Daniel Silveira: Por que liberdade de expressão e imunidade não o salvaram no STF
Carro-chefe na argumentação da defesa do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento que o condenou à prisão e à perda do mandato, a imunidade parlamentar não deve servir de pretexto para a incitação de crimes disfarçados de liberdade de expressão, segundo especialistas ouvidos pelo Money Times.
Para o doutor em ciência política e professor de Direito na Fundação Getulio Vargas (FGV) Oscar Vilhena, críticas ao trabalho da corte, por exemplo, são comuns na democracia e protegidas pela liberdade de expressão. No entanto, o deputado não está isento de ser responsabilizado por crimes graças à imunidade parlamentar.
A Constituição de 1988 diz que parlamentares são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos. A imunidade serve para garantir que políticos possam exercer sua vocação sem correr riscos de serem perseguidos – mas há limites.
“Tratar isso como um problema de liberdade expressão me parece um pouco equivocado. O uso da palavra pode ter impacto criminal, e ele não está sendo processado por simplesmente criticar ministros do Supremo. Ameaça é ameaça”, diz.
Vilhena ressalta que Silveira também cometeu, através de seus discursos, a obstaculizarão da Justiça, por meio da incitação do confronto entre as Forças Armadas e o Supremo.
“São ameaças de uma autoridade para outra, uma instituição para outra, querendo perturbar o processo democrático”, afirma.
O próprio relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, ponderou que a liberdade de expressão não deve ser absoluta, e nem a imunidade parlamentar instrumentalizada.
“A liberdade de expressão prevista na Constituição deve ser exercida com responsabilidade, não como escudo protetivo para atividades ilícitos, para discurso de ódio […] O réu usou o mandato de parlamentar como escudo protetivo. Ele usou o parlamento como esconderijo”, afirmou Moraes.
“Desvio de finalidade escancarado”
O advogado criminalista e escritor Augusto de Arruda Botelho também entende que Silveira não poderia se utilizar do direito de liberdade de expressão e a sua imunidade parlamentar para escapar da condenação.
“Não há qualquer tipo de possibilidade jurídica de se sustentar pela imunidade parlamentar ou liberdade constitucional de se expressar, porque não são crimes de opinião. Ele não foi denunciado e condenado porque se expressou ou criticou, ou que foi contrário a político A, político B, corte ou poder. Ele foi condenado porque ameaçou e incitou a prática de crimes. Completamente diferente de dizer uma opinião”.
“Essa narrativa de ter sido condenado por delito de opinião não se sustenta com a mera leitura da denúncia. Não é disso que ele está sendo acusado, ele está sendo acusado por ter ameaçado e incitado a violência”, diz.
Botelho também acredita que o perdão presidencial concedido por Jair Bolsonaro ao deputado pode ser revertido pelo STF.
“Ele [Bolsonaro] justifica concessão da graça dizendo que não concorda com decisão do Supremo, que deputado está acobertado pela imunidade e foi condenado apenas por livremente se expressar. Há um desvio de finalidade escancarado. Entendo que é completamente irregular e ilegal”, diz.
Sentença do STF e perdão de Bolsonaro
O STF condenou, na quarta-feira (20), Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão, pelos crimes de coação no curso do processo e atentado ao Estado Democrático de Direito, ao ter incitado atos antidemocráticos e ter feito ameaças a ministros da Corte no início do ano passado.
Além da reclusão, a Corte instituiu o pagamento de uma multa de R$ 212 mil e a perda de seu mandato.
Um dia após a decisão, no entanto, o deputado foi agraciado por um perdão presidencial, concedido por Bolsonaro e se viu livre, por ora, da reclusão — o indulto não recupera seus direitos políticos nem anula a multa.
Em comunicado, Bolsonaro afirmou que sua decisão se baseava no princípio de que “a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações”.
Um dos principais argumentos da defesa do próprio deputado era o de que suas falas deveriam ser protegidas pela imunidade parlamentar, e que o político seria alvo de uma perseguição por parte do Tribunal, sendo impedido de exercer seu direito de liberdade de expressão.
Silveira: Histórico de críticas e ameaças ao STF
Silveira foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, sob a acusação de praticar agressões verbais e ameaças a ministros do STF. O parlamentar foi preso em fevereiro do ano passado por ordem do relator do caso, Alexandre de Moraes, logo após publicar um vídeo com ofensas e ameaça aos ministros da Corte.
Durante a gravação, de 19 minutos, Silveira ataca o ministro Edson Fachin por ter se posicionado contrário à manifestação do Exército alertando o STF antes de um julgamento que poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018.
Na ocasião, o general Villas Bôas fez um tweet insinuando que a tropa estaria atenta ao resultado do julgamento e “atento às suas missões institucionais”, o que foi entendido por partes da sociedade como um tom de ameaça.
Em fevereiro de 2021, veio uma revelação de que o tweet havia sido articulado por uma cúpula do exército para pressionar o Tribunal.
Fachin, que reagiu à revelação afirmando ser “intolerável e inaceitável” qualquer tipo de pressão ao judiciário, foi atacado por Silveira.
“Por várias vezes já te imaginei levando uma surra. Você e os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra? Você integra a nata bosta do STF”, diz Silveira, na publicação.
Silveira também chega a chamar o ministro Alexandre de Moraes de “idiota”, “Xandão do PCC” e defender a substituição de toda a corte.
“Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião vocês [ministros] já deveriam ter sito destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novas ministros”, disse.
O resto do vídeo é repleto de posicionamentos e ofensas semelhantes aos ministros. Em diversas outras publicações, Silveira já havia defendido o fechamento do STF e feito menções ao AI-5, ato institucional que marcou o fortalecimento da repressão na ditadura militar do Brasil.
Após a publicação, o deputado foi preso em flagrante e ficou em regime fechado até novembro de 2021, quando foi solto para responder ao processo em liberdade.
Fora da reclusão, Silveira não parou de tecer críticas e intimidações aos ministros, o que acabou acarretando na condenação também por coação no curso do processo.
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