Disputa entre elétricas e investidor de geração distribuída entra no radar da Aneel
Uma disputa entre distribuidoras de eletricidade e investidores em geração distribuída, que instalam sistemas para que consumidores produzam a própria energia, entrou no alvo da agência reguladora do setor, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que promete atuação mais forte sobre o conflito.
A área de geração distribuída (GD), que já reúne mais de 5 mil empresas no Brasil, recebeu 5,5 bilhões de reais em investimentos desde 2012, mas representantes do setor têm se queixado de que as concessionárias de distribuição estariam atrasando a adesão de clientes à tecnologia, ou mesmo travando alguns processos.
As soluções de GD, geralmente com energia solar, têm crescido rapidamente no Brasil, apoiadas por regulamentação da Aneel que permite que a produção desses sistemas seja abatida da conta de luz e pela forte alta das tarifas elétricas nos últimos anos, mas a migração para a modalidade tira receita das distribuidoras, que ainda dizem enfrentar custos extras com o crescimento desse mercado.
A questão por trás da disputa é que o uso desses sistemas depende de uma liberação de acesso à rede pelas distribuidoras, o que muitas vezes tem levado prazos bem acima do previsto.
“Tem acontecido muitos casos, envolvendo descumprimento de prazos e às vezes exigências (por parte das distribuidoras) além do que os geradores entendem como razoáveis… a gente está analisando caso a caso, estamos atuando, porque todos prazos são previstos em norma, e a distribuidora tem que cumprir”, disse à Reuters o diretor da Aneel Rodrigo Limp.
“Estamos fiscalizando diversas distribuidoras sobre esse relacionamento entre elas e os ‘prosumidores'”, acrescentou ele, utilizando termo criado para se referir aos consumidores que geram a própria energia com sistemas de GD.
Recentemente, a Aneel promoveu uma fiscalização sobre a atuação da estatal Cemig (CMIG4), responsável pela distribuição em Minas Gerais, cujos resultados serão divulgados brevemente, de acordo com Limp. O Estado de Minas é líder em instalações de geração distribuída no país, com 20% da capacidade.
Procurada, a Cemig não quis comentar.
O Brasil alcançou em junho a histórica marca de mais de 1 gigawatt em sistemas de GD operacionais, que atendem 114,3 mil unidades consumidoras.
Até devido à acelerada expansão da tecnologia, a Aneel tem avaliado mudanças nas atuais regras para esses sistemas, com previsão de que uma nova regulamentação entre em vigor no primeiro semestre de 2020 para novas instalações, enquanto unidades já operacionais até essa data terão um prazo extra sem alterações, que deverá ser de cerca de 10 anos, segundo Limp.
Atualmente, toda energia gerada pelas instalações de geração é descontada da conta de luz do consumidor-gerador. A proposta da Aneel, em discussão, é de que a partir de determinados patamares em termos de sistemas instalados a regra mude e alguns custos gerados pela GD sejam abatidos dos créditos gerados para esses consumidores.
Mas a perspectiva das novas regras, que deverão reduzir em alguma medida a atratividade dos novos investimentos no setor, tem gerado uma corrida pela conclusão de instalações, o que aumenta a frustração de empreendedores de GD com o que alegam ser demora ou resistência das distribuidoras para autorizar que clientes adotem os sistemas.
“Ouvimos isso de norte a sul do país, não dá para dizer que é uma coisa pontual… temos tido até casos de consumidores que têm procurado o Procon para buscar uma solução mais rápida”, disse a consultora Barbara Rubim, da Bright Strategies.
A especialista, que também é dirigente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), disse que a entidade criou um canal de ouvidoria para registrar queixas contra as distribuidoras, com o registro de mais de 400 reclamações em seis meses.
“Os casos envolveram 29 das 56 distribuidoras que temos no Brasil”, disse ela, que teme que haja uma tentativa das concessionárias de “segurar” o avanço da geração distribuída.
Ela alegou ainda que empresas e consumidores têm dificuldades para obter respostas adequadas do regulador, e citou exemplo de uma queixa protocolada em setembro do ano passado e ainda sem resposta.
Limp, da Aneel, afirmou que a agência pretende tornar “mais rígidos” alguns pontos da regulamentação para evitar os descumprimentos de prazos e regras pelas distribuidoras quando publicar as mudanças na regulamentação do segmento de GD.
A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), no entanto, defende que não há “má vontade”, mas em muitos casos um excesso de solicitações para as distribuidoras e a necessidade de análises complexas antes da liberação.
“Não podemos permitir que uma ligação nova traga algum impacto na qualidade dos consumidores já atendidos. Não é uma análise simples, e em alguns casos são necessárias informações adicionais, há uma ida e volta de questões”, disse o presidente da entidade que representa as elétricas, Marcos Madureira.
Segundo ele, algumas distribuidoras que enfrentam maior demanda chegaram a abrir áreas específicas para tratar das conexões de microgeração.
Ele reiterou, no entanto, visão das elétricas de que é preciso rever as regras da GD, estimando que incentivos à tecnologia geram hoje custos de 600 milhões de reais por ano que seriam custeados pelos clientes que não usam os sistemas.
“Da maneira como foi estabelecido o processo de incentivos, está trazendo sem dúvida nenhuma um impacto para o mercado regulado, as distribuidoras, o que é repassado para o cliente regulado”, afirmou ele, defendendo a atitude da Aneel de revisitar as regras.