Brasil

Deputados discordam sobre mensalidade em universidade pública e especialista vê “cortina de fumaça”; entenda

26 maio 2022, 8:00 - atualizado em 26 maio 2022, 13:25
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O MT levantou os principais argumentos contrários e favoráveis à cobrança de mensalidade nas universidades (Imagem: Divulgação/UFMG)

A proposta que institui o pagamento de mensalidades nas universidades públicas tem causado barulhos antes mesmo de ser votada no Congresso Nacional.

De autoria do deputado federal General Peternelli (União Brasil – SP), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), a PEC 206 despertou posicionamentos contrários e favoráveis à proposta ao ser pautada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) na terça-feira (24).

O texto não chegou a ser votado devido a ausência de seu relator, Kim Kataguiri (União Brasil – SP), mas a assessoria do deputado já declarou que a proposta deve colocada em votação na CCJC na próxima semana.

Se aprovada na comissão, a PEC será encaminhada para uma comissão especial, ainda a ser criada e, depois, passará pelas votações no plenário da Câmara antes de seguir para o Senado.

Money Times conversou com o relator Kataguiri e com a deputada Sâmia Bomfim (PSOL – SP), que se opõe ao projeto, sobre os principais argumentos contrários e favoráveis à cobrança de mensalidade nas universidades públicas no Brasil.

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Kataguiri: só ricos pagariam

Kataguiri foi enfático ao dizer que a proposta não visa atingir alunos de baixa renda nas universidades.

“O texto deixa expresso que a faculdade continua sendo completamente gratuita para quem não pode pagar. E quem puder pagar pagará proporcionalmente à sua capacidade financeira”, disse.

Os critérios da arrecadação e da distribuição de recursos, segundo o relator da proposta, devem ficar à escolha de cada universidade, em respeito ao princípio da autonomia universitária. O deputado também frisa que os estudantes pobres serão os maiores beneficiados.

Universidades decidem

O relator da proposta defendeu que as universidades devem ter autonomia para decidir detalhes sobre a alocação de recursos por conhecerem, mais de perto, a realidade local do alunato.

Impor um padrão nacional, segundo o parlamentar, só aumentaria desigualdades regionais pois “trataria igualmente os desiguais, ao contrário do que ordena nossa constituição”.

“A universidade é a instituição que tem maior sensibilidade para entender a situação socioeconômica do aluno. Lembrando que alunos e professores votam. Eu estudei em duas instituições públicas e o voto dos alunos era fundamental, e continua sendo”, afirmou.

Dinheiro seria revertido aos próprios alunos

O deputado pontuou que os recursos arrecadados com as mensalidades voltariam diretamente para o alunato.

“A ideia é que os recursos sejam revertidos para os próprios alunos que hoje têm dificuldade em continuar na universidade por falta de transporte, alimentação e outros suportes fundamentais para a manutenção dos estudos”, afirmou o deputado.

Como regulamentações específicas devem ser implementadas após a aprovação da PEC, a forma com que tais recursos serão revertidos ainda não está delimitada.

Mecanismo compensaria desigualdades

Kataguiri acredita que, na prática, o atual sistema aumenta a desigualdade social e perpetua a miséria, “na medida em que os mais pobres pagam pela educação dos mais ricos, que futuramente conseguem empregos melhores, mandam seus filhos pra universidade e fazem o ciclo se perpetuar”.

“Hoje, segundo estudo do Instituto Mercado Popular, a chance de um aluno oriundo de uma família com renda per capita de 400 reais entrar numa universidade é de 2%. Já numa família que recebe 20 mil reais per capita por mês, a chance é de 40%”, diz o relator.

Para especialista, redução do ICMS preocupa mais as finanças públicas do que debate da mensalidade (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

Bomfim: proposta deturpa caráter público

Para a deputada psolista, a proposta não deve ser aprovada por, principalmente, ferir princípios constitucionais ao retirar da educação o princípio da gratuidade.

“Deturpa o caráter público e gratuito das universidades, que são de caráter constitucional”, disse.

A deputada acredita que a instituição de uma lógica de mercado traria malefícios à capacidade das universidades de produzir conhecimento e contribuir para a sociedade. Além disso, seria um motivo de discriminação entre estudantes.

“Criaria duas castas diferentes dentro da mesma universidade: os estudantes clientes e os estudantes cidadãos; os que tem a educação como mercadoria e os que tem a educação como direito”, afirmou.

Não resolve o problema

Outro ponto desfavorável, segundo a deputada, é o de que a proposta não ataca às raízes do problema que as universidades enfrentam.

Para Sâmia, despesas para melhorar a permanência dos estudantes na universidade e diminuir a taxa de evasão deveriam ser custeadas pelo governo, e não pelos próprios alunos.

“O que precisa é o governo parar de cortar investimentos, principalmente na área de permanência, que é o que garante a presença de jovens mais pobres estudando nas universidades publicas. [A proposta] parte de uma premissa falsa de que haveria pessoas muito ricas nas universidades, sendo que estudos comprovam que 70 dos estudantes tem renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo”, diz.

Obstruções vêm aí

A deputada Sâmia Bomfim contou ao Money Times que já tem plano de obstrução da tramitação da proposta traçado.

“Vai haver audiência pública, com a participação de entidades além de parlamentares, justamente para que a gente ganhe tempo. Além disso vamos acrescentar todos os requerimentos possíveis e necessários. Vai haver tempo e condição de luta nas universidades para que esse projeto crie força e não vá adiante aqui dentro”, afirmou.

E o deputado Kim Kataguiri parece saber o que lhe espera para avançar com seu projeto.

“Precisamos fazer barulho do nosso lado. Acabei prejudicado por um tratamento médico nessa semana, mas vamos retomar o prejuízo”, contou.

Especialista vê debate “pirotécnico”

Para Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, a proposta não deve ser aprovada e tem caráter leviano na discussão sobre a saúde das contas públicas no Brasil.

“Oportunismo eleitoral puro e distração do debate central”, define.

Para a procuradora, os verdadeiros impactos econômicos negativos para a educação estão em propostas que atualmente tramitam na política sem receberem a devida atenção necessária.

A especialista aponta um projeto que estabelece uma alíquota máxima de ICMS para combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, que deve ser votado na Câmara ainda nesta semana, como um problema sendo mascarado pela “cortina de fumaça” da PEC das mensalidades.

Nesta quarta, o relator do projeto deputado Elmar Nascimento (União-BA), decidiu estender a municípios a trava de compensação que previu para Estados em caso de queda de arrecadação.

“37% da arrecadação do ICMS que fica nos Estados vão para educação e saúde. 40% do que os Municípios têm direito a receber do ICMS via Fundo de Participação dos Municípios também vai para educação e saúde” comenta, criticando a redução do imposto, mesmo que com compensação por parte da União.

A procuradora cita um estudo que prevê uma queda de R$ 70 bilhões no arrecadamento de estados e municípios com a aprovação do projeto para exemplificar a “implosão” no custeio das despesas.

“Distração de um lado, implosão do custeio dos direitos fundamentais de outro. Desses R$70 bilhões praticamente uns R$25 bilhões deveriam ir para educação e saúde. Essa inibição da arrecadação tributária anula quase integralmente a promessa de crescimento do Fundeb feita na Emenda 108/2020 “, afirmou.

*Atualização:

A Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira a proposta que limita a alíquota do ICMS. A medida será agora analisada pelo Senado.

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