Distribuidoras de energia já têm atrasado pagamentos a geradores, diz Engie
Distribuidoras de energia do Brasil já têm atrasado pagamentos a geradores devido aos impactos da pandemia de coronavírus sobre o mercado elétrico, disseram executivos do grupo francês Engie (EGIE3) à Reuters nesta quinta-feira, defendendo que a situação evidencia a urgência de medidas para apoio ao setor.
Desde o agravamento da epidemia no país, em meados de março, as concessionárias de distribuição já registram mais de 4,3 bilhões de reais em perdas de receita devido à redução do consumo e à inadimplência, que triplicou, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Em meio a esse cenário, os ministérios de Minas e Energia e da Economia têm preparado um pacote de medidas para o setor que deve envolver a viabilização de empréstimos bancários para sustentar o caixa das distribuidoras, em operações que seriam posteriormente amortizadas por meio de cobranças nas tarifas.
“Gostaria de pontuar todo o esforço do governo e da Aneel, mas tem uma questão que é crucial, que é a velocidade desse processo. Porque alguns geradores, e nós mesmo, já não estão recebendo de algumas distribuidoras”, disse o presidente da Energia Sustentável do Brasil (ESBR), Edson Silva. A empresa, controlada pela Engie, opera a usina de Jirau, em Rondônia.
Ele destacou que a situação ainda é “pontual”, mas há uma preocupação com a chegada de maio, quando as distribuidoras terão que pagar faturas referentes a abril, mês integralmente impactado pela pandemia e medidas de isolamento contra o vírus.
“Não é porque elas não querem pagar, é que simplesmente não têm o recurso. Em geral são distribuidoras menores e que atuam em regiões com mais diferenças sociais, regiões mais pobres”.
Sem abrir o nome das concessionárias, o presidente da Engie no Brasil, Mauricio Bahr, disse que o movimento gera preocupação sobre possível “cascateamento” da crise de caixa já enfrentada pelas distribuidoras para outros segmentos do setor elétrico.
“Quando você não tem recurso, tem que escolher quem pagar… acaba chegando a uma ‘escolha de Sofia’. É mais fácil você não pagar os geradores e transmissores, do lado das distribuidoras, do que deixar de pagar impostos e outras coisas. Por isso (cobramos) essa velocidade nos empréstimos”, afirmou.
BNDES e aquisições
A Engie também deve aderir a programa do BNDES que suspende por até seis meses amortizações de empréstimos devido à crise.
“A gente imagina que já na semana que vem tenhamos aprovação do BNDES e bancos repassadores para esse pleito. Estamos pedindo para algumas usinas eólicas e também para Jirau”, disse Bahr.
Como outra medida de precaução em meio à pandemia, a controlada Engie Brasil Energia reduziu dividendos de 2019 para 56,8% do lucro, contra 100% nos anos anteriores, mas espera em breve voltar à política tradicional.
“O que fizemos este ano, face à crise, foi garantir caixa razoavelmente confortável na empresa até que isso passe e a gente tenha uma visão mais clara. Basicamente garantir que teríamos recursos para o plano de investimentos. À medida que as coisas fiquem mais claras, pode ser retomado”, disse Bahr.
Apesar da precaução, ele disse que a Engie não descarta olhar possíveis aquisições mesmo no atual momento.
“Essa avaliação é constante, desde que esteja alinhado à nossa estratégia e faça sentido… havendo alguma oportunidade, vamos olhar, sim, mas com a cautela requerida.”
Reduções contratuais
Entre medidas para reduzir impactos da menor demanda sobre as distribuidoras, a Aneel sugeriu permitir às concessionárias negociações consensuais para redução de contratos com geradores.
Para o presidente da Engie, líder entre agentes privados no mercado de geração do Brasil, essa solução faz sentido e poderia fazer, sim, parte do pacote do governo para o setor.
“Não achamos que para um problema só existe um único remédio. Mas a redução de contratos faz sentido quando ambas as partes estão de acordo… a gente teria interesse de ver alguns contratos, mas precisaria ser definido um mecanismo, uma regra para essa descontratação”, afirmou Bahr.
Por outro lado, governo e a Aneel precisariam avaliar como viabilizar esses acordos, uma vez que geradores provavelmente priorizariam reduzir contratos com preços baixos para buscar revender a energia a cotações melhores no mercado livre, o que pode ir contra o interesse das distribuidoras, que prefeririam manter essa energia e dispensar contratos mais caros.
Além disso, o mecanismo só interessaria aos geradores se envolvesse uma descontratação por prazo maior, e não apenas durante a crise, disse Silva, da ESBR.
“Para que faça sentido precisa ser de longo prazo, porque nenhum gerador vai descontratar hoje para ficar com essa energia e vender a preço baixo (devido à sobreoferta). Teria que ser algo em que ele até estaria perdendo hoje, porém com expectativa de recuperação de preço (mais à frente)”, explicou.