Dólar cai 6,6% na semana e vai a R$ 4,98 com exterior positivo após dados nos EUA
O mercado de câmbio voltou a ser dominado por uma onda de venda de dólares nesta sexta-feira, que coroou a melhor semana para o real em mais de 11 anos, em meio à disparada da demanda global por risco diante de um crescente otimismo econômico no mundo.
A surpreendente geração de vagas de emprego nos EUA em maio serviu de catalisador para investidores desfazerem mais posições contrárias ao real, depois de a moeda brasileira ter batido sucessivas mínimas históricas sob pressão de incertezas políticas domésticas.
Participantes do mercado disseram que a leitura foi muito melhor do que a esperada, sinal de que o pior da crise econômica do coronavírus pode já ter passado.
“Além disso, o anúncio da ampliação do programa de estímulos monetários feito pelo BCE ontem ainda traz impulso adicional aos negócios“, disseram os analistas do Bradesco.
O Banco Central Europeu aprovou uma expansão maior do que a esperada em seu programa de estímulo na quinta-feira para impulsionar suas economias, ampliando as compras de ativos emergenciais em 600 bilhões de euros, para 1,35 trilhão de euros.
O dólar interbancário fechou esta sexta em baixa de 2,80%, a 4,9877 reais na venda, menor nível desde o último dia 13 de março (4,8128 reais).
Na semana, o dólar recuou 6,60%, mais intensa depreciação desde outubro de 2008. Esta marcou a terceira semana consecutiva de perdas para a divisa norte-americana no Brasil. No período, a cotação cedeu 14,58%%, maior desvalorização para esse intervalo desde pelo menos o fim de março de 2002.
Na B3 (B3SA3), o dólar futuro tinha queda de 2,99%, a 4,9720 reais, às 17h32.
Dados da operadora da Bolsa mostram que investidores estrangeiros venderam dólares nos mercados futuros desde 13 de maio, quando a moeda cravou a máxima recorde nominal.
Os estrangeiros venderam, em termos líquidos, 2,287 bilhões de dólares em contratos de dólar futuro, cupom cambial e swap cambial. Já os fundos locais desmontaram bem menos, 943 milhões de dólares, no mesmo período.
Ambos os grupos ainda mantêm posições líquidas compradas em dólar, mas, dada a pulverização de instrumentos e mercados utilizados para se montar apostas no câmbio, analistas chamaram atenção para as variações de posições, ambas no sentido de venda de moeda dos EUA.
Roberto Motta, chefe da mesa de futuros da Genial Investimentos, disse que boa parte dos fundos multimercados perderam o rali do real nas últimas semanas –pois mantinham o kit “compra de dólar, compra de bolsa”– e que provavelmente se viram forçados a desfazer posições de hedge (comprados em dólar) a partir do começo desta semana, depois do entendimento de atuação mais firme do Banco Central na segunda-feira.
Ele cita operações de venda de dólar de quem estava “short gamma” em opções de moeda na casa de 5 reais, 5,10 reais. Estar “short gamma” exige que o preço do ativo-objetivo da opção –no caso, o dólar– se mantenha estável para evitar que se tenha posição direcional.
Os market makers precisam manter posição neutra nas opções e, conforme o dólar à vista engatou quedas, tiveram de vender divisa no mercado para evitar posições direcionais. “Isso retroalimentou a queda do dólar”, disse Motta.
Profissionais de mercado citam de forma unânime a melhora do ambiente externo como fator de destacada relevância para a correção na taxa de câmbio. Mas apontam que uma aparente desescalada nas tensões políticas internas –além da já citada percepção de maior presença do Banco Central no mercado cambial– também têm tido papel preponderante na recente apreciação da moeda brasileira.
“Não tivemos grandes escândalos políticos nas últimas semanas”, disse William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities, acrescentando que o “real é uma moeda que tende a oscilar junto com ativos de risco como ações”.
“A julgar pelo desempenho de outras moedas emergentes, em linha com o otimismo do mercado e a menor aversão a risco, pode-se dizer que existe sim algum espaço para continuidade do movimento. Ressalto que, para isso, é fundamental que o cenário político interno não nos traga novas surpresas indesejadas”, acrescentou Castro Alves.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, segue com previsão de dólar a 4,70 reais ao fim do ano. “O dólar pode até ter caído quase 1 real das máximas, mas subiu quase 2 reais desde o começo do ano. Foi um processo de depreciação muito forte para o real”, disse.
Em junho, o real aprecia 7,07%, depois de ganhar terreno também em maio, quando quebrou uma série de quatro meses de desvalorização. A recuperação da moeda brasileira ocorreu num momento em que o fluxo cambial passou a ficar positivo na margem, o que ajudou a reduzir a pressão sobre o câmbio.
Motta, da Genial Investimentos, lembrou que recentemente o fluxo para emergentes voltou a ficar positivo e que, continuando esse movimento, o real poderá seguir em valorização e mudar o debate a respeito das atuações do Banco Central.
“O mantra do Guedes de câmbio depreciado e juro baixo não mudou”, disse, em referência a repetidas falas do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre um câmbio de equilíbrio mais fraco. “Se o BC perceber muito fluxo a caminho e o dólar continuar caindo, podemos ver uma redução das rolagens de swap cambial. Acho que isso poderia acontecer (com o dólar) perto de 4,80 reais”, afirmou Motta.
O BC tem disponibilizado lotes diários para rolagem integral de contratos de swap cambial tradicional –derivativo cuja venda equivale a uma injeção de dólar no mercado futuro. Nesta sexta, a autoridade monetária fez colocação integral de todos os 12 mil contratos de swap ofertados para rolagem.
No ano, o real ainda perde 19,54%. Estudo da FGV mostrou que os fundamentos para a taxa de câmbio melhoraram recentemente, depois de a divisa ter fechado abril com nível extremo de desvalorização, comparável aos piores números de 2015 e entre os mais intensos desde a década de 1980.
“A saída de capital aparentemente acalmou, o ajuste no estoque no balanço de pagamentos parece acalmar. Num prazo mais longo, se você não tiver inflação –algo ligado à questão fiscal–, não teria por que o câmbio nominal continuar depreciando”, disse Emerson Marçal, autor do estudo e coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP).