E se Joe Biden ignorasse as criptomoedas?
Apesar das diversas legislações relacionadas a cripto em todo o mundo, o foco sempre está na atitude do governo americano.
Para entender o que provavelmente irá acontecer, devemos entender como as coisas estão atualmente. A presidência de Donald Trump foi uma época movimentada para cripto.
Logo após sua eleição, o bitcoin começou sua alta lendária de preço em 2017, que atingiu uma alta recorde de US$ 20 mil em dezembro desse ano. Na época, a sabedoria convencional era que criptomoedas eram um tipo de proteção contra incertezas econômicas.
Tempos de incerteza e a “bull run” de 2017
Olhando para trás, parece que tudo antes de 2020 era idílico.
Se pensarmos em 2016, somos capazes de relembrar que aquela época foi tumultuosa. Brexit, a chocante eleição presidencial, as relações EUA-Rússia — a geopolítica estava repleta de tensão e, devido a essa incerteza, criptomoedas floresceram.
Apesar de o conceito de criptomoedas e tecnologia blockchain existir antes disso, não tinha chamado a atenção popular.
Grande parte das pessoas que haviam falado sobre criptomoedas antes 2016 ou eram ativas no setor de tecnologia ou as associavam à dark web e a atividades ilegais on-line por conta do sensacionalismo das histórias em que apareceram.
Naquela época, a novidade do bitcoin e o influxo de pessoas que “buscavam por ouro” ao comprar a criptomoeda fez muitos acreditarem que era uma modinha ou até mesmo um esquema de pirâmide destinado ao fracasso.
Muitos analistas financeiros tradicionais alertaram sobre o envolvimento com criptomoedas e consideravam imprudente o acréscimo de bitcoin ao portfólio de investimentos.
Recessão e “inverno cripto”
Para o espanto de muitos que acreditavam que cripto era a nova e inevitável realidade econômica, os céticos estavam certos — pelo menos a princípio. O bitcoin nunca atingiu US$ 20 mil e, no início de 2018, começou sua estável queda, chegando à marca dos US$ 3 mil.
Em meio à empolgação por sua ascendência, aqueles que acreditaram que essa nova indústria era o futuro econômico estavam convencidos de que seria apenas uma questão de tempo antes de instituições financeiras e governos prestarem atenção em cripto.
Porém, apesar dessas expectativas, isso nunca aconteceu — pelo menos não da forma transcendente que os defensores da indústria queriam que acontecesse.
O bitcoin caiu, mas não tinha “morrido”, e novas moedas surgiram — como a ilustre Ethereum. Os setores cripto e blockchain se expandiram. O bitcoin se recuperaria ao nível de US$ 10 mil.
Rumores sobre o desejo de tal banco em incorporar a tecnologia blockchain ou “arriscar tudo” em cripto sempre circulavam, mas isso nunca aconteceu. Em vez de haver uma mudança na política das finanças tradicionais, o que aconteceu foi uma concentração de poder na indústria cripto.
Corretoras se popularizaram em todo o mundo conforme “day traders” (investidores que negociam diariamente) e especuladores, atraídos pelo fácil acesso e liberdade legislativa da indústria, fizeram com que diversas corretoras cripto se tornassem empresas multibilionárias.
A postura dos EUA
Conforme corretoras cresciam e a atividade cripto não mostrava sinais de que iria diminuir, surgiu a pressão sobre governos por apresentarem uma estrutura legal para cripto.
Nos EUA, embora o próprio Serviço Interno de Receita (IRS) estivesse disposto a obter uma fatia dos lucros de transações, talvez a postura oficial em relação a criptomoedas possa ser melhor descrita como “condescendente”.
Porém, os planos do Facebook em lançar sua própria criptomoeda Libra forçaram as autoridades americanas a avaliar seriamente a situação.
A administração Trump sempre teve uma relação contraditória com a indústria das moedas digitais. Os dois protagonistas foram Steven Mnuchin, secretário do tesouro americano, e o próprio presidente Trump.
Quando os planos da Libra do Facebook foram divulgados, Mnuchin declarou publicamente que criptomoedas são “uma ameaça de segurança nacional”. Embora não se saiba o que ele quis dizer exatamente, ele considerou cripto como um meio principal de lavar dinheiro e apoiar o terrorismo.
Se o mundo cripto ficou decepcionado com a fala do secretário do tesouro, eles não iriam encontrar palavras de conforto nas declarações do presidente. Trump tuitou:
Não sou fã de bitcoin e outras criptomoedas, que não são dinheiro, cujo valor é altamente volátil e baseado em nada. Criptoativos não regulados podem facilitar o comportamento ilegal, incluindo o tráfego de drogas e outras atividades ilegais.
