Deputados e médicos defendem regulamentação da telemedicina
Médicos e deputados defenderam, nesta quinta-feira (25), a regulamentação da telemedicina no Brasil. Eles se disseram cientes de que, adotada emergencialmente e de forma transitória durante a pandemia de Covid-19, a modalidade veio para ficar e deverá seguir regras claras após a crise em saúde por que passa o País.
O assunto foi discutido em videoconferência promovida pela comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha as ações de combate ao novo coronavírus. “Médicos e pacientes puderam vivenciar uma experiência. Queremos saber agora como podemos avançar nessa discussão, na teleconsulta e no aspecto remuneratório”, afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), uma das que sugeriram o debate.
Com cautela, os convidados explicaram que telemedicina não se resume a teleconsulta via câmera conectada à internet, mas trata-se de um método para prover cuidado de qualidade, envolvendo exames, aparelhagens e diagnósticos, o que já ocorre em outros países. Conforme explicou o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Chao Lung Wen, o médico é responsável pela escolha dos recursos para cuidar do paciente e estabelece aí um vínculo que tem a ver com a humanização.
“A telemedicina deve ser feita de forma responsável no aspecto digital. Não podemos aceitar o uso de redes sociais como forma da interação entre um médico e seu paciente. Precisamos garantir a privacidade dos dados e isso só será possível se incetivarmos a formação mínima para os médicos que forem desenvolver a telemedicina, com bioética digital e segurança digital”, defendeu Chao Lung Wen.
Experiências
Os especialistas também trouxeram para o debate experiências que já são realizadas no Brasil desde antes da pandemia. Gerente de Telemedicina do Hospital Israelita Albert Einstein, Eduardo Cordioli disse que o hospital já faz telemedicina desde 2015 e agora, durante a crise de Covid, presta apoio remoto a 433 leitos de UTI vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) em diversas localidades do Brasil.
Em Santa Catarina, a rede estadual de saúde começou a usar a telemedicina há pelo menos 15 anos, em uma estratégia de evitar deslocamentos de pacientes do interior para as cidades maiores em busca de tratamento. Em média, 85 mil exames são realizados por mês dentro do sistema, evitando a movimentação de 40 mil pacientes no estado.
Procedimentos que antes ocorriam na atenção secundária à saúde foram transferidos para a atenção básica e exames de diagnóstico passaram a funcionar como triagem para encaminhamentos para postos de saúde e hospitais, tudo com o apoio de profissionais da telessaúde, que amparam remotamente a atenção direta à comunidade.
“Antes, você passava dois, três meses para ganhar uma passagem na ambulância ou pegar um micro-ônibus com outros dez pacientes. Você ia para um hospital a 250 quilômetros de distância com uma fila enorme de gente na porta e perdia o dia inteiro. Levava um mês para chegar um laudo à sua cidade. Agora você vai ao posto de saúde, faz o exame ali e, em três dias, você recebe o resultado daquele exame”, explicou o coordenador científico do Sistema Integrado Catarinense de Telemedicina e Telessaúde, Aldo Von Wangenheim.
Lugares remotos
Outros médicos acreditam que a telemedicina pode ser útil em municípios remotos da Amazônia, onde muitas vezes um paciente precisa viajar dois dias de barco para conseguir atendimento. Nestes casos, o teleatendimento deveria ocorrer na presença de um médico generalista, no município, conectado a um especialista em outra ponta.
“É moralmente aceitável que não disponibilizemos um acesso por meio das tecnologias existentes a pacientes lá no Pará, que não dispõem de dermatologistas? O clínico da cidade poderia transferir uma imagem para que um dermatologista em outra unidade pudesse fazer um diagnóstico”, exemplificou o presidente da Iniciativa Fórum Inovação Saúde (FIS), Josier Vilar.
Integração
Para o primeiro- vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Donizetti Giamberardino Filho, a telemedicina é uma oportunidade de resgate da fragmentação de rede do SUS, para integração e racionalização de recursos, porque ligaria municípios.
Ele defendeu, por outro lado, a autonomia de pacientes e médicos para participar ou recusar atendimentos via telemedicina. “Tem que haver um termo de consentimento. O médico deve dizer que a teleconsulta tem seus limites de segurança e, em qualquer momento, pode ser revertida para a consulta presencial”, disse.
A relação médico-paciente foi bem destacada pelos participantes da videoconferência e deve ser de confiança, garantido o sigilo de dados.
Críticas
Cético em relação à telemedicina, o deputado Dr. Zacharias Calil (DEM-GO) acredita que o Brasil não está preparado para a metodologia do ponto de vista tecnológico. Ele também questionou como um médico faria um diagnóstico de uma otite ou uma amigdalite a distância.
“Não precisamos praticamente mais de faculdade de medicina, porque a telemedicina vai tomar conta. Não precisamos do Mais Médicos no Brasil. Basta implantar a telemedicina – mas cadê a infraestrutura da internet? Ou vamos colocar apenas nos estados do Sul, que têm infraestrutura? E o restante do Brasil?”, criticou.
Aldo Von Wangenheim respondeu que em Santa Catarina, no início, também havia problemas de conexão. O estado, porém, fez parcerias com uma operadora de telefonia celular para garantir a ligação de postos de saúde em todas as cidades. “A gente consegue fazer as coisas funcionarem mesmo em situações difíceis.”
Outra preocupação dos parlamentares diz respeito à concorrência desleal, com consultas sendo oferecidas a preços muito baixos. “Quando vejo teleconsultas sendo vendidas a R$ 4, isso é enganar a quem mais precisa. Grandes hospitais estão utilizando suas grifes para vender planos que não garantem qualidade para as pessoas mais humildes”, alertou o coordenador da Frente Parlamentar da Medicina, deputado Hiran Gonçalves (PP-RR).
A deputada Dra. Soraya Manato (PSL-ES) também se disse preocupada com as grandes corporações hospitalares que lançam teleconsultas “por preços irrisórios de R$ 15”.
Na opinião de Chao Lung Wen, a mercantilização e a competição desleal podem ser combatidas com responsabilização. “O médico e a instituição têm que ser responsáveis pelas consequências em relação ao paciente. O problema é a falta de responsabilização”, declarou.
Separações
O presidente da comissão externa, deputado Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. (PP-RJ), ponderou que, para lograr sucesso, a telemedicina deve ser dividida entre sistema público de saúde e privado, em atenção básica e hospitalar e ainda em nível de consultório e em hospitalar.
Para ele, uma primeira consulta nunca deve ocorrer a distância em períodos normais, desconsiderando a pandemia de Covid-19. “O acompanhamento, depois que o médico já fez sua referência com aquele paciente presencialmente, pode ser feito de maneira remota, eu não vejo problema. Acho que essencialmente o problema é nunca ter tido contato com o médico”, avaliou.
Não é possível, ainda segundo Dr. Luiz Antonio, “abstrair a figura do médico”. “O que não pode acontecer é tirar o médico de um CTI com 50 pacientes internados. Não se pode colocar o enfermeiro fazendo visita, e o médico acompanhando por telemonitoramento”, disse.