ganham até R$ 5 mil, mas passa a cobrar esse imposto de quem ganha acima desse valor, ou talvez por meio de outras medidas, como o imposto sobre dividendos.

Então, há essa intenção do governo de isentar quem ganha até R$ 5 mil. Mas quais serão as medidas compensatórias? Será realmente uma reforma neutra do ponto de vista arrecadatório? Ainda não temos detalhamento suficiente para afirmar categoricamente. Precisamos esperar um pouco mais, mas acredito que é provável que haja neutralidade nesse aspecto.

MT – A gente vê uma fuga de capital estrangeiro na bolsa brasileira. O que está acontecendo e o que precisa para o Brasil reverter esse movimento?
FG – Acredito que estamos vivendo uma situação no país em que a taxa de juros real, ou seja, ajustada pela inflação de longo prazo, está muito alta. Essa taxa funciona como uma referência para descontar os fluxos futuros das empresas brasileiras, e, com juros reais elevados, a Bolsa enfrenta mais dificuldades para performar. Isso acaba inibindo o fluxo de capital para a Bolsa, enquanto direciona mais recursos para a renda fixa, que se torna mais atraente em um cenário de juros elevados.

Essa dinâmica ajuda a explicar a saída de capital da Bolsa e também de fluxos da renda fixa, porque a gente vê não apenas uma saída de investidores estrangeiros, mas também de investidores locais.

Mas é importante destacar que esse tipo de fluxo é mais de curto prazo. No Brasil, também temos o investimento estrangeiro direto, que é o capital que entra com compromissos de longo prazo, como parcerias, investimentos de empresas ou abertura de filiais. Tradicionalmente, o Brasil sempre atraiu muito esse tipo de recurso, devido ao seu tamanho continental e seus mercados livres em comparação a outros países emergentes.

No entanto, recentemente, o volume nesse tipo de investimento também tem registrado queda. Na verdade, o volume ainda está dentro de um intervalo típico, entre 1,5% e 3% do PIB – atualmente está mais próximo de 1,5%, o que é considerado baixo. Embora esse nível ainda esteja dentro dos padrões dos últimos anos, é um tema que precisa ser monitorado, especialmente porque investidores de longo prazo estão focados em oportunidades que vão além do governo.

No caso do fluxo de curto prazo na Bolsa, esse movimento parece estar relacionado aos juros reais de longo prazo elevados. Estamos vendo taxas projetadas acima de 6%, o que prejudica bastante a percepção sobre o valor das ações na Bolsa brasileira.

MT – Esse fluxo também muda com a perspectiva de queda de juros nos Estados Unidos?
FG – Eu acho que esse é um ponto importante, porque estamos começando a ver uma certa competição internacional pelos fluxos de renda variável. Se há uma percepção de que a Bolsa americana terá um bom desempenho, isso pode influenciar a alocação de recursos globalmente. Talvez ainda não tenhamos sentido completamente esse impacto, especialmente porque há uma questão muito relevante em jogo que é a eleição americana.

Uma vez que tivermos mais clareza sobre o resultado e as implicações para a economia dos EUA, o cenário pode mudar. Isso poderia reforçar que não se trata apenas de uma competição entre renda fixa e Bolsa dentro do Brasil, mas também de uma concorrência global por esses fluxos. Esse é um fator que pode se tornar ainda mais relevante à medida que o cenário internacional se desenrola.

MT – Quais são as projeções para 2025?
FG – Nossa projeção é de um crescimento econômico que desacelera no próximo ano. Este ano estamos prevendo um crescimento do PIB de 3,2%, mas para o ano que vem, vemos uma redução para 2%. Essa projeção não inclui grandes estímulos, pois esperamos que o impulso monetário seja mais fraco, com os juros subindo e diminuindo o estímulo econômico, e que o impulso fiscal, com o aumento de gastos, não seja tão intenso quanto foi este ano.

Esses fatores explicam nossa visão de uma desaceleração do PIB. No entanto, também são elementos que podem causar eventuais erros de projeção. Se houver mais estímulos fiscais do que o esperado, essa projeção subestimaria o crescimento econômico. Portanto, precisamos acompanhar de perto a questão fiscal.

Prevemos uma taxa Selic de 11,75% ao final deste ano, subindo para 12% no início do próximo ano, e depois caindo para 11% na segunda metade de 2025. Nossa visão é de que os juros brasileiros continuarão subindo, enquanto os juros americanos devem continuar caindo, com cortes de 0,25 ponto percentual pelas próximas várias reuniões. Esse cenário de diferencial crescente entre as taxas de juros dos dois países tende a atrair capital de curto prazo para o Brasil, o que pode valorizar o câmbio. Projetamos um dólar a R$ 5,40 no final deste ano e a R$ 5,20 no final de 2025.considerando que o risco fiscal permanecerá relativamente contido.

No que diz respeito à inflação, projetamos 4,4% para este ano e 4,2% para o próximo ano, com a inflação se mantendo perto do topo da banda de tolerância de 4,5% – ainda distante da meta de 3%. Embora a inflação deva desacelerar um pouco no próximo ano, acompanhando a desaceleração da economia, ela ainda deve permanecer relativamente alta.

MT – Está mapeada nessa projeção de inflação as queimadas e os efeitos do Rio Grande do Sul?
FG – Sim, estão mapeados, assim como estão mapeados outros riscos que podem pressionar a inflação para cima. Um exemplo é o possível aumento no custo da energia no Brasil, com a elevação da bandeira tarifária, especialmente se a seca persistir, o que ainda pode gerar impacto adicional. Esses são fatores que podem aumentar a inflação tanto neste ano quanto no próximo.

Além disso, se no próximo ano não houver a apreciação cambial que estamos projetando, com o dólar a R$ 5,20, isso também pode resultar em uma pressão inflacionária maior, acima da nossa previsão atual de 4,2%. Então, de fato, existem alguns fatores que poderiam nos levar a revisar as projeções inflacionárias para um patamar mais elevado.

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