Democracias são abaladas antes de eleições fundamentais na América Latina
Uma tentativa de assassinato na Argentina e surtos de violência eleitoral no Brasil surgiram como os mais recentes sinais de crescente descontentamento político na América Latina, criando um ambiente traiçoeiro para ocupantes de cargos públicos de todos os tipos.
A arena política da América Latina se intensificou com as consequências da pandemia, guerra na Ucrânia, inflação em espiral e temores de recessão global.
Todas essas dificuldades atingiram os bolsos dos eleitores em uma das regiões mais desiguais do mundo, gerando tensões políticas mais profundas antes de eleições fundamentais e ameaçando a própria democracia em alguns países.
“Há muito mais extremismo”, disse a pesquisadora argentina independente Mariel Fornoni, referindo-se ao atual estado da política na América Latina. “E acho que isso reflete a incapacidade de muitos governos de atender às demandas dos cidadãos.”
Enquanto o presidente de centro-esquerda da Argentina, Alberto Fernández, luta para conter a inflação galopante, que se aproxima de 100% este ano, e com o presidente de esquerda chileno, Gabriel Boric, lambendo suas feridas depois que a proposta de Constituição progressista de seu país foi rejeitada em um referendo, a oposição de direita endureceu em ambos os países.
Da mesma forma, nas próximas eleições no Brasil, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o favorito, a base fiel ao atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), pode plantar sementes para uma oposição linha-dura que enfrentaria Lula desde o primeiro dia.
Carlos Alvarado, ex-presidente de centro-esquerda da Costa Rica, disse em uma entrevista que a polarização é uma tendência em toda a região de língua espanhola e portuguesa.
“As mensagens mais simplistas, incluindo as populistas, chamam nossa atenção e realmente despertam as emoções das pessoas em um contexto onde há um alto nível de frustração, incerteza, desigualdade e inflação”, disse ele. “Neste momento, um apelo à conciliação ou negociação não costuma ganhar tanto apoio.”
Os tropeços do governo peronista da Argentina destacaram a política “grieta”, palavra espanhola que significa literalmente “fissura”, muitas vezes usada como abreviação para a política cada vez mais polarizada do país.
Recriminações sobre a aparente tentativa de assassinato no início deste mês de Cristina Fernández de Kirchner, uma ex-presidente esquerdista que atualmente atua como vice-presidente, apenas agravou as divisões.
Democracias em perigo
Os eleitores no dividido Brasil enfrentam uma escolha durante o primeiro turno da eleição de 2 de outubro entre Bolsonaro e Lula, embora vários candidatos com menor intenção de voto também estejam na mistura.
Lula fez alguns acenos para o centro, incluindo um ex-rival de centro-direita como seu companheiro de chapa que, segundo assessores, poderia conduzir a política econômica se ele vencer.
A reta final da campanha foi marcada pela violência política, incluindo dois assassinatos. Há dois anos, Bolsonaro, assim como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, sugeriu que só pode perder se houver fraude eleitoral maciça.
No Peru, o presidente de esquerda Pedro Castillo, que assumiu o cargo há pouco mais de um ano, está lutando contra uma investigação de corrupção em meio a índices de aprovação em queda.
E na Colômbia, embora o resultado do segundo turno presidencial de junho tenha sido pacífico, os dois principais candidatos, incluindo o vitorioso presidente de esquerda Gustavo Petro, relataram ter sido alvo de ameaças violentas durante a campanha.
Os governos autoritários de Cuba, Venezuela e Nicarágua são assolados por divisões mais básicas, com críticos atacando a repressão e a ausência de direitos democráticos básicos.
El Salvador e Guatemala, dizem os críticos, são mais dois países da América Central cujas democracias estão ameaçadas.
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