Trabalho

“Demissão silenciosa”: Conheça esse fenômeno e suas consequências legais

28 ago 2022, 10:00 - atualizado em 29 ago 2022, 8:26
Demissões nas startups
A “demissão silenciosa” não quer dizer evitar fazer o seu trabalho, é apenas procurar manter uma vida também fora do trabalho (Imagem: Elisa Ventur/Unsplash)

O Brasil registrou um recorde no número de pessoas que deixaram seus empregos neste ano: 6,175 milhões de pedidos de demissão nos últimos 12 meses até maio, de acordo com o levantamento feito pela LCA Consultores. Desses 1 a cada 3 desligamentos foram voluntários.

A busca por uma maior satisfação profissional e até mesmo melhores salários, que leva a outro fenômeno conhecido como “A Grande Renúncia”, se estabelece em meio ao desemprego alto e à dificuldade dos trabalhadores de voltar ao mercado de trabalho.

Mas, se você está infeliz no trabalho e a demissão voluntária não é uma opção ou não há outras alternativas, é possível tentar a “demissão silenciosa”.

O que é a “demissão silenciosa”

O “quiet quitting“, ou em português “demissão silenciosa”, é uma tendência que consiste em, simplesmente, fazer o mínimo que é esperado da sua função no trabalho. Ela ganhou força e espaço por meio do TikTok e Twitter e vem repercutindo, principalmente, entre os jovens.

“É a situação em que o trabalhador passa a se dedicar menos ao trabalho, deixando de lado suas ambições profissionais e cumprindo suas obrigações dentro do mínimo necessário, não necessariamente buscando o término da relação de emprego”, explica a advogada e sócia do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados (FCAM), Silvia Fidalgo Lira.

A demissão, silenciosa ou não, já é uma tendência. No Brasil, o número recorde de demissões mostra que os profissionais de maior escolaridade foram os que mais pediram para deixar o emprego.

2,9 milhões de trabalhadores brasileiros pediram para sair do trabalho, entre janeiro e maio de 2022, segundo levantamento da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) a partir de dados do Caged. É o maior índice da série histórica iniciada em 2005.

Saúde mental, home office e inflação

Outro fator que impulsiona esse cenário é a alta nos casos de burnout. Esse esgotamento relacionado ao trabalho é atribuído também a perda de limites entre trabalho e vida pessoal.

A preferência por novas modalidades de trabalho — como o remoto (home office), por exemplo — é também lembrado e atrelado ao desejo crescente por maior equilíbrio entre uma carreira e a qualidade de vida.

Vale lembrar que a insatisfação também pesa no bolso. O salário de admissão do trabalhador brasileiro médio nos cinco primeiros meses do ano foi de R$ 1.924, uma redução de 4,3% frente ao mesmo período do ano passado, já descontados os efeitos da inflação medida pelo INPC/IBGE.

“Demissão silenciosa” é justa causa?

As consequências jurídicas desse fenômeno dependem da situação concreta, podendo variar bastante caso a caso, pontua Silvia.

A CLT estabelece, dentre as hipóteses de justa causa previstas no artigo 482, a desídia, ligada à negligência do trabalhador no cumprimento das atividades profissionais. “Na prática, configura-se como desleixo ou desinteresse constante na prestação de serviços, uma sucessão de faltas não intencionais cometidas pelo empregado”, acrescenta.

A advogada ressalta que se essas faltas forem praticadas intencionalmente, o contrato poderá ser também rescindido com base em outras hipóteses legais, como mau procedimento ou insubordinação. “Isso porque o contrato de trabalho é regido pelos princípios gerais do contrato, dentre os quais os princípios da lealdade e da boa-fé, dos quais decorrem o dever de colaboração”.

Em relação a demissão silenciosa, a questão tem que ser analisada com cuidado, considerando o histórico profissional do trabalhador e a gravidade de sua conduta, aponta Silvia.

“Se a redução de performance for praticada com o intuito de provocar uma dispensa sem justa causa ou implicar a prática de faltas que, uma vez reprimidas pelo empregador, continuarem sendo cometidas, o trabalhador poderá ser dispensado por justa causa, com significativa redução de verbas rescisórias”.

Entretanto, mera baixa performance do empregado, mas com cumprimento das funções contratuais, não configura justa causa.

O papel legal do empregador

No que se refere ao empregador, a CLT prevê, em seu artigo 483, a rescisão indireta, popularmente conhecida por “justa causa do empregador”, lembra a advogada.

“Trata-se da hipótese em que o término do contrato é motivado pelo descumprimento contratual ou falta do empregador, pelo que o empregado tem direito ao recebimento das mesmas verbas rescisórias que lhe seriam devidas em caso de dispensa sem justa causa”.

A “demissão silenciosa” poderá configurar rescisão indireta do contrato de trabalho quando o empregador, exigir, por exemplo, o cumprimento de metas inatingíveis, serviços superiores às forças do trabalhador ou o expor a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, explica ela.

Dependendo do caso, essas condutas podem também configurar “assédio moral”, situação em que o empregado terá também direito ao recebimento de indenização por danos morais.

“A grande libertação”

A “demissão silenciosa” não quer dizer evitar fazer o seu trabalho, é apenas procurar manter uma vida também fora do trabalho.

Essa tendência busca restabelecer este equilíbrio, em situações que o trabalho roubou tempo da vida pessoal. 

Assim, ela pode gerar uma melhor harmonia entre esses dois polos da vida e, até mesmo, uma proteção contra o burnout, evitando que ele aconteça. Isto é, sendo uma forma de “grande libertação” e uma resposta possível à “grande renúncia”.

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