Dólar (USDBLR) tem primeira queda anual em 6 anos frente ao real com Selic elevada, mas fiscal e Fed são riscos para 2023
O dólar (USDBLR) teve em 2022 sua primeira baixa anual frente ao real em seis anos, depois que a divisa brasileira foi impulsionada pelo patamar elevado dos juros domésticos, mas incertezas sobre a saúde fiscal do país sob o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a continuidade do aperto monetário nos Estados Unidos prometem ser um desafio para o mercado de câmbio em 2023.
Depois de subir 0,43% nesta quinta-feira, fechando o último pregão do ano em 5,2779 reais na venda, o dólar acumulou queda de 5,3% em 2022 a primeira baixa anual desde 2016, quando a divisa norte-americana havia despencado 17,52%.
Boa parte das perdas deste ano veio no primeiro trimestre, quando a moeda norte-americana caiu expressivos 14,55% frente ao real, maior tombo percentual trimestral desde o período de abril a junho de 2009 (-15,81%).
Na menor cotação de encerramento de 2022, atingida no início de abril, o dólar marcou 4,6075 reais, num tombo que foi desencadeado pelo intenso ciclo de aperto monetário do Banco Central.
Uma taxa de juros elevada torna o real atraente para uso em estratégias de “carry trade”, que consistem na tomada de empréstimo em país de custos de empréstimo baixos e aplicação desses recursos num mercado mais rentável.
Após cair para uma mínima histórica de 2% durante a pandemia, a taxa Selic está agora em 13,75%. O Brasil oferece a maior taxa de juros do mundo em termos reais, segundo levantamento da Infinity Asset.
“Cem por cento dos participantes do mercado falam que isso é um atrativo para o real”, disse à Reuters Antonio Kritsinelis Filho, economista da gestora Octante. “Inclusive, em modelos de economistas, todos colocam (o preço justo do real) abaixo de 5 (por dólar), e todos falam que a Selic é um diferencial e o real deveria estar mais valorizado.”
Embora tenha reconhecido os juros brasileiros elevados como um impulso para a moeda local no acumulado deste ano, Kritsinelis ponderou que algumas economias emergentes latino-americanas, como Chile e Colômbia, também têm custos de empréstimos altos para os atuais padrões globais, o que pode ameaçar a atratividade do Brasil, principalmente se o mercado entender que a responsabilidade fiscal vai desandar sob o governo de Lula.
“Se tiverem com uma inclinação fiscal melhor, os outros países são melhores” para receber investimentos em 2023, disse o economista.
Já o Bank of America disse em relatório de perspectivas para 2023 que “o câmbio (brasileiro) deve ser apoiado por uma combinação de alto ‘carry’ e altas taxas reais, mas o fiscal continua sendo um risco importante”.
Fiscal
A saúde das contas públicas será o grande tema do novo ano que se aproxima. Um vislumbre de o que pode acontecer veio em novembro deste ano, quando o receio sobre gastos excessivamente elevados sob o governo do presidente eleito levou o dólar para acima de 5,40 reais.
“O que a gente esperava do Lula, um discurso parecido com o do governo Lula 1.0, não veio. E a adrenalina, ela não vai para o cérebro, ela vai para as pernas: se você tem medo, você corre e pensa depois, e essa corrida impacta no preço”, disse à Reuters Wilson Barcellos, presidente-executivo da Azimut Brasil Wealth Management.
Apesar dos riscos, ele ponderou que a desidratação da PEC da Transição durante negociações com o Congresso ajudou a tranquilizar os mercados, de forma que o dólar encerrou o último trimestre do ano em níveis mais “comportados”. No período de outubro a dezembro, a moeda norte-americana caiu 2,15% frente ao real.
O Congresso Nacional promulgou a PEC na semana passada. O texto aumenta o teto de gastos no ano que vem em 145 bilhões de reais para o pagamento do Bolsa Família, garantindo recursos para outros gastos.
Da forma como havia saído do Senado, a proposta ampliava o teto em 145 bilhões por dois anos e, em sua configuração inicial, permitia 175 bilhões de reais em gastos extrateto para financiar o Bolsa Família por tempo indeterminado.
“A PEC da Transição era um negócio que começava com gastos meio que infinitos, sem período de tempo. Depois, passou para quatro anos, depois dois anos e, agora, vem para um ano. Isso traz alento para o mercado”, disse Barcellos.
Agora, o foco de investidores passa para o novo arcabouço fiscal que o governo deve apresentar no ano que vem para substituir o teto de gastos a principal âncora para as contas públicas atualmente, que foi alvo de críticas de Lula durante toda a campanha eleitoral.
“O mercado vai focar a nova âncora fiscal que deve ser finalizada no primeiro semestre, e o quão rígida ela for ou o quão frouxa ela for vai determinar se o real estará à frente ou atrás do dólar”, disse Kritsinelis, da Octante, notando grande incerteza entre os investidores sobre qual será essa nova estrutura fiscal.
O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já afirmou que o novo arcabouço a ser enviado ao Congresso Nacional em 2023 terá como critérios a estabilidade das contas públicas e a viabilidade de ser cumprido.
Federal Reserve
Um dos fatores que jogaram contra o real neste ano foi o intenso ciclo de aperto monetário do Federal Reserve, que elevou sua taxa de juros em 4,25 pontos percentuais desde março deste ano de forma a enfrentar a inflação mais alta em décadas.
Foi, na maior parte, graças aos temores globais sobre a agressividade do banco central norte-americano que o dólar disparou 9,83% frente à divisa brasileira no segundo trimestre deste ano.
Quanto mais altos são os juros nos Estados Unidos, mais o dólar tende a se beneficiar globalmente, conforme investidores redirecionam dinheiro para o mercado de renda fixa norte-americano.
Em sua última reunião de política monetária, em meados deste mês, o Fed desacelerou o ritmo de seu aperto monetário ao elevar sua taxa de juros em 0,50 ponto percentual, depois de ter promovido ajustes de 0,75 ponto percentual em cada um de seus três encontros anteriores.
No entanto, autoridades do banco central têm alertado que a redução da magnitude das altas não significa que o patamar final dos custos dos empréstimos será baixo, e, em suas últimas projeções econômicas, estimaram a taxa básica acima de 5% ao final de 2023, de acordo com as medianas.
“O balanço de riscos ainda parece inclinado para o lado altista de inflação e, dessa forma, para uma resposta de política monetária mais incisiva do que a atualmente esperada” pelo Federal Reserve, disse a Santander Asset em relatório recente.
Embora o cenário pareça favorecer o dólar, há quem argumente que o aperto monetário do Fed prejudicará a economia norte-americana ao ponto de forçar uma pausa ou até reversão das altas de juros, o que abriria espaço para a valorização de outras moedas.
“Uma recessão vem muito em linha com o desaquecimento da economia, que vem com o desaquecimento de preço. Isso faz com que a taxa de juros (dos EUA) ceda, e, quando você faz a arbitragem de juros, o Brasil tem uma taxa absolutamente fantástica. Então isso (recessão nos EUA) não me assusta neste momento”, disse Barcellos, da Azimut.
“Se a gente mantém a taxa de juros (Selic) elevada pelo período que é esperado pelo mercado, de seis a 12 meses; se a gente tem a expectativa de inflação americana convergindo para níveis de desaceleração; se a gente tem um fiscal minimamente responsável, ou o dólar fica a 5,30 ou o dólar cai”, acrescentou ele.
Ainda no cenário internacional, outro ponto de atenção para o ano que vem deve ser a situação sanitária na China, depois que o presidente do país, Xi Jinping, descartou a política Covid-zero diante de protestos e em meio a um surto crescente de casos da doença.
“Ao final de 2022, o governo indicou a disposição para um relaxamento dessa diretriz, algo que deverá se intensificar durante 2023 e afetar positivamente a atividade econômica. No entanto, existe a possibilidade de que aumentos de casos levem a uma reversão, ainda que parcial, desse relaxamento, o que pode trazer alguma desaceleração na economia”, disse a Santander Asset.
Como o Brasil tem estreitos laços comerciais com a China, o real é muito sensível à saúde da segunda maior economia do mundo.