Demissão de Bolton pode abrir espaço para o fim das sanções dos EUA contra o Irã?
Parece que os sauditas não conseguem ter nenhum dia de descanso sem que Donald Trump apareça para acabar com a festa.
Quando o Reino pensou que havia arrumado a casa ao demitir seu ministro de energia, Khalid al-Falih, nomeando em seu lugar o experiente príncipe Abdulaziz bin Salman, o presidente dos EUA dá as caras e demite uma das suas principais autoridades, nada menos que John Bolton, Assessor de Segurança Nacional.
A ação de Trump na terça-feira teve implicações tão grandes que levou alguns a se perguntar o que foi mais relevante: a nomeação de Abdulaziz ou a demissão de Bolton?
A verdade não poderia ser mais difícil de vislumbrar.
O novo ministro de energia de Riad conseguiria no máximo oferecer mais cortes de produção e estabilidade de preço para os produtores mundiais de petróleo, sem falar em um possível final feliz para a tão esperada abertura de capital da petrolífera estatal Aramco, da família real saudita.
Saída de Bolton pode ter complicado a situação para a Arábia Saudita e a Opep
A saída de Bolton, um linha-dura contra o Irã, pode trazer resultados mais complicados.
Dependendo da repercussão, a ausência de Bolton pode pavimentar o caminho para o início das tratativas entre EUA e Irã e um eventual acordo de retirada das sanções impostas pelo governo Trump a Teerã desde novembro do ano passado.
O governo americano acusa o Irã de tentar secretamente desenvolver armas nucleares. A República Islâmica, por sua vez, afirma que as sanções dos EUA têm como objetivo ajudar inimigos como a Arábia Saudita a roubar a participação de mercado do petróleo iraniano.
Se um acordo entre EUA e Irã for fechado, poderá, com o tempo, trazer ao mercado mundial mais um milhão de barris por dia de Teerã.
Esse seria o pior pesadelo dos touros do petróleo, pois jogaria por terra todo o trabalho duro feito pela Opep nos últimos nove meses para aplicar cortes disciplinados de produção que recuperassem os preços do petróleo de uma de suas piores quedas desde a crise financeira.
Além do Irã, a Venezuela, outro país sancionado pelos EUA, também poderia se beneficiar com a saída de Bolton, já que Trump pretende ampliar as isenções de exportações a empresas de energia dos EUA que ainda realizam negócios no país sul-americano, ao mesmo tempo em que tenta destituir seu líder ditador, Nicolás Maduro. Bolton havia vocalizado sua oposição a esse plano.
Trump, em um tuíte anunciando a demissão de Bolton, seu terceiro assessor de segurança nacional, disse que ele “discordava fortemente de algumas de suas sugestões, assim como outras pessoas em seu governo”.
Em todo caso, a influência de Bolton no governo havia desaparecido há bastante tempo, principalmente depois da decisão de Trump, em junho, de vetar o pedido do assessor de segurança nacional para realizar um ataque militar contra o Irã em retaliação à derrubada de um drone norte-americano por Teerã.
O New York Times destacou que a situação chegou a um ponto crítico entre eles nos últimos dias, depois que Bolton promoveu uma campanha de última hora para impedir que o presidente norte-americano assinasse um acordo de paz com líderes do grupo radical Talibã.
Na terça-feira, os preços do petróleo imediatamente refletiram as preocupações do mercado com possíveis cenários pós-saída de Bolton, em vez do otimismo previsto pelo novo ministro de energia da Arábia Saudita.O petróleo norte-americano West Texas Intermediate e o britânico Brent fecharam com desvalorização pela primeira vez depois de acumularem ganhos de 7% por quatro dias consecutivos.
Mas o rali do petróleo pode ser retomado nos próximos dias, já que os traders esperam a continuidade de fortes retiradas de petróleo dos estoques norte-americanos, bem como cortes de juros pelos bancos centrais da Europa e dos EUA.
Divisão quanto às chances de negociação entre EUA e Irã
Os especialistas se dividem quanto à chance de negociação entre Washington e Teerã e de uma reunião entre Trump e o líder iraniano Hassan Rouhani, depois das suas visões polarizadas e ataques mútuos sobre sua soberania.
O Secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, e o Secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, declararam na terça-feira que continuavam comprometidos com a campanha de “máxima pressão” de Trump contra o Irã.
Mas o presidente em si não fez qualquer declaração, a não ser um tuíte esclarecendo que os serviços prestados por Bolton na Casa Branca já não eram mais necessários.
Isso fez com que estrategistas do mercado de petróleo, como John Kilduff, acreditassem que Trump pudesse ter mais uma carta na manga para o Irã.
O presidente norte-americano disse no passado que estava aberto a “conversas incondicionais”, uma oferta que os iranianos rechaçaram antes da escalada nas hostilidades contra outros petroleiros em águas internacionais que geraram mais tensões com os EUA.
Kilduff, sócio fundador do hedge fund de energia Again Capital, de Nova York, afirmou:
“Com um belicista como Bolton agarrado ao seu pescoço, era mais difícil para Trump até mesmo levantar a ideia de um acordo com o Irã. Agora, será muito mais fácil.”
Com um acordo iraniano, Trump pode se gabar durante a campanha de 2020
Referindo-se à campanha do presidente à reeleição em novembro do próximo ano, Kilduff declarou:
“Não importa que já houvesse um acordo nuclear iraniano desde a era Obama. É possível que Trump veja uma chance de selar seu próprio acordo com o Irã para se gabar disso em sua campanha de 2020.”
Ele também alertou que um Irã livre de sanções contra seu petróleo poderia inundar o mercado mais rápido do que se imagina:
“Já há abastecimento iraniano no estoque fixo na China, por exemplo. E também houve um aumento no estoque flutuante, que pode ser imediatamente disponibilizado.”
“Em suma, é possível que bastante petróleo seja despejado no mercado com muita rapidez. Saímos de uma situação de prêmio de guerra com Bolton para uma possível armadilha iraniana no mercado.”