Economia

Dos fundos ao crédito, juro na mínima histórica remodela mercado

07 out 2019, 12:34 - atualizado em 07 out 2019, 12:34
A taxa básica de juros está em 5,5%, quase um terço do nível de 14,25% de 2016 (Imagem: Victor Moriyama/Bloomberg)

A taxa Selic na mínima histórica coloca a economia brasileira em um território ainda desconhecido e promete reformular praticamente todos os mercados locais, desde o imobiliário até o cenário de investimentos.

Após as recentes reduções do Banco Central, a taxa básica de juros está em 5,5%, quase um terço do nível de 14,25% de 2016. E bancos como o Santander e outros apostam que pode cair mais um ponto percentual adicional até o final deste ano, dada a inflação controlada e o fraco crescimento.

Enquanto a atividade demora mais do que o esperado para reagir ao que parece ser um período mais longo de taxas baixas, veja onde os cortes no custo dos empréstimos estão causando o maior impacto na vida real na maior economia da América Latina:

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Crédito imobiliário

Os empréstimos imobiliários são uma das linhas de crédito mais diretamente afetadas pelo afrouxamento monetário por uma simples razão: quase 70% desses empréstimos são concedidos pelo banco estatal Caixa Econômica Federal, com boa parte da taxas subsidiadas. No ano até agosto, esses empréstimos cresceram quase 13% em comparação com o mesmo período de 2018, mais que o dobro do ritmo geral do crédito. As taxas médias de juros anuais estão em torno de 8%, uma das mais baratas disponíveis para os consumidores. Uma queda de dois pontos percentuais na taxa Selic dá a 500.000 famílias por ano a oportunidade de comprar sua primeira casa, de acordo com Rubens Menin, bilionário fundador da construtora brasileira MRV Engenharia e Participações SA.

Custo da dívida pública

A combinação de inflação baixa e menores taxas de juro também alivia os encargos da dívida do setor público no Brasil. O pagamento de juros da dívida pública ficou aproximadamente em 5% do PIB, no acumulado do ano até agosto, quase metade do final de 2015. Isso ocorre porque a maior parte da dívida pública federal está indexada à inflação ou à Selic. “Um puxa o outro e tudo deixa a dívida mais barata, inclusive os prefixados”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management. A melhoria é limitada pelo fato de o governo continuar gastando mais do que recebe com a receita tributária, aumentando o estoque de dívida.

Financiamento corporativo

As empresas estão entre as maiores beneficiadas com a redução dos custos de financiamento, de acordo com Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg Consultores Associados. Com uma queda espalhada por toda a curva de juros e se reproduzindo em indicadores como o risco-país, um efeito é a possibilidade de financiamentos de longo prazo mais baratos nos mercados de capitais, abrindo uma janela para as empresas venderem ações ou títulos em um momento de maior demanda por rendimentos, substituindo o crédito bancário em várias modalidades para pessoa jurídica. O valor das debêntures emitidas no mercado local atingiu R$ 117,4 bilhões, no acumulado do ano até agosto, um aumento de 7,3% em relação ao mesmo período de 2018, segundo a Anbima. Seguindo o ritmo, será possível superar o recorde de R$ 153,7 bilhões emitidos no ano passado.

Migração de ativos

A busca por rendimento no novo mundo dos juros baixos reformulou não apenas os balanços das empresas, mas também todo o cenário de investimentos. Manter o dinheiro na poupança ou estacionado em notas do Tesouro se tornou menos atraente, pois os retornos com a Selic a 5,5% dificilmente se comparam aos 14,25% de apenas três anos atrás. Não por acaso, os brasileiros sacaram quase R$ 15 bilhões ao longo do ano até agosto das contas de poupança tradicionais. Ao mesmo tempo, colocou mais de R$ 660 bilhões em fundos de investimentos, segundo a Anbima. Os fundos de ações e os ETF, fundos negociados em bolsa, estão em destaque este ano, liderando os ingressos.

Varejo e novos players

O recuo do interesse na renda fixa também causou uma mudança maciça no perfil do investidor brasileiro. Equipes inteiras de gestores deixaram as tesourarias de bancos para iniciar fundos locais, que multiplicaram à medida que os retornos fáceis desapareceram e os produtos anteriormente disponíveis apenas para uma parcela da população de maior renda se tornam mais acessíveis. O número de investidores de varejo na B3 cruzou a faixa de 1 milhão em abril, um objetivo traçado há mais de uma década. A plataforma Tesouro Direto, voltada para o mesmo tipo de investidores, também alcançou 1 milhão de assinantes ativos este ano, elevando a quantidade total de pessoas cadastradas no sistema para 4,5 milhões.