Cypherpunks e a ciência por trás da criptografia
Por Orlando Telles*
“Sobre a criptografia, deve-se reconhecer que nenhuma quantidade de violência será algum dia capaz de resolver um problema matemático.” – Jacob Appelbaum, Cypherpunks: Freedom and the Future of the Internet. (2016)
Entre os anos 30 e 40 foram escritos dois incríveis livros de ficção, frutos da mente de dois visionários que definitivamente se preocupavam com o futuro e com os rumos que a humanidade estava tomando. O primeiro é “Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley e publicado em 1932. O segundo foi “1984”, escrito por George Orwell e publicado em 1949.
Ambos autores desenharam em suas obras futuros claramente distópicos, onde uma pequena quantidade de pessoas com muito poder exerceria grande controle e definiria suas próprias agendas sobre uma massa de pessoas ignorantes e subservientes. Mas, para que o futuro dos autores pudessem se concretizar, ainda havia uma peça tecnológica que estava faltando: a infraestrutura de comunicação capaz de atuar em massa, conectando em tempo real todas as pessoas e aparelhos, em todos os lugares.
Inicialmente desacreditada por críticos da época, a Internet ainda levou mais uns 20 anos para que fosse realmente levada a sério pelo grande público, subitamente catapultando a humanidade rumo à era da informação.
Ainda assim, desde o final dos anos 80 e bem antes do grande público ser tomado de surpresa pela explosão da internet, já havia um seleto grupo de pensadores que se preocupavam com os rumos que esta nova invenção poderia tomar. Juntos, eles chegaram à conclusão de que a Internet se tornaria a ferramenta ideal para a concretização de distopias e ao mesmo tempo enxergavam os computadores como uma grande oportunidade para que a humanidade se libertasse de uma vez por todas das sombras da tirania.
Um destes pensadores foi Phil Salin, economista e hobbista de computação, que se dedicou a estudar as possibilidades de como evoluir as ciências econômicas através do uso dos computadores.
Em 1984, mesmo antes dos navegadores e dos provedores de internet existirem, Salin criou uma plataforma que poderia ser acessada por computadores através do uso de linhas telefônicas, chamada American Information Exchange (AMIX), com o objetivo de intermediar, de forma online, a livre compra e venda de informações.
Contudo, do modo como fora programada, não havia possibilidade de censura ou de manipulação nos dados pelo servidor central na AMIX. Essa era com certeza uma ideia extremamente radical para os anos 80, e muito à frente do seu tempo.
Três anos depois, o trabalho de Phil chamou a atenção de uma outra personalidade muito importante, o ex-cientista sênior da Intel, Timothy C. May. O também libertário por natureza, enxergou na AMIX uma séria limitação, uma vez que as negociações ali eram muito transparentes e abertas e dependendo do que viesse a ser negociado, a privacidade poderia ser um fator desejável ou até mesmo necessário.
Na visão de Tim May, a AMIX deveria evoluir a fim de se tornar “um meio tecnológico para minar o poder de todos governos”. Para tanto, ele considerou o uso de técnicas de criptografia como uma forma de garantir que as transações da plataforma passassem a ser privadas, anônimas e imunes a possíveis esforços de espionagem e intervenção do governo.
Ele chamou esta nova versão de “BlackNet”. Mais tarde, May veio a escrever o famoso “Manifesto Cripto Anarquista” e a fundar o grupo de emails dos “Cypherpunks”, tornando-se assim, o pai do movimento Cypherpunk, no início nos anos 90.
O que são os Cypherpunks?
É importante compreender que os Cypherpunks não existiriam sem os avanços matemáticos na ciência da Criptografia, ela é a peça chave fundamental que faltava para que as pessoas mantenham a sua privacidade e a sua capacidade de resistir a opressão, mesmo em um mundo dominado pela internet e pelos meios de comunicação instantânea.
Só não estamos falando de qualquer tipo de criptografia, mas sim de um tipo particular chamado de “encriptação assimétrica”, que foi inventada em 1976 e evoluída até se tornar um padrão inquebrável e indecifrável por qualquer computador que a humanidade possua ou possa construir – pelo menos até a chegada dos computadores quânticos.
É utilizando estratégias de criptografia similares a essa que o Bitcoin e outras blockchains são capazes de garantir que ninguém seja capaz de descobrir uma chave privada a partir de uma chave pública, assim assegurando que as moedas de uma carteira não possam ser movimentadas por ninguém além do seu próprio dono.
Sem surpresa, esse tipo de criptografia especial é algo assustador para os governos. Basta lembrar que a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial foi assegurada em boa parte pelos esforços de Alan Turing — o “Pai da Computação” — que quebrou a criptografia comum utilizada nas comunicações da Alemanha Nazista, no ano de 1943.
Temendo as implicações de um sistema de criptografia inquebrável nas mãos de pessoas comuns, o governo americano conduz desde 1977 o que se chama de “As Guerras Cripto”, que são diversas investidas contra pesquisadores e empresas que têm contribuído neste ramo de tecnologia.
Alguns exemplos são o cientista Mark S. Miller, que distribuiu várias cópias de um artigo descrevendo o funcionamento da criptografia assimétrica sob o risco de ir preso ou o desenvolvedor Phil Zimmermann, que foi investigado pelo governo após criar o software de criptografia PGP, que hoje é utilizado para proteger bancos e instituições financeiras ao redor do mundo inteiro.
Mesmo tendo perdido a maior parte das batalhas, até hoje o governo americano ainda luta para exercer mais poder sobre a criptografia. Em outubro de 2022, por exemplo, o Departamento de Justiça dos EUA emitiu um comunicado apelando para que empresas de tecnologia não utilizem criptografia ponta-a-ponta em seus produtos, a fim de que as forças da lei possam solicitar informações pessoais em casos de investigação.
Tim May e os Cypherpunks já estavam muito cientes destas implicações quando decidiram escolher a criptografia assimétrica e as ciências sócio-econômicas como algumas das suas principais ferramentas de ativismo. Uma das premissas do movimento, por sua vez, era a criação de algum tipo de ferramenta que desse mais poder e liberdade para as relações humanas individuais, ou “ponto-a-ponto”.
E do mesmo jeito que a internet havia criado o livre fluxo de informações, eles chegaram a conclusão que um dinheiro digital, criptográfico e anônimo seria necessário para criar o livre fluxo de riquezas.
Desta premissa é que emergiram grandes nomes que marcaram o mundo cripto, sendo eles ativistas contemporâneos de Satoshi e que contribuíram de forma significativa para a criação do Bitcoin, e de outras grandes tecnologias que tem revolucionado o mundo.
Caso tenha interesse em conhecer a história completa de Satoshi Nakamoto, o criador do Bitcoin, basta acessar o relatório mensal produzido pelo Rafael Castaneda, analista da Mercurius Crypto, aqui.
*Orlando Telles é sócio-fundador e diretor de research da Mercurius Crypto, holding de inteligência em criptomoedas. O especialista é responsável pela gestão de riscos e análises fundamentalistas dos principais projetos do mercado de criptomoedas da holding. Com especialidade em ciências atuariais, Telles produz, atualmente, análises e conteúdos distribuídos pelos maiores players de cripto do Brasil.