Discussão sobre vazão de Belo Monte gera tensão entre acionistas e governo
Os sócios da hidrelétrica de Belo Monte têm buscado apoio do governo por preocupações com discussões no Ibama sobre o fluxo de água a ser mantido no rio Xingu (PA), sob alegação de que eventual mudança permanente na vazão geraria pesadas perdas ao empreendimento e ao sistema, ao reduzir a produção de energia.
A tensão aumentou após a Justiça respaldar no final de novembro decisão do órgão ambiental federal que determinou à Norte Energia, dona do ativo, alterações no chamado hidrograma dos meses finais de 2020.
O Ibama tomou a medida ao identificar impactos ambientais e sobre populações ribeirinhas maiores que os previstos depois do início das operações da usina, uma das maiores do mundo.
Embora a decisão do Ibama se limite por ora a alguns meses, há na companhia que tem entre os acionistas empresas da estatal Eletrobras (ELET5) e elétricas como Neoenergia (NEOE3), Cemig (CMIG3) e Light (LIGT3) temores de que a vazão, que afeta a geração de energia, possa ser estendida para 2021 ou retomada mais à frente, após um “período de testes”.
Na prática, o novo hidrograma significaria que a usina deveria direcionar mais água para um trecho do rio, chamado Volta Grande do Xingu, e menos para suas turbinas.
“Não tem decisão oficial ainda, mas a pressão do Ibama tem sido muito forte, na posição de manter”, disse uma fonte com conhecimento da visão da Norte Energia, que falou sob anonimato.
“A consequência é severa mesmo, é muito grave para a usina e até para todo o sistema. Vai deixar de gerar muita energia.”
Uma segunda fonte próxima à Norte Energia confirmou que o tema é visto com preocupação pelos acionistas.
“Se há uma mudança radical, que afete a geração… a gente vai ter um problema sério, seríssimo, com o projeto.”
No limite, de acordo com essa fonte, a usina poderia até “falir”, porque não conseguiria mais entregar os volumes de energia com os quais se comprometeu.
Procurada, a Norte Energia disse em nota à Reuters que seguirá contestando a decisão do Ibama e que a mudança, por ora, afetou as vazões nos meses de outubro, novembro e dezembro.
A companhia, que destacou ver Belo Monte como “um empreendimento de todos os brasileiros”, afirmou ainda que a medida do órgão ambiental poderia gerar impactos para os consumidores de energia e outras empresas do setor.
“Do ponto de vista dos impactos financeiros, o ônus na sua totalidade não recairá somente sobre a Norte Energia”, disse a empresa, ao destacar efeitos negativos sobre um mecanismo de compartilhamento de riscos de geração entre todas hidrelétricas do Brasil, o chamado “MRE”.
“Qualquer alteração nas condições operacionais estabelecidas, portanto, pode representar potencial risco ao equilíbrio do sistema e ao suprimento de energia para o país, podendo tornar-se um problema de dimensão nacional”, destacou.
Procurado, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) disse que ainda está “realizando estudos para avaliar o impacto na programação da operação e atendimento eletroenergético do Sistema Interligado Nacional (SIN)”.
Governo Acompanha
A Norte Energia chegou a tentar suspender a medida do Ibama na Justiça, mas não teve o pleito acatado. Executivos do grupo também tiveram uma reunião sobre o tema na semana passada com representantes do Ministério de Minas e Energia, que disse acompanhar as conversas com o Ibama.
Há expectativa entre os acionistas de Belo Monte de que autoridades ofereçam algum apoio nas negociações, dada a participação majoritária da Eletrobras no projeto e a forte pressão do governo para que ele fosse executado.
“Considerando os possíveis impactos para a geração de energia da usina e eventuais reflexos para o atendimento eletroenergético nacional, o ministério tem acompanhado as tratativas da empresa com o órgão licenciador e dialogado com ambos para que as decisões ocorram com previsibilidade”, disse a pasta em nota à Reuters.
O ministério defendeu ainda a necessidade de “segurança jurídica” e que “sejam mantidas condições que contribuam para a segurança energética com menores custos de produção de energia para o consumidor brasileiro”.
Embora a princípio a aplicação do hidrograma alternativo seja apenas para o final de 2020, o Ibama fez cálculos da nova vazão para um período de um ano completo.
Se adotado esse novo modelo a partir do início de 2021, Belo Monte precisaria permitir vazões bem maiores na Volta Grande do Xingu principalmente até maio. Em fevereiro, por exemplo, a vazão mínima mensal precisaria ser de 10,9 mil m³/s, contra 1,6 mil m³ do chamado “hidrograma de consenso”, aprovado durante o licenciamento ambiental.
Se esse cenário de vazão fosse aplicado em 2021, a geração de Belo Monte poderia ter redução significativa, de 6 gigawatts a 8 gigawatts médios em fevereiro.
O empreendimento, com 11,2 gigawatts em capacidade instalada, demandou investimentos de mais de 30 bilhões de reais.
Essa eventual redução na geração de Belo Monte inclusive impactaria preços à vista no mercado livre de energia em cerca de 50 reais por megawatt-hora, projetou o sócio da comercializadora de eletricidade Tempo Energia, Henrique Nagayoshi.
Procurado, o Ibama não respondeu de imediato a pedidos de comentário.
Ao negar pedido da Norte Energia contra aplicação do novo hidrograma em 2020, o juiz federal Roberto Carlos de Oliveira disse que o órgão ambiental apontou “piora nas condições ambientais da área” devido à menor vazão, “situação que leva à possibilidade de alteração das condicionantes constantes da licença de operação”.
Projeto controverso e alvo de estudos desde os anos 1970, a hidrelétrica de Belo Monte teve a concessão licitada em 2010 e iniciou operações parcialmente em 2016.