I am not a fan of Bitcoin and other Cryptocurrencies, which are not money, and whose value is highly volatile and based on thin air. Unregulated Crypto Assets can facilitate unlawful behavior, including drug trade and other illegal activity….
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 12, 2019
O efeito COVID
Apesar das declarações públicas da administração de Trump, o mercado cripto se provou resiliente. Isso aconteceu até os estágios iniciais da pandemia da COVID-19.
Apesar de o bitcoin ter sido considerado como um “ativo de refúgio”, caso mercados tradicionais despencassem, mercados globais entraram em espiral em março de 2020 e cripto fez o mesmo. Bitcoin despencou para US$ 5 mil, estabilizando-se antes de cair para US$ 4 mil.
Porém, a história mudou novamente. Bitcoin esteve se aproximando de sua alta recorde. O ambiente também mudou drasticamente. Há quatro anos, uma pessoa teria que se virar para adquirir bitcoin mas, hoje em dia, é extremamente fácil.
Embora a incerteza tenha sido o assunto da pandemia, as finanças descentralizadas (DeFi) se tornaram um grande foco econômico.
Muitos acreditam que as consequências econômicas a longo prazo do coronavírus irão, dentre outras coisas, acelerar os atuais processos de digitização. A indústria cripto e blockchain estará na posição principal para se beneficiar dessa tendência.
Além disso, como uma indústria resistente à quarentena, DeFi têm sido uma das poucas indústrias que fornece, a clientes e investidores, oportunidades econômicas em locais onde são escassas.
Cripto em ascensão e Biden no limite
Tudo isso nos leva à eleição recente. Desde que Biden foi eleito, o bitcoin — que você pode considerar como um indicador para a indústria cripto como um todo — subiu US$ 5 mil.
As pessoas estão confiantes em relação a cripto durante a administração de Biden, mas não necessariamente por conta de qualquer tipo de postura positiva em nome de Joe Biden. O mercado acionário também parece ter voltado ao normal.
Embora criptomoedas tenham sido consideradas como um ativo de proteção, talvez seria melhor considerá-las menos como uma alternativa às finanças tradicionais e mais como uma melhoria.
A forma como seu desempenho espelhou os mercados acionários globais ilustra que seu sucesso depende da saúde econômica geral.
Aqueles que se mantêm fiéis a cripto, ao longo de seus altos e baixos, podem sentir que agora é a hora de desenterrar os tuítes sobre “esquemas de pirâmide” e entrar em contato com amigos e família que os consideraram malucos.
Cripto está, sem dúvidas, em uma posição bem mais forte do que na última vez, conforme se aproxima dos US$ 20 mil.
Ainda não se sabe qual a postura de Biden sobre criptomoedas, mas ele contratou pessoas que parecem pelo menos entender a tecnologia. Gary Gensler, por exemplo, está liderando a equipe de transição de supervisão financeira de Biden. Uma vez, em um editorial à CoinDesk, ele disse:
A capacidade dessa tecnologia ser uma catálise para a mudança é real. Eu continuo intrigado pelo potencial da inovação de Satoshi em estimular mudanças — seja direta ou indiretamente como uma catálise.
Biden escolheu Janet Yellen, ex-líder do Federal Reserve, como sua secretária do tesouro.
Existem rumores nos sites cripto de que ela é uma fã de blockchain, mas seus comentários públicos sobre o bitcoin no Fed eram a respeito de sua volatilidade, sua instabilidade e sobre não ser uma moeda legal. Então, ela não é uma grande fã, mas isso pode ser uma notícia boa.
Por quê? Porque, provavelmente, os EUA continuarão apresentando estímulos fiscais para 2021 ou mais. Isso é bom para a narrativa do bitcoin como uma reserva de valor.
Além disso, o governo americano, sob a gestão de Trump, sempre reprimiu corretoras (BitMEX e outras) com pouco KYC e AML. Isso também é bom para o bitcoin e cripto em termos de compliance e pode ajudar o público a se sentir mais confiante de que não serão enganados.
Enquanto isso, a SEC continuou a fazer acordos com projetos de ofertas iniciais de moeda (ICOs) de cripto que considera como valores mobiliários. Isso também é positivo porque aquelas que sobreviverem ao processo sairão dessa mais fortes.
Se a nova administração realmente prestar atenção a cripto, provavelmente não será um futuro muito bom. Tome como exemplo o que aconteceu quando o Projeto Libra surgiu.
Foi a única vez em que cripto realmente entrou no radar fiscal do governo americano e foi um momento preocupante para grande parte dos senadores americanos. Por que seria diferente agora? Da perspectiva de um âmbito legislativo mais acolhedor para cripto, o fiasco da Libra foi épico.
Resumindo, o relativo desinteresse de Trump foi bom para cripto. Esperamos que Biden também o ignore.