Money Times Entrevista

‘Cury era base do governo. Arthur se indispôs com Deus e o mundo’, diz Isa Penna, que aposta em cassação

10 mar 2022, 16:05 - atualizado em 10 mar 2022, 16:14
Isa Penna (PSOL-SP)
A deputada estadual protocolou o primeiro pedido de cassação do mandato de Arthur do Val ainda na sexta-feira (5) (Alesp/Reprodução)

Em menos de uma semana, Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei”, voltou da Ucrânia, perdeu a namorada, pediu a sua desfiliação do Podemos após o início do seu processo de expulsão e agora passa a enfrentar uma nova cruzada, esta na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde bate ponto como deputado: uma possível cassação do seu mandato, devido à forma misógina com que se referiu às mulheres ucranianas, hoje refugiadas de guerra, em áudios enviados a amigos e publicados pela imprensa.

Para quem posou ao lado de engradados com supostos coquetéis molotov que teria ajudado a fabricar na Ucrânia, com o objetivo de auxiliar a população local a enfrentar a invasão russa, será contra seus colegas de Alesp que Do Val travará sua batalha de vida ou morte.

E a comandante das tropas em seu encalço é ninguém menos que Isa Penna (PSOL), cujo mandato trata questões de gênero como pauta principal.

Em conversa com o Money Times, a deputada conta que foi procurada por “Mamãe Falei” já na noite da sexta-feira (04), quando suas declarações misóginas contra as ucranianas foram publicadas pelo site Metrópoles.

“Ele me ligou justamente para sentir, [eu que sou] a deputada feminista da Alesp. Ele estava na Ucrânia, ainda indo pegar o voo, e me ligou justamente para me sondar, sobre o quão absurdo eu achava [o conteúdo dos áudios]”.

Foi neste momento, segundo a deputada, que ela já avisou Do Val que entraria com o pedido de cassação. Ainda na noite de sexta-feira, ela publicou em suas redes sociais que já havia iniciado o movimento para cassar o mandato do influenciador digital.

Isa Penna vence primeira batalha contra Do Val

Isa Penna já obteve uma vitória expressiva, ao conseguir que a Alesp unificasse os 21 pedidos de cassação do mandato, por quebra de decoro, que se seguiram à revelação do episódio, transformando-os em um só.

Após a unificação dos pedidos, foi aprovado que um grupo de advogadas feministas (Maíra Recchia, Isabela Del Monde, Gabriela Araújo e Priscila Pâmela Santos), juntamente com especialistas em direito internacional, vão acompanhar o caso. As advogadas farão a sustentação oral do caso na Alesp.

“Agora a gente vai ter um outro momento, do processo mais político. Daqui para frente o deputado vai ter que ser ouvido, vai ter o seu direito de defesa e teremos a produção do relatório com um parecer. Este parecer pode ou não já indicar a cassação, que vai para o plenário para ser aprovado com sim ou não”, diz Isa Penna.

Entregar o destino de Do Val a uma instituição política majoritariamente masculina pode parecer uma guerra perdida.

A própria deputada já sentiu o peso do machismo, ao ser vítima de importunação sexual em uma das sessões e ver seu agressor, o também deputado Fernando Cury, que a apalpou em frente da mesa diretora da Casa e de vários pares, se livrar de punições mais sérias.

Ela acredita que Do Val não terá a mesma complacência dos demais deputados. “Ele [Do Val] já se indispôs com Deus e o mundo. Ao se indispor com todo mundo, é aquