Opinião

Denúncia: brasileiros fumam 400 cigarros por ano

17 fev 2018, 21:19 - atualizado em 17 fev 2018, 21:36

Por Nicholas Vital,  jornalista e autor do livro ‘Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo’, lançado em julho de 2017 pela Editora Record

Não é novidade para ninguém que os agrotóxicos são produtos muito mal visto pela população brasileira. Repare: em qualquer roda de discussão sobre o assunto, você dificilmente verá alguém defendendo esses insumos, fundamentais para a produção agrícola no Brasil. No imaginário popular, são produtos altamente tóxicos, que podem envenenar o trabalhador, no campo, e o consumidor, na cidade, e que são despejados indiscriminadamente nas lavouras em todo o país. O título de campeão mundial no uso de agrotóxicos reforça a imagem negativa desses produtos e abre caminho para o surgimento de inúmeros mitos em torno dos pesticidas, como o de que cada brasileiro “ingere” 5,2 litros de agrotóxicos por ano — o que não passa de uma grande bobagem.

O número “5,2” nada mais é do que o resultado da divisão do volume de agroquímicos vendidos no Brasil, estimado pelos autores do boato em 1 bilhão de litros, pela população brasileira, de 192 milhões de habitantes. Trata-se de um cálculo simplista, que nos permitiria dizer também que cada brasileiro fuma 400 cigarros por ano, o equivalente a 20 maços. Você, não fumante, consome quatrocentos cigarros por ano? Certamente, não. Então fique tranquilo, porque você também não “bebe” 5,2 litros de pesticidas — do contrário, já estaria morto há muito tempo.

O primeiro erro desta conta está relacionado às culturas que mais utilizam defensivos. No Brasil, apenas quatro culturas concentram quase 80% das vendas de agroquímicos: soja (52%), cana-de-açúcar (10%), milho (10%) e algodão (7,5%). No caso da soja, quase metade da produção é exportada. O que fica por aqui é processado e vira farelo (que também é exportado ou utilizado como ração animal) ou óleo. Durante o processamento, eventuais resíduos de agrotóxico são eliminados. No total, menos de 1% da soja produzida chega à mesa dos brasileiros. Com o milho acontece a mesma coisa. Aquela espiga que você come na praia ou usa para fazer um creme de milho representa uma fração ínfima da produção. Isso sem contar os praguicidas utilizados em florestas plantadas, lavouras de fumo, pastagens e outras culturas não alimentícias.

A parcela de agrotóxicos utilizada em frutas, verduras e legumes, menos de 10% do total, também não representa qualquer risco ao consumidor, já que a concentração de produtos químicos na calda aplicada sobre os alimentos é cada vez menor. Existem casos em que são necessários somente cinco gramas do princípio ativo para cada 1000 litros de água, quantidade muitas vezes suficiente para pulverizar um hectare inteiro. Mais do que isso, é preciso lembrar que nem todo agrotóxico é aplicado sobre a planta comestível. Boa parte tem como foco as ervas daninhas, que ficam no solo. Mesmo no caso dos produtos pulverizados diretamente sobre os alimentos, apenas uma fração atinge de fato o alvo. Ainda assim, as plantas possuem mecanismos de degradação e dissipação que eliminam gradualmente todas as substâncias químicas, da mesma forma como os humanos eliminam os remédios. Se cumpridos os prazos de carência estipulados pelos fabricantes, os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos no momento da colheita são muito baixos — tão baixos que são medidos em partes por milhão (PPM).

No meio rural, a situação também é bem diferente da normalmente retratada nas reportagens que assistimos na televisão. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), vinculado ao Ministério da Saúde, em todo o ano de 2013 (último dado disponível) foram registrados 1.907 casos de intoxicação envolvendo agroquímicos, sendo 971 deles tentativas de suicídio. Em campo, foram 621 acidentes individuais e outros 214 casos de intoxicação ocupacional, com sete óbitos registrados. Não estou dizendo que sete mortes em um ano seja algo aceitável, longe disso, mas a verdade é que estamos muito distantes do caos retratado pela imprensa e repetido por ambientalistas, uma situação que serve apenas para fomentar o medo entre o público urbano e estimular a venda de produtos orgânicos.

Os números do Sinitox mostram ainda que os agrotóxicos foram responsáveis por 4,5% dos cerca de 42 mil casos de intoxicação registrados no Brasil em 2013. Apenas como comparação, os medicamentos representam 28% do total, ou mais de 12 mil casos por ano. Os produtos de limpeza respondem por mais 8,5%, com 3.600 casos registrados. Diante desses dados, eu pergunto ao nobre leitor: o que é mais perigoso, agrotóxicos, remédios ou água sanitária?

Se as reportagens sobre o drama dos aplicadores na televisão causam tanta comoção, eu fico imaginando o quão dramática seria uma matéria mostrando o dia a dia de taxistas, motoboys, caminhoneiros e motoristas de ônibus, que enfrentam as ruas das grandes cidades todos os dias, expostos à violência do trânsito. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os acidentes de trânsito são uma das principais causas de morte em todo o mundo, vitimando mais de 1 milhão de pessoas todos os anos. No Brasil foram 41 mil mortes no trânsito em 2013, o que dá uma média de 23,4 óbitos para cada 100 mil habitantes. São quase 6 mil vezes mais mortes no trânsito do que nas lavouras. Não seria o caso de lutar contra as montadoras e banir todos os carros? É óbvio que não. Por que com os agrotóxicos é diferente?

Os defensivos agrícolas são produtos químicos regulados, perigosos e que devem ser utilizados com extrema cautela. Assim como no caso dos veículos, os pesticidas também deveriam ser manuseados exclusivamente por pessoas habilitadas, com permissões de diferentes níveis, de acordo com o tipo de trabalho a ser realizado. Desta forma, todos os aplicadores seriam obrigados a passar por um treinamento básico, desde os pequenos agricultores que usam costais manuais até os pilotos aeroagrícolas. Mas infelizmente a realidade não é assim. A falta de conhecimento é um problema que existe desde que esses produtos foram introduzidos no Brasil e segue até hoje, principalmente pela falta de uma assistência técnica adequada. Para se ter uma ideia, atualmente menos de 15% dos agricultores que trabalham com agrotóxicos utilizam os equipamentos de proteção obrigatórios ao misturar ou aplicar os produtos. Um dado alarmante, mas que não está nas manchetes dos jornais e, portanto, não causa indignação.

Nas últimas décadas, milhares de casos de intoxicação causados pelo uso incorreto dessas substâncias foram registrados no Brasil. O que mais chama a atenção, no entanto, é saber que a grande maioria dessas ocorrências poderia ter sido evitada através do simples uso de equipamentos de segurança — e esse é o ponto a ser combatido. Eu costumo dizer aos meus amigos que os agrotóxicos, desde que utilizados da forma correta, não representam qualquer risco para a saúde, seja dos agricultores ou dos consumidores. Por outro lado, o uso indiscriminado desses produtos pode sim causar problemas graves. Não devemos temer os agroquímicos e nem lutar pelo banimento de tecnologias tão importantes para a produção agrícola no Brasil. O que precisamos exigir, sim, é o uso desses insumos com responsabilidade e sem exageros. Já dizia o médico e químico Paracelsus há mais de 500 anos: “a dose faz o veneno”, afirmação que se tornou o princípio da toxicologia. Na lavoura, não seria diferente.

 

 

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