“É a política, estúpido”: O Brasil, enfim, se politizou (e isso é ótimo para a democracia)
“É a economia, estúpido!” – o estrategista de Bill Clinton, James Carville, cravou essa expressão para inverter o favoritismo de George Bush nas eleições americanas de 1992. Ele queria mostrar que a recessão seria a pauta daquela disputa, apesar da vitória na Guerra do Golfo. O consultor procurava grifar uma evidência não percebida.
Valho-me da mesma expressão para assinalar um fenômeno ainda pouco interpretado em relação às últimas eleições nacionais: o brasileiro está mais politizado. A política, definitivamente, virou assunto da mesa de bar — e de todas as camadas sociais, não mais apenas de uma casta.
As pessoas sabem o nome dos ministros do STF, de senadores, do presidente da Câmara e do Senado, de ministros de Estado… Mais: sabem de fatos específicos, comparam com outros países, questionam valores, interpretam manifestações, procuram enxergar para além das aparências. Pensam por suas próprias cabeças.
Esse processo ocorre não ao gosto de alguns que se invocam tutores da opinião pública, mas do modo livre como se dão as mudanças sociais. Ora, se antes reclamávamos que os brasileiros sabiam mais de futebol do que de política, agora essa balança se equilibrou. E isso é um ganho significativo em termos de civismo e cidadania.
A taxa de informação das pessoas aumentou muito, fenômeno que evidentemente deve ser creditado às redes sociais. E, por mais que tentem bloquear ou inibir aqui e acolá, como incrivelmente setores do Judiciário estão procurando fazer, ninguém segura o ímpeto de liberdade das pessoas. Como um rio que corre para o mar, a opinião também quer e precisa fluir.
Setores institucionalizados no carpete de gabinetes, redações e academias tentam fazer crer, a todo custo, que internet é sinônimo de fake news. Primeiro, é uma luta inglória — o povo gosta e usa as redes sociais como propriedade sua, território de independência e autodidatismo.
As pessoas agora têm acesso a fontes primárias, e elas mesmas fazem a prova e a contraprova dos fatos. Não precisam necessariamente de agências de checagem, ainda mais enviesadas politicamente.
Segundo ponto, essa pressuposição não é verdadeira. As fake news compõem parcela minoritária das postagens, devendo ser combatidas com conscientização, jamais com punitivismo estatal. A estratégia policialesca contra a liberdade de opinião é um grande tiro no pé; um verdadeiro divórcio com o povo.
Quanto mais tentarem afundar a faca nesse sentido, mais as instituições perderão conexão e legitimidade popular. Faço votos, justamente para o bem da institucionalidade nacional, que seus membros percebam isso imediatamente. Lições das ruas — e das urnas — não faltaram nesse sentido.
Conservadores e liberais ficarão na política para além de Bolsonaro
Nada disso substitui o papel do jornalismo profissional, das instituições e dos partidos políticos, para citar três vetores que formam a opinião pública. Todavia, esses e outros vetores precisam exercitar um pouco mais a autocrítica, de modo a perceber que, se seus papéis podem e devem ser exercidos, jamais podem sobrepujar a autonomia dos indivíduos em sua jornada cívica.
É a política, senhoras e senhores! Percebamos isso. O povo está discutindo política — e essa é uma grande notícia, gostem ou não os tutores do comportamento social. Mas, aceitemos a realidade posta.
Metade do país é aderente ao canto de sereia esquerdista — ideário que eu rejeito completamente. Todavia, não há como negar que o posicionamento petista, sob a liderança de Lula, segue sendo capaz de mobilizar multidões. É a democracia!
Por outro lado, está consolidada uma massa conservadora e liberal — com densidade intelectual e alta organicidade social —, que ficará na realidade brasileira para muito além de Bolsonaro como pessoa. É um público majoritariamente sênior, mas com muitos jovens também.
Um Nikolas Ferreira ou um Marcel van Hattem, para dar exemplos mais evidentes, não são produto do mero “bolsonarismo”, mas meninos formados numa escola intelectual que já existia no mundo todo — e que apenas agora se inaugura no Brasil. Mas que veio para ficar, vide a composição da Câmara dos Deputados e do Senado.
Nesse sentido, diminuíram poder de influência programas de rádio e televisão com grandes produções — que, em muitos estados, perderam as eleições.
A narrativa publicitária se defronta com a política — e perde. As candidaturas, doravante, precisam revisitar suas apostas exageradas em estratagemas de marketing e reencontrar a essência do que efetivamente representam.
Os valores também vieram para a discussão política, muito além do discurso programático que outrora dominava os debates. E o povo dá lições, aos teóricos do caos e da violência, de que a polarização compõe a democracia e produz uma saudável dialética. Fora episódios esporádicos de agressividade, convivemos adequadamente com o bom debate entre diferentes visões de mundo.
Os amantes do equilibrismo, de igual modo, precisam visitar seus divãs. Há espaço para um discurso de centro, eis que existe no mundo todo. Todavia, os bons modos e as doces palavras não podem ser o único atributo para construir um posicionamento político. Não adianta apenas transformar a polarização num sparring se não conseguiu produzir algo melhor em seu lugar. De novo, é a política!
Muitos julgavam que 2018 havia sido uma onda, finita e excepcional. Eis que a turbulência virou o próprio oceano, como parte de uma nação democrática e afeita à convivência entre diferentes.
Não é mais apenas pão e circo, para finalizar com outra expressão cunhada pela história. As pessoas estão discutindo política! Ainda vamos demorar bastante para entender as lições de 2022.
*Cleber Benvegnú (@cleber.benvegnu) é sócio-fundador da agência Critério. Jornalista, consultor político e especialista em gestão de imagem e reputação. Foi secretário de Estado da Comunicação e Chefe da Casa Civil do RS.
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