É melhor que a Opep se acostume com o barril de petróleo a US$ 50 no máximo
Agora que a Rússia finalmente está terminando seu jogo de gato e rato com a Opep, a aliança mundial de produtores de petróleo espera gerar um choque de mercado capaz de provocar um repique nos preços na semana que vem, ao anunciar um corte de mais de um milhão de barris por dia (bpd) na produção.
Independente do corte ordenado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo, o cartel pode ter que viver um longo período com um preço de no máximo US$ 50 por barril, já que os transtornos causados pelo coronavírus continuam abalando a economia mundial.
Enquanto o petróleo Brent e os futuros do West Texas Intermediate caminhavam para registrar sua pior semana desde 2016, com perdas de cerca de 25% cada um no acumulado do ano, a Rússia emergiu das sombras para dizer que queria continuar cooperando com a restrição de oferta da Opep.
Mohammad Barkindo, secretário-geral do cartel, também afirmou que havia um “compromisso renovado” na aliança Opep+ no sentido de “construir o consenso para uma ação conjunta […] que mitigue a atual hipervolatilidade no mercado”.
O periódico Financial Times acompanhou tudo isso dizendo que os sauditas estavam tentando fazer com que os membros da Opep+ (principalmente a Rússia, evidentemente) se comprometessem com um corte coletivo de produção de mais um milhão de bpd.
Embora os detalhes só serão divulgados na reunião do grupo no dia 6 de março, em Viena, a mensagem que ficou foi a de um corte “significativamente maior” do que os 600.000 bpd inicialmente propostos.
Mas estamos vivendo um problema de demanda, e não de sobreoferta
A questão fundamental é que a Opep está tratando o problema como se fosse outra crise qualquer de superprodução de petróleo, ao tentar arrumar um jeito de sair dessa enrascada.
Trata-se de um mecanismo de defesa padrão do cartel, o único que ele conhece, o único que ele logicamente pode usar e o único que funcionou desde a sua fundação há 60 anos.
A restrição de oferta é provavelmente uma estratégia que funcionará de novo para a Opep, na tentativa de fazer o mercado voltar para algum nível respeitável.
Mas isso não deve acontecer com a rapidez que o grupo deseja.
De fato, a Opep pode ter que viver com um frustrante período de estagnação dos preços do petróleo na faixa de US$ 40-50 por barril.
Isso porque estamos vivendo uma crise de demanda, ao contrário da típica situação de sobreoferta que o mercado frequentemente presenciou nos últimos seis anos, graças à tecnologia de fraturamento nos EUA e ao shale oil barato.
Para piorar a situação do petróleo temos agora o mercado de ações nos EUA que pode entrar em “bear market” em questão de dias ou semanas. Não dá para negar a correlação entre o petróleo e as ações.
O contínuo “crash” em Wall Street cria um espectro aterrorizante para quem está comprado no petróleo, sem falar naqueles que apostavam em máximas históricas ininterruptas nas ações até as eleições norte-americanas de novembro, quando o presidente Donald Trump buscará garantir seu segundo mandato.
Para compreender melhor a situação atual no petróleo e determinar se há alguma chance realista de recuperação do mercado, uma viagem de volta a dezembro de 2018 vai nos ajudar.
A Opep+ anunciou um corte de 1,2 milhão de bpd em 7 de dezembro daquele ano, depois de cair em outra armadilha de excesso de oferta montada por Trump, que havia concedido isenções inesperadas a Teerã, o que acabou inundando o mercado com petróleo iraniano.
Mas o repique só aconteceu passadas quase três semanas do Natal de 2018. O WTI ainda encerrou o último mês daquele ano com uma queda de quase 11%, não tão distante do declínio de 9% do S&P 500 no mesmo período.
A partir daí, quase como um reflexo um do outro, o petróleo norte-americano e as ações em Wall Street se movimentaram em uníssono ao longo de 2019.
Não podemos subestimar a correlação entre o petróleo e Wall Street
Se a harmonia existente entre o petróleo e as ações naquele momento era válida, o colapso dos dois agora não seria uma surpresa.
Jeffrey Halley, analista da OANDA, comentou na sexta-feira que a carnificina no mercado provocada pelo vírus já afetou tudo, desde ações até títulos governamentais e o dólar, ou seja, tudo indica que as coisas ainda podem piorar antes de apresentar qualquer sinal de melhora.
A relação entre o petróleo e as ações em dezembro de 2018 também nos dá uma ideia do atoleiro no qual os preços do petróleo podem entrar desta vez.
Empresas como a gigante da tecnologia Apple (AAPL), a fabricante de bebidas Constellation Brands e a construtora Lennar emitiram alertas em relação aos seus lucros, dizendo que seus resultados trimestrais ficariam abaixo do previsto, em razão das incertezas econômicas.
Voltando a fevereiro de 2020, a Apple afirmou que não deve satisfazer suas projeções para o segundo trimestre; a Microsoft (MSFT) avisou que provavelmente terá um desempenho aquém das expectativas no terceiro trimestre fiscal; e a Nike Inc (NKE) declarou que havia fechado cerca de metade das suas lojas na China, enquanto no restante dos seus estabelecimentos o movimento estava mais baixo do que o esperado.
Será que os mercados de ações e petróleo podem contar com a ajuda do estímulo econômico, principalmente de um corte de juros?
Pode ser que sim e pode ser que não, declarou a Moody’s Analytics em uma nota na quinta-feira.
A agência de classificação afirmou que o Federal Reserve (Fed) talvez precise retomar o ciclo de flexibilização encerrado em dezembro se houver sinais de que a economia norte-americana – que estava em seu 11º ano de crescimento – esteja sofrendo uma grande ameaça do coronavírus.
Não pararam as especulações nesta semana de que o banco central dos EUA pode anunciar um corte de meio ponto nos juros na sua próxima reunião de política monetária em março.
Corte de juros pode ajudar, mas não resolverá o problema totalmente
No entanto, em razão da incerteza gerada pelo vírus, “os cortes de juros do Fed podem não ser suficientes para estabilizar os mercados”, complementou a Moody’s Analytics.
A agência de classificação afirmou ainda que espera que a economia dos EUA cresça a uma taxa anualizada de 1,3% no primeiro trimestre, o que corresponde a uma queda de 0,6% por causa do vírus.
O crescimento para todo o ano de 2020 é projetado em 1,7%, uma queda de 0,2%.
Indo mais a fundo na análise, a agência firmou:
“Nossa crença anterior de que o vírus ficaria restrito à China acabou se revelando otimista demais. O fato é que a pandemia está aumentando. Estimávamos que a possibilidade de pandemia era de 20%, mas agora revisamos essa projeção para 40%. Uma pandemia geraria recessão nos EUA e no mundo durante o primeiro semestre do ano. A economia já estava frágil antes do surto e vulnerável a qualquer evento fora do script. E o Covid-19 está bem fora do script.”
As implicações para o petróleo serão piores se houver uma queda na confiança dos consumidores nos EUA, que são responsáveis por 70% do crescimento do país. Esqueça a desaceleração no varejo ou no comércio.
Simples mudanças comportamentais dos consumidores, como não ir ao cinema, não jantar fora ou cancelar planos de viagem por causa das preocupações com a pandemia podem fazer um enorme estrago na economia americana, e os cortes de produção da Opep pouco podem fazer para melhorar a situação do petróleo.
“Trata-se de uma crise mundial, cuja magnitude ainda não conhecemos por completo. E pode ser diferente de todas as outras crises que vivemos após uma guerra mundial, na medida em que todo o mundo pode ser afetado pela disseminação desse vírus”, escreveu Tom Friedman, colunista do New York Times.