Derrotas na Justiça vão custar à União R$ 31 bi em 2020, salto de quase 50%
Com receitas sem brilho e sob pressão de crescentes despesas obrigatórias, o governo federal enfrentará no próximo ano outro revés de peso no Orçamento: um salto de 48,5% no custo com processos em que sofreu derrota definitiva na Justiça.
As despesas, que tradicionalmente abarcam indenizações, benefícios e devolução de tributos contestados, somarão patamar recorde de 31,2 bilhões de reais, valor que supera o desembolso anual histórico do programa Bolsa Família.
Deste total, 9%, ou 2,8 bilhões de reais vão ser destinados a uma única cooperativa, a Copersucar.
Os valores constam em documentos vistos pela Reuters e que foram enviados pelo Conselho Federal de Justiça para a equipe econômica para elaboração do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, que deve ser encaminhado pelo governo até o fim deste mês ao Congresso Nacional.
A despesa total prevista contempla tanto recursos que são de fato especificados no Orçamento, como sentenças judiciais e precatórios, como pagamentos que entram na linha de despesas com pessoal e de benefícios previdenciários.
Em relação ao Orçamento deste ano, houve um crescimento de 10,2 bilhões de reais no total de precatórios, como são chamados os valores devidos após condenação judicial definitiva. O aumento deverá anular os efeitos positivos da reforma da Previdência estimados para o ano que vem.
O governo espera economizar 10,1 bilhões em 2020 com a reforma tal qual aprovada pela Câmara dos Deputados. O texto ainda precisa ser apreciado no Senado.
Na prática, a União também gastará mais com os precatórios do que vinha destinando anualmente ao Bolsa Família. O programa de transferência direta de renda que beneficia pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza foi orçado em 29,5 bilhões de reais para 2019, com o atendimento a 13,6 milhões de famílias.
Com a salgada conta de precatórios em 2020, o governo honrará suas obrigações judiciais junto a um grupo muito menor. A Copersucar, maior beneficiada, reúne algumas dezenas de usinas de álcool e açúcar.
O valor total devido à Copersucar –parcelado desde 2018 e que terminará de ser pago em 2024– é de 16,5 bilhões de reais, um recorde para precatórios, refletindo conta que chegou com força no presente por controversas políticas econômicas implementadas no passado.
Bilhões às usinas
Em 1990, a Copersucar ajuizou uma ação contra a União por prejuízos que alegou ter sofrido de 1985 a 1989 em função do tabelamento para derivados da cana de açúcar definido pelo extinto Instituto Brasileiro do Açúcar e do Álcool (IAA), que pertencia ao governo.
A legislação então vigente estabelecia que o IAA deveria levar em conta levantamentos de campo feitos pela Fundação Getulio Vargas (FGV) para que os preços fixados não ficassem abaixo do custo de produção apurado.
A Copersucar apontou que isso não aconteceu, em meio à tentativa do governo de domar a galopante inflação. Na ação, pediu indenização por essa diferença de valores.
Esgotadas as possibilidades de discussão do caso na Justiça, a União viu-se obrigada a arcar com os dois maiores precatórios da história, ambos para a Copersucar. O primeiro, que começou a ser quitado em 2018, é de 5,6 bilhões de reais.
O segundo, cujo pagamento começou neste ano, alcançou outros 10,9 bilhões de reais, conforme documentos vistos pela Reuters. A Advocacia Geral da União (AGU) segurou a expedição desse precatório até o último instante possível, não devolvendo o processo à Justiça, que então determinou que fosse feita uma busca e apreensão no órgão.
Pelas ações adotadas para protelar o pagamento, a AGU chegou a ser multada mais de uma vez em dezenas de milhões de reais. Mas, segundo o órgão informou à Reuters, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região afastou a incidência da punição “reconhecendo que não houve irregularidade ou má-fé”.
Procurada, a Copersucar afirmou que não se manifesta em relação ao processo dos precatórios “porque há uma série de implicações jurídicas”.
Apesar de ter sido derrotada e de os precatórios já estarem sendo pagos, a AGU disse à Reuters que segue defendendo “com plena convicção” sua tese junto ao Poder Judiciário.
“Embora pela diferença entre os preços e os custos apurados se pudesse falar da existência de um dano sofrido, seria imprescindível a sua quantificação concreta, já que em muitos casos esse dano poderia chegar a zero, pelo fato de que inúmeros fatores contábeis envolvidos nos custos de cada empresa poderiam não ser comprovados por elas ou mesmo poderiam ter levado a uma situação em que não foi nada prejudicial a prática dos preços fixados pela entidade reguladora hoje extinta (IAA)”, disse a AGU.
Já o Ministério da Economia reconheceu que a conta de precatórios vem subindo ao longo do tempo. Em resposta à Reuters, defendeu que diversos fatores contribuem para esse crescimento, mas limitou-se a dizer que essas são “questões que remontam a mais de 30 anos e não se limitam a uma ou outra empresa”.