Política

Discurso de desrespeito a ordens judiciais jamais será de estadista, diz Celso de Mello

16 jun 2020, 18:15 - atualizado em 16 jun 2020, 18:15
Celso de Mello
Fala veio após o presidente Jair Bolsonaro ter dito em entrevista que as Forças Armadas não aceitarão “um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito” (Imagem: Carlos Moura/SCO/STF)

O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira considerar como “inconcebível e surpreendente” que haja no Estado quem diga que vai desrespeitar ordens judiciais, destacando que esse discurso jamais será de um estadista, um dia após o presidente Jair Bolsonaro ter dito em entrevista que as Forças Armadas não aceitarão “um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito”.

“É inconcebível e surpreendente, senhora presidente, que ainda subsista, na intimidade do aparelho de Estado, um inaceitável resíduo autoritário que insiste, de modo atrevido, em dizer que poderá desrespeitar o cumprimento de ordens judiciais, independentemente de valer-se, como cabe a qualquer cidadão, do sistema recursal previsto pela legislação processual!”, disse Celso de Mello, se dirigindo à presidente da 2ª Turma do STF, Cármen Lúcia.

“Esse discurso jamais será de um estadista, pois estadistas respeitam a ordem democrática e submetem-se, incondicionalmente, ao império da Constituição e das leis da República!!!”, completou ele.

Na véspera, Bolsonaro praticamente repetiu o teor de uma nota divulgada na noite de sexta-feira.

“Nós, militares das Forças Armadas, e eu também sou militar, somos os verdadeiros responsáveis pela democracia em nosso país”, disse Bolsonaro em entrevista à rádio e TV BandNews, segunda-feira.

“Nós jamais cumpriríamos ordens absurdas, mas também jamais aceitaríamos um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito”, acrescentou o presidente.

“Nós, militares das Forças Armadas, e eu também sou militar, somos os verdadeiros responsáveis pela democracia em nosso país”, disse Bolsonaro (Imagem: Flickr/Isac Nóbrega/PR)

Essa declaração, assim como a nota de sexta —que foi assinada também pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo—, vem em meio ao julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das primeiras duas ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão, vitoriosa em 2018 .

Sem citar nominalmente Bolsonaro, Celso de Mello disse ser preciso “resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis da República”.

“Sem juízes independentes, senhora presidente e senhores ministros, jamais haverá cidadãos livres”, destacou.

Celso de Mello é o relator do inquérito que investiga se o presidente cometeu crime ao tentar mudar o comando da Polícia Federal, conforme acusação feita pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Ele é um dos principais alvos das críticas de Bolsonaro e apoiadores.

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Atentado

Em fala antes do decano, Cármen Lúcia expressou preocupação sobre o atual cenário político. Criticou quem não se preocupa com a convivência democrática e fez, indiretamente, um desagravo após o prédio do STF ter sido alvo de um ataque com fogos de artifício na noite do sábado.

“Atentados contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferentes voltam-se contra todos”, disse a Ministra (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

“Atentados contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferentes voltam-se contra todos, contra o país. A nós cabe manter a tranquilidade, mas principalmente a coragem e a dignidade de continuar a honrar a Constituição, cumprindo a obrigação que nos é expressamente imposta de guardá-la para garantir a sua aplicação a todos e por todos”, disse.

Para Cármen Lúcia, a Constituição não é um artifício e direitos não são de menor importância, mas sim conquistas.

“Que não se cogite que uma ação de uns poucos conduzirá resultado diferente do que é a convivência democrática. Que não se cogite que se instalará algum temor ou fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira. Tribunal é presente, está presente”, reforçou.

O ministro Edson Fachin disse subscrever “por inteiro” as palavras de Cármen Lúcia e disse que há a “necessidade imprescindível de sair da crise sem sair da democracia”.