Dólar desceu a ladeira: Moeda vai recuperar o ‘escorregão’ ante o real?
O dólar à vista (USDBRL) nunca caiu tantas vezes consecutivas. Entre os dias 20 de janeiro e o 4 de fevereiro, a moeda norte-americana engatou 12 quedas seguidas — a maior desde a criação do real em 1994 — e caindo do patamar acima de R$ 6 para abaixo de R$ 5,80.
Depois de uma breve pausa, a divisa voltou a cair e encerrou a sessão da véspera (6) a R$ 5,7639 — no menor nível desde 19 de novembro. No acumulado do ano, a moeda já acumula recuo de 6,74%.
E ao contrário do que muitos analistas previam, o dólar iniciou 2025 “mais fraco” — mesmo com Donald Trump assumindo a presidência dos Estados Unidos com promessas de tarifas a vários países e outras medidas consideradas inflacionárias.
Mas o que derrubou tanto o dólar?
Segundo analistas ouvidos pelo Money Times, o movimento pode ser explicado pela combinação de motivos.
O primeiro deles é o tom mais brando de Trump do que o esperado. Durante a campanha, o republicano defendeu a imposição de tarifas, a expansão dos cortes fiscais — a exemplo de 2017 — e outras medidas protecionistas, que poderiam elevar a inflação e manter os juros mais altos na maior economia do mundo, hoje na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano.
Porém, a poucos dias da posse, Trump começou a diminuir esse ‘tom’. Também, ele não assinou um decreto de taxação nos primeiros dias do mandato — como o esperado.
Esse movimento “contribuiu para o fluxo de investimento fluir melhor, principalmente para os países emergentes, que seriam vítimas dessa política de taxação dos Estados Unidos”, afirma Douglas Ferreira, diretor da mesa de câmbio da Planner Investimentos.
Até o momento, Trump anunciou tarifas para três países: Canadá, China e México. No caso dos países vizinhos, o presidente norte-americano recuou e suspendeu as tarifas sobre os produtos canadenses e mexicanos até meados de março.
Os produtos chineses foram taxados em 10%. Em retaliação, a China também anunciou tarifas adicionais de 15% sobre as importações de gás natural (GNL) e carvão norte-americano e de 10% sobre petróleo, máquinas agrícolas e alguns veículos. Ainda é esperado um acordo entre os dois países, assim como aconteceu com o México e o Canadá.
“A China hoje acaba dominando as exportações brasileiras e o nível do dólar tem uma certa correção em relação aos Estados Unidos e China, mas essa briga já era esperada. E ela é positiva para nós, no sentido de que enquanto o Trump está gastando as energias dele com a China, esquece de sobretaxar os nossos produtos. O Brasil está um ‘pouquinho’ fora do radar”, afirma Elson Gusmão, diretor da mesa de câmbio da Ourominas.
Já no cenário doméstico, a agenda doméstica ficou mais esvaziada com o recesso do Congresso Nacional e novas sinalizações do governo de compromisso com as contas públicas após cumprir a meta fiscal em 2024.
Agora com o Senado comandado por Davi Alcolumbre e Hugo Motta como presidente da Câmara dos Deputados, a expectativa é que não haja aprovação de reformas estruturais.
O que deve chamar atenção daqui para frente é a retomada das discussões da isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês. Na avaliação dos analistas, porém, a matéria já está precificada no mercado.
“Passando a aprovação ou não, eu acredito que o governo já deixou claro para o mercado o que quer fazer. Então, o mercado não reagirá nesse primeiro momento”, afirma Gusmão, da Ourominas.
E agora: dólar acima de R$ 6 nunca mais?
Mas, na visão dos analistas ouvidos pelo Money Times, a realidade deve ser outra: a divisa norte-americana pode ficar um pouco abaixo disso — com algumas peças ainda a se encaixar no jogo.
“O humor do Trump é o que vai definir o patamar do dólar ante o real”, afirma Gusmão, da Ourominas. “Se mantivermos o cenário de hoje, a divisa no nível R$ 5,80 é um bom suporte para novas quedas ante o real.”
Nas projeções da Ourominas, a moeda norte-americana deve operar entre R$ 5,75 e R$ 5,90 pelo menos nas próximas duas semanas.
Na mesma visão, Ferreira, da Planner Investimentos, afirma que o mercado ainda espera um tom “mais certeiro e direcionado para o Brasil” a respeito das políticas tarifárias do governo Trump.
“Quando isso acontecer [imposição de tarifas], pode ser que o dólar volte a subir um pouco mais, mas eu acredito que, dado o cenário e as expectativas que temos, talvez não chegue a R$6,00 de novo”, disse.
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Já Paula Zogbi, gerente de Research da Nomad, não descarta o impacto do cenário doméstico no câmbio — a exemplo do ano anterior.
Para lembrar: o dólar atingiu a cotação recorde de fechamento a R$ 6,26 em meados de dezembro com as incertezas sobre o cenário fiscal, com a isenção do IR entre as principais preocupações do mercado, além do temor sobre a trajetória dos juros norte-americanos e a expectativa pelo governo Trump.
“Qualquer má notícia em relação ao fiscal, em relação a como o governo lida com a dívida pública, pode ser um choque para o real, pode ser um choque negativo para o real e trazer uma valorização do dólar”, afirma.
“Então, a gente ainda está um pouco na corda bamba nessa frente, justamente porque não temos grandes avanços, grandes notícias nessa frente”, acrescenta.
Atenção, os juros continuam elevados — e pode ajudar o Brasil
Para além do cenário fiscal doméstico e das políticas protecionistas dos Estados Unidos, a taxa de juros brasileira também é um fator a se prestar atenção no médio e longo prazos, na visão dos analistas ouvidos pelo Money Times.
Hoje, a Selic está a 13,25% ao ano, com a expectativa de alta de mais de 1 ponto percentual em março, o que leva os juros a 14,25% ao ano. O consenso do mercado é de que a taxa básica deva atingir 15% no pico do ciclo de aperto monetário do Banco Central (BC).
“Essa taxa de juros do Brasil acaba sendo muito atrativa para o investidor estrangeiro. Apesar de nós termos várias questões políticas e fiscais, o BC é muito respeitado lá fora. Então, os investidores olham para isso também”, afirma Gusmão, da Ourominas.
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Nos Estados Unidos, que é a maior economia do mundo, a taxa de juros também segue em patamares elevados: atualmente no intervalo de 4,25% a 4,50%, com o mercado precificando dois cortes de 0,25 ponto percentual cada até o final do ano.
“Os juros norte-americanos não estão em trajetória de queda neste momento. O Federal Reserve [BC dos EUA] deu uma pausa no ciclo de cortes da taxa de juros, mas o diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos está aumentando”, disse Zogbi, da Nomad.
“Isso ajuda a trazer algum fluxo de dinheiro, algum fluxo de dólares para a nossa economia, justamente pelo carry trade. E considerando que não tem um grande stress da frente fiscal, que poderia minar essa entrada de dinheiro pela percepção de risco maior, a gente pode ver, sim, esse diferencial de juros fazendo alguma diferença para o nosso câmbio”, acrescenta.