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Desmatamento altera regime de chuvas e impacta agricultura e exportações brasileiras, mostra estudo

16 set 2021, 12:09 - atualizado em 16 set 2021, 12:09
Amazônia Desmatamento
Ao analisar dados climáticos, o estudo “Sem Chuva na Planície – Desmatamento Ameaça a Exportação Agrícola Brasileira” aponta, por exemplo, uma alteração que já acontece no Estado de Rondônia (Imagem: Reuters)

O desmatamento para abertura de novas áreas para agricultura e pecuária vem alterando o regime de chuvas no Brasil e pode reduzir a eficiência da produção brasileira, hoje largamente apoiada em um regime de plantio de duas safras ao ano, mostra relatório da organização não governamental Planet Tracker.

Especializada em analisar riscos para investidores relacionadas a questões ambientais, a Planet Tracker analisou estudos de clima para mostrar que o aumento do desmatamento em determinadas regiões tem alterado o regime de chuvas, o que tem impacto direto na capacidade do país de manter o plantio de duas safras anuais, hoje responsável por boa parte do aumento de produção.

A consequência, explicam, chega até investidores em títulos soberanos do Brasil e em ações e dívidas de empresas brasileiras, já que uma redução da produção brasileira tem impacto direto nas exportações e no Produto Interno Bruto do país, o que aumenta o risco dos investimentos.

Ao analisar dados climáticos, o estudo “Sem Chuva na Planície – Desmatamento Ameaça a Exportação Agrícola Brasileira” aponta, por exemplo, uma alteração que já acontece no Estado de Rondônia.

“Evidências recentes sugerem que a temporada de chuvas está mudando nas áreas desmatadas da Amazônia. No Estado de Rondônia, o início das chuvas mudou, em média, 11 dias, nas últimas três décadas. No entanto, onde o desmatamento pesado não aconteceu, o início das chuvas não teve alteração significativa”, diz o relatório.

A capacidade do Brasil de ter duas, às vezes até três safras anuais é hoje uma das razões de o país ser hoje uma das potências mundiais no mercado agrícola. As safras de soja e milho, alternadas nesse regime, foram responsáveis em 2018, de acordo com o estudo, por 2,6% do PIB brasileiro e representaram um quinto das exportações brasileiras.

No entanto, alertam os pesquisadores, a capacidade de ter mais de uma safra depende largamente do regime de chuvas. Atrasos no início das chuvas podem levar à impossibilidade de plantio de uma segunda safra. Em uma fazenda de tamanho médio no Mato Grosso, um dos maiores produtores de soja e milho no país, isso poderia representar a perda de 1/3 da renda anual.

“O impacto da redução da quantidade de chuvas no rendimento das colheitas é óbvio. Além disso, se o duração da estação chuvosa é reduzida, então o tempo para uma segunda safra amadurecer é reduzido, com mais impacto negativo no rendimento das colheitas”, diz o estudo.

O relatório indica ainda que as receitas de exportação dos principais exportadores de milho e soja do país –Mato Grosso e a região do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, conhecida como Matopiba– pode cair cerca de 2,1 bilhões de dólares até 2050, o equivalente a 6% das receitas de exportação de soja e milho em 2018.

Os autores alertam, ainda, que o estudo não considera um cenário de não retorno, em que cientistas apontam que uma redução de 20% a 25% na área atual da Amazônia poderia levar a uma alteração tal que a região deixaria de ser uma floresta tropical.

O cenário considerado no estudo foi apenas de mudanças no regime de chuvas, considerando o ritmo de desmatamento até aqui.

O que altera o cenário de chuvas, mostra o estudo, é a chamada evapotranspiração –a evaporação de água do solo para o atmosfera, de cursos d’água e da própria vegetação, que retorna em forma de chuva. A falta de cobertura vegetal no cerrado e na Amazônia diminuem o processo e impactam diretamente na quantidade e no regime de chuvas no país, como já foi demonstrado por cientistas brasileiros em diversos estudos.

O cenário mais comum até hoje, de abrir novas áreas de desmatamento para aumentar a produção –um movimento defendido abertamente pelo presidente Jair Bolsonaro, que se recusa a assinar a criação de novas áreas de proteção– pode trazer exatamente o resultado contrário: mais áreas e menos produção, impactando as exportações brasileiras e os resultados das empresas do país.

Voltado a investidores, o relatório alerta que “investidores em títulos soberanos estão em risco, assim como os investidores em ações e dívidas de empresas de toda economia brasileira”.

“Em uma situação em que o desmatamento continue, não apenas os padrões de chuva e as temperaturas provavelmente serão alteradas, mas também tendem a se tornar menos previsíveis e mais extremas, e empurrar o ecossistema do Brasil perigosamente para mais perto de potenciais pontos de inflexão muito prejudiciais para o clima e a economia do país”, diz o relatório. “Para o produtor rural e o setor do agronegócio de forma mais ampla, essa combinação será muito desafiadora –os riscos que enfrentam aumentarão significativamente, sem qualquer aumento nos retornos potenciais. Essas novas características de mercado irão chegar também ao investidores.”

Entre as ações possíveis aos investidores, diz o relatório, está o de se unir à iniciativa de fundos de investimento para aumentar a pressão sobre o governo brasileiro, incluindo o Congresso, para rever medidas que permitem o aumento do desmatamento. Da mesma forma, pressionar as empresas brasileiras em que fazem investimentos para que adotem medidas de desenvolvimento sustentável.