Dólar abaixo de R$ 5,40? É a hora de confirmar compromisso com arcabouço fiscal, diz Marcos Weigt, do Travelex Bank
Desde o dia 24 de junho, o real passou por uma forte desvalorização perante ao dólar. Em uma semana, a moeda americana disparou de R$ 5,3893 para R$ 5,6770 — uma valorização de 5,34%, sendo que ao longo dos pregões, o dólar chegou a bater o patamar dos R$ 5,70.
O movimento ganhou força após falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o mercado financeiro e a política monetária adotada pelo Banco Central, piorando a percepção dos investidores com a responsabilidade fiscal do atual governo.
- Dólar em alta? Veja a melhor forma de investir na moeda americana para poder proteger seu patrimônio
Isso fez com que o real conquistasse a pior performance entre as moedas emergentes em 2024, até agora, segundo a XP Investimentos. No ano, a moeda já desvalorizou 12,6%, ficando atrás do peso argentino (-11,5%), da lira turca (-9,3%) e o peso mexicano (-6,6%).
No entanto, nos últimos dias, a disparada do dólar vem dando uma trégua. Desde terça-feira (2), a cotação da moeda já caiu 3,30%, após notícias de que Lula autorizou um corte dos gastos público de mais de R$ 25 bilhões na tentativa de reafirmar o compromisso com a responsabilidade fiscal. Além disso, o presidente teria sido orientado a mudar o tom das críticas ao mercado financeiro e Banco Central.
Mas nem tudo são flores. Em entrevista exclusiva para o Money Times, Marcos Weigt, head de tesouraria do Travelex Bank, destacou que a alta recente teve um motivador muito claro: a preocupação com o fiscal.
“Agora, a gente vai ver se realmente eles [governo] vão cumprir o arcabouço fiscal e se esses cortes de gastos estão sendo feitos”, afirmou ao ser questionado sobre o que falta para a moeda voltar ao seu patamar anterior.
Dólar alto: Confira a entrevista com Marcos Weigt, do Travelex Bank, na íntegra
MONEY TIMES: Quais são os fatores internos e externos que levaram a essa disparada do dólar?
MARCOS WEIGT: Bom, do lado externo, o dólar tem se valorizado frente a outras moedas. Agora, quando a gente olha a comparação de moedas emergentes contra o real, como o peso mexicano contra o real, o rand sul-africano contra o real, ou até outras moedas contra o real, a gente vê que a nossa moeda se desvalorizou muito mais que essas outras.
Então, nessa alta recente, uma parcela pequena da alta foi por conta da alta do dólar no mundo. O resto foi tudo em função dessa insegurança que o mercado tinha com relação ao cumprimento do arcabouço fiscal e dessa transição do Banco Central. Era tudo pautado em cima do fiscal.
MT: O governo chegou a falar em um “jogo especulativo contra o real”. Isso realmente chegou a acontecer ou não é algo que vocês viram?
MW: O que aconteceu com essa insegurança toda, não só fundos de investimento e bancos, mas também pessoas físicas e empresas começaram a comprar mais dólares.
Uma coisa que não era muito comum no passado era os investidores pessoas físicas no Brasil investirem parte do seu patrimônio em dólar. Mas isso se tornou muito comum desde 2021, naquela época que a taxa de juros foi para 2%. A partir daí, a gente viu um movimento grande das corretoras, dos bancos, indicando investimentos em dólar ou em euro, em outras moedas. Isso se tornou mais comum para o investidor local.
Então, a gente viu nesse aumento de incerteza esse movimento de pessoas físicas também, sabe? Empresas preferindo deixar o caixa lá fora ao invés de internar. Não foi um movimento só de especulação financeira, tá?
Além disso, o que acontece nas altas de dólar é que, quanto mais sobe, mais demanda gera. Normalmente, em produtos é diferente: quanto mais sobe o preço, menos as pessoas querem comprar. No caso de ativos financeiros, acontece o contrário, sabe?
É lógico que tem um motivo. No caso dessa alta, o motivador era a preocupação com o fiscal. Tanto que, ontem, só pela menção dessa reunião [de Lula com a equipe econômica para falar de Orçamento] e pelas falas de Haddad já caiu 2%. Hoje, depois da reunião em que Lula falou que vai cumprir o arcabouço fiscal e que vai cortar R$ 25 bilhões, tá caindo mais 1%.
Então, é prova de que, realmente, toda essa alta foi motivada por essa incerteza com relação ao fiscal e à troca do Banco Central.
MT: Como que essa alta do dólar impacta a vida dos brasileiros?
MW: Olha, a população é impactada com a alta de produtos. Tem os produtos importados que, claramente, ficam mais caros, mas tem produtos que a gente não importa, principalmente as commodities, que sobem de preço. O dólar sobe, o real se desvaloriza e a soja fica mais cara, todas as commodities ficam mais caras — e por tabela, a carne fica mais cara. Essa é uma grande preocupação com a alta do dólar e o governo sabe disso.
Na verdade, essa alta demora um pouco para ser sentida porque a gente tem estoque, né? Demora um pouquinho para repassar, mas uma hora repassa. Então, essa é uma preocupação grande do governo, de não deixar o dólar disparar, porque vai impactar na inflação.
MT: Falou-se muito sobre se o Banco Central deveria ou não intervir no câmbio. Você acha que essa seria uma opção interessante ou não?
MW: Olha, eu tenho falado disso desde essas altas fortes aí, de duas semanas atrás, que [o Banco Central] não deveria fazer nada. Por quê? Porque essa alta foi motivada por um aumento de risco, sabe? (7:34) O mercado continuou com liquidez.
Não é que faltou liquidez, que o dólar está subindo, assim, 3%. Ele está subindo 1,5%, o que é alto para uma moeda, mas é dentro de uma atividade normal do mercado.
Se tivesse com falta de liquidez, eu acho que o banco Central entraria. Eles entraram no começo do ano por conta da NTN-A. Eles fizeram a intervenção porque ia sair, num período muito curto, US$ 1 bilhão. É um volume muito grande, então eles fizeram um leilão para suprir essa demanda que é excepcional.
Neste momento, não tem nada excepcional acontecendo. Então, eu não acho que deveria fazer leilão, não.
MT: Você comentou desse interesse da população brasileira em investir mais em moedas internacionais. Você acha que isso é um movimento que deve se manter ao longo dos próximos anos?
MW: Sim. Eu acho que, agora, já está mais enraizado essa ideia de que não precisa ficar tudo em real. Mesmo não tendo a incerteza, mesmo com o mercado tranquilo, vamos colocar uma parte do patrimônio em outras moedas, diversificar um pouco. E outra coisa que tá incentivando é que a taxa de juros americana está em 5%. Você consegue aplicar em dólar a 5%, mas você também compra outros tipos de bonds, não só do Tesouro Americano. Dá para comprar de próprias empresas americanas ou empresas brasileiras lá fora e consegue yields próximos de 8%. Então, isso também incentiva o pessoal a diversificar.
MT: O que precisa para o dólar, de fato, voltar ao patamar anterior?
MW: A gente já tem a intenção [de responsabilidade fiscal] do governo. Agora, a gente vai ver se realmente eles vão cumprir o arcabouço fiscal e se esses cortes de gastos estão sendo feitos. É a hora que confirmar isso a para fazer o dólar voltar para R$ 5.