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Do capitalismo industrial ao financeiro: como chegamos até aqui?

08 dez 2019, 11:00 - atualizado em 31 maio 2020, 15:15
O mundo financeiro percorreu um longo caminho, mas alguns conceitos antigos ainda são aplicados, como os empréstimos IOU (Imagem: Pixabay)

Este é o segundo de seis textos, pois faz parte de uma série de três artigos em que Andrew Gillick, da Brave New Coin, fala sobre “como o blockchain está remodelando nossas ordens econômicas, ambientais e sociais”.

Essa divisão foi feita para que você compreenda, pouco a pouco, a visão do autor em relação à revolução da tecnologia de blockchain no mercado financeiro internacional e, consequentemente, nas nossas vidas.

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O crédito existe há séculos desde que os primeiros fazendeiros o estenderam em forma de um IOU (abreviatura de “I Owe You”, um pedido de empréstimo) entre ciclos de colheita.

Um ciclo de crédito/débito é criado quando uma pessoa ou país pega dinheiro emprestado e, como em qualquer ciclo, gera impulso com cada conclusão.

Michael Hudson, antigo conselheiro econômico e economista independente norte-americano, fala que “a maior parte das dívidas nas economias atuais é devido à compra de imóveis (comerciais e privados) e valores mobiliários financeiros.

No setor industrial, a maior parte da dívida corporativa é por conta de aquisições alavancadas de competidores menores ou enfraquecidos”.

Nossa versão atual de “crédito de casino” inflacionou o preço dos ativos desde a década de 1980 e é a antítese da visão capitalista industrial fundadora: deixar os preços e os lucros alinhados com seu valor de custo.

O capitalismo industrial substituiu o sistema feudal de proprietários da Idade Média, nos séculos XIX e XX, ao taxar “renda não ganha” da nação, como recursos de terra (aluguel de terra) e naturais.

No entanto, esse mesmo sistema de aluguel emergiu novamente como o capitalismo financeiro, em que uma classe está alugando capital em excesso para outro trabalhar por seu retorno em investimentos.

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Crédito fiduciário foi elaborado para o crescimento de um “bolo econômico” que não seria “comido” (Imagem: Pixabay)

Como os bancos tentaram substituir o ciclo empresarial com um ciclo de dívidas

Bancos ganham seu dinheiro na margem entre a taxa do dinheiro pegado emprestado e a taxa do dinheiro que emprestam, conhecida como spread (diferença entre dois preços) de taxa de juros.

Amplificaram o efeito dos fortalecimentos e colapsos de ciclos empresariais ao ampliar o crédito; ampliam “dinheiro” no sistema em épocas boas e contraem-no em épocas ruins.

John Mayard Keynes observou a corrupção do modelo de crédito quando afirmou, em seu livro “Economic Consequences of the Peace”, que o sistema de crédito fiduciário foi criado com a intenção de fazer um “bolo econômico crescer”, mas sem a intenção de comê-lo.

Em outras palavras, não estamos comendo o nosso pedaço do “bolo”, mas pensando no restante da massa coletiva para então, quando formos comer, precisarmos pegar um pedaço bem menor já que estamos adiando cada vez mais a nossa aposentadoria.

Um corolário à crescente idade de aposentadoria, o crescimento do PIB, que há anos se movimenta com a renda familiar, se desassociou desde a década de 1980 e cresceu, enquanto os salários estagnaram.

Esse “crescimento” do PIB é um eufemismo para dívida e só está crescendo porque as pessoas estão fazendo mais dívidas para cobrir as anteriores e comprar mais, em um aumento exponencial desde a década de 1980.

A Irlanda possuía o título de maior devedora imobiliária, com mais de 115% de PIB, alimentado pelo fortalecimento e colapso dos bens imóveis, mas a Austrália superou essa dívida imobiliária em mais de 120% de PIB, também por conta de especulação imobiliária e as condições de crédito mais indulgentes há décadas.

Para chegar nessa posição, os bancos australianos manipularam os termos de crédito de todas as formas para expandir crédito/dívida como os “empréstimos cobrando apenas juros” a curto prazo, a fim de contabilizarem fantasiosamente que o orçamento do custo de se criar um filho em Sydney é de US$ 7 por dia.

No entanto, desde que a Comissão Real descobriu as práticas duvidosas bancárias na Austrália, variando de cobrança de clientes falecidos a aconselhamento financeiro, os bancos aproveitaram o seu crédito e os preços imobiliários australianos estão despencando.

A dívida global está chegando próxima dos US$ 255 trilhões (Imagem: Pixabay)

Quão endividados estamos? Olhe para a base monetária

Para colocar em contexto, os imóveis americanos têm cerca de US$ 8 trilhões em dívida de hipoteca, mais de US$ 1 trilhão de empréstimos de automóveis, mais de US$ 1 trilhão em financiamento estudantil e aproximadamente US$ 1 trilhão em dívidas de cartão de crédito.

Nos EUA, dívidas empresariais têm um total de US$ 25 trilhões, em que US$ 15 milhões são no setor financeiro e US$ 10 trilhões em empresas não financeiras.

O governo americano parou de rastrear as maiores somas monetárias, como M3 (medida que inclui ativos que são menos líquidos do que outros componentes da oferta de dinheiro e são considerados “quase moeda”) e apenas usando medidas mais limitadas, como M2 (medida de oferta de dinheiro que inclui dinheiro, depósito em cheques e “quase moeda” facilmente convertível), tornando mais difícil avaliar o crescimento atual da base monetária.

Contudo, com apenas a medida M2, a base monetária/de crédito cresceu US$ 1 trilhão anualmente na última década e é possível que a verdadeira quantidade de dinheiro criado na economia por emissão monetária desenfreada aumente bem mais.

Uma expansão parecida da base monetária e de crédito aconteceu em todo o mundo.

Globalmente, há uma dívida de US$ 250 trilhões, quatro vez mais do que a quantidade do passivo descoberto, sem mencionar a enorme quantidade de derivativos financeiros emaranhados quase do mesmo tamanho das dívidas e dos passivos juntos.