Taxa Selic

Entrevista: Decisão unânime de frear cortes da Selic ajuda, mas não resolve problema, diz Padovani

21 jun 2024, 12:00 - atualizado em 21 jun 2024, 12:02
Roberto Padovani aplaude decisão unânime de frear cortes da Selic (Imagem: Filipe Scotti/FIESC)

O comunicado “conciso” do Comitê de Política Monetária (Copom) na reunião desta semana trouxe alívio tanto para os economistas quanto para o mercado. O Comitê manteve a taxa Selic no patamar de 10,50% ao ano, em decisão unânime.

“Foi um comunicado muito feliz, porque teve uma decisão consensual e deu sinais de como o Banco Central (BC) vai operar, o que é importante para ajudar a ancorar as expectativas de inflação“, disse o economista-chefe do BV e assessor do Ministério da Fazenda no Plano Real, Roberto Padovani, ao Money Times.

Além disso, o consenso traz um alívio adicional ao mostrar o compromisso dos novos membros do BC, em especial do diretor Gabriel Galípolo — cotado a assumir a posição de Roberto Campos Neto no final deste ano.

Ainda assim, o experiente economista ressalta que pode demorar para a próxima gestão ganhar credibilidade e o mercado deve ficar atento à postura da autarquia.

Apesar de aplaudir a unanimidade dos membros, Padovani também destaca que os cenários fiscal e monetário seguem incertos e devem atrapalhar uma eventual queda das expectativas. “Ajuda, mas não resolve o problema”, afirma.

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Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o economista Roberto Padovani

Money Times: O Copom não deu forward guidance, mas disse que deve se manter contracionista por tempo suficiente para consolidar a desinflação e a ancoragem das expectativas. O que podemos esperar das próximas reuniões deste ano?

Roberto Padovani: O sinal mais importante, que vai dar as pistas dos próximos passos, é a ancoragem das expectativas. Elas estavam paradas em 3,50% e subiram nas últimas quatro semanas para o patamar de 3,80%. Para que esse movimento seja revertido, é preciso ter uma mudança muito radical do cenário.

Precisa de um choque de credibilidade na gestão fiscal — coisa que os nossos analistas políticos estão sinalizando que não vai acontecer. Deve adotar medidas incrementais, mas não vai ter nada forte o suficiente que convença os investidores de que a gente vai ter uma nova orientação na política fiscal.

O segundo ponto é precisa de um quadro de forte apreciação cambial — o que seria possível, porque estamos descolados das demais moedas emergentes, mas o contexto fiscal não ajuda tanto.

E o terceiro fator é a dúvida do mercado em relação à estratégia do próximo presidente do Banco Central. A questão é saber quão tolerante ele vai ser com a inflação.

O fato é que, enquanto essas dúvidas permanecerem, não acreditamos que as expectativas vão cair. Imaginamos que, pelos próximos seis a nove meses, o Banco Central não volta a cortar taxa de juros. Depois, a gente vê espaço para voltar flexibilização.

Money Times: A decisão unânime muda a visão sobre os próximos passos da Selic?

Roberto Padovani: A decisão unânime ajuda, mas não resolve o problema. Ela ajuda porque evita uma nova onda de piora substancial das expectativas da inflação. Vimos que as expectativas descolaram rapidamente depois da decisão dividida de maio.

Mas, as dúvidas em relação à gestão fiscal monetária vão continuar pelos próximos meses, então, dificilmente, as expectativas vão estabilizar e cair. É um bom desafio que vamos ter que monitorar.

Money Times: A decisão de ontem alivia a incerteza em relação à condução do BC após a saída do Campos Neto?

Roberto Padovani: Muita gente especula que o Gabriel Galípolo é o próximo presidente do Banco Central. Como ele votou a favor da manutenção de juros, isso mostra um comprometimento, não só com a inflação, mas com o modus operandi do Banco Central. Se a próxima gestão for responsável, as expectativas tendem a convergir para mais próximo do centro da meta, que é 3%.

O problema, no entanto, é que ainda é preciso ver as ações que serão tomadas efetivamente pela próxima gestão. Vai ter que construir reputação e isso é um processo normalmente lento.

Existe uma preocupação porque o governo, desde o início do mandato em 2023, tem se mostrado sempre muito crítico em relação ao Banco Central e essa agenda política cria ruídos sobre a próxima administração. O mercado trabalha com a tese de que pode repetir o modelo da gestão de Alexandre Tombini, de 2011 até 2016, em que a inflação corre acima do centro da meta, mas abaixo do teto.

Money Times: Esta semana, o presidente Lula voltou a criticar a Selic elevada e o Campos Neto. Como fica a pressão política em cima do BC?

Roberto Padovani: A primeira coisa que me deixa relativamente tranquilo é que temos um Banco Central formalmente independente. Pode ter a pressão política que for, mas, como há independência, ela não implica necessariamente em uma guinada de curto prazo na gestão monetária.

A segunda coisa é que o Banco Central é uma autarquia bem constituída e há uma burocracia que atua no sentido de constranger mudanças bruscas. Os argumentos são muito técnicos e é difícil mudar uma avaliação de um corpo técnico grande, bem estabelecido e com boa reputação.

E o terceiro ponto é o fato das decisões serem colegiadas. Por mais que alguém ache que tem que subir ou derrubar a taxa de juros, o que vai comandar no final são os nove votos.

A pressão política causa um dano na formação de expectativas, porque deixa os agentes inseguros com o cenário futuro. Mas ela não exerce uma influência direta sobre as decisões. No curto prazo, nós descartamos guinadas políticas, por conta da inércia gerada pelo desenho institucional.

Money Times: O mercado precificava uma potencial alta na Selic. Há chances disso acontecer?

Roberto Padovani: Os mercados precificam alta porque incluem um prêmio de risco. Como não sabemos o que esperar da gestão fiscal e monetária, o mercado vê mais incertezas e trabalha com prêmio de risco maior, o que implica outro nível de dólar, bolsa e de juros.

Reflete muito mais uma incerteza do que uma avaliação de política. Não é o nosso cenário.

Money Times: Quando o Banco Central deve retomar os cortes de juros?

Roberto Padovani: Acreditamos que o Banco Central deve retomar o processo de cortes em 2025. A razão para isso é que trabalhamos com o juro real neutro de 5% e uma inflação rodando acima da meta, próximo aos 4%.

A política monetária tende a caminhar nos próximos meses gradualmente para um patamar de 9%. Isso porque calculamos a intensidade do aperto monetário a partir dessa projeção de taxa nominal neutra e da taxa real. Como a taxa observada hoje é 10,50% e nós achamos que a taxa nominal é 9%, tem 150 pontos para cortar juros.

Enquanto a Selic estiver acima dos 9%, estará apertando a política monetária. Mesmo que tenham cortes a partir de 2025, a polícia segue contracionista, ajudando a convergir a inflação para o centro da meta.

Money Times: Quais são as principais preocupações do Copom para os próximos meses?

Roberto Padovani: As principais preocupações são os juros internacionais, a gestão fiscal no Brasil e a ancoragem das expectativas. O fato de o comunicado da última reunião não trazer nenhum tema novo e ter passado uma comunicação limpa e concisa aumenta a confiança.

Não houve novidades, mas o fato de justamente não ter novidades contribui com uma comunicação melhor.