Dívida cada vez mais dependente da Selic é armadilha perigosa
Imagine que suas dívidas estejam crescendo. Uma parte dela tem juros fixos, portanto, seu custo já é conhecido e te permite planejar com mais segurança como organizar seu orçamento no futuro. Já a outra parte da dívida tem um custo variável, já que a taxa muda a todo momento. Quando a taxa cai você se beneficia, pois o custo de parte da sua dívida está menor, mas também fica sujeito a surpresas negativas quando ela sobe.
Essa parcela “flutuante” da dívida tem a desvantagem, portanto, de ser imprevisível e impõe incertezas sobre suas condições financeiras no futuro. Por isso, seria recomendável que a maior parte fosse pré-fixada, ou seja, já tivesse seu custo definido.
O mesmo acontece com o governo. Nas palavras do secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em uma entrevista recente, “quanto mais a composição da dívida for atrelada a títulos pré-fixados, a índices de preços, desvinculada da taxa de curto prazo que o Banco Central utiliza para regular o mercado e atingir os objetivos do processo inflacionário, melhor. Isso é saudável”.
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No entanto, as taxas flutuantes têm uma vantagem. Quando se acredita que os juros estão excepcionalmente muito elevados, pode fazer sentido optar pelas flutuantes para que, posteriormente, com juros menores, mude para uma dívida pré-fixada.
No Brasil, dadas algumas fragilidades políticas e econômicas, particularmente no âmbito fiscal, é difícil dizer quando os juros estão excepcionalmente altos ou se há uma piora de fundamentos refletida nos preços.
É sobre a aposta em um cenário melhor que a dívida brasileira tem sido cada vez mais formada por títulos pós-fixados, atrelados à taxa Selic. Nos últimos meses, esse percentual está próximo de 50%, o maior patamar desde 2006, e significativamente acima das mínimas alcançadas em 2014, ao redor de 19%. Isso se traduz em um risco substancialmente maior para as finanças do país.
Em 2014, um aumento de 1 p.p. na Selic significava um aumento do custo de 0,07% do PIB nessa parcela da dívida. Hoje, o impacto seria de 0,29% ou aproximadamente R$ 33 bilhões ao ano. Para comparação, todo o abono salarial custará, neste ano, R$ 28 bilhões.
A saída, no entanto, não está em reduzir os juros para ajudar a dívida, mas no contrário. Reduzir o gasto público, além de colaborar para a redução da dívida diretamente, diminui a pressão na inflação e favorece cortes de juros pelo Banco Central.
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Isso também tem papel fundamental nas expectativas. Uma regra fiscal crível, que implique em estabilidade da dívida pública em um horizonte não muito distante, reduziria significativamente a percepção de risco e traria um grande alívio para os juros dos títulos da dívida.
Mas faz tempo que as perspectivas fiscais não melhoram. Em pesquisa realizada pelo Banco Central com economistas, antes de cada reunião de definição dos juros, é perguntado como avaliam a evolução da situação fiscal. Desde março deste ano, houve mais avaliações de piora que positivas.
A descrença em um ajuste estrutural nas contas públicas tem mantido os juros da dívida permanentemente mais elevados. A aposta arriscada de que esse movimento é temporário tem sido responsável pelo aumento substancial do risco associado ao impacto da Selic na dívida pública.
Hoje, esse mercado reflete a expectativa de que a taxa básica de juros poderá chegar próxima de 13,5%. Caso se confirme, será um aumento de aproximadamente R$ 90 bilhões no custo anual da dívida.
Ou seja, mudanças estruturais do gasto público, ainda que não representem uma redução imediata, seriam muito mais benéficas do que os esforços de contenção de curto prazo, que consomem tempo, capital político e não resolvem o problema.
O arcabouço, sem reformas que o tornem factível, é apenas uma meta cujo cumprimento torna-se menos crível. Neste cenário, a opção pelo aumento da parcela flutuante da dívida se mostra cada vez mais uma armadilha perigosa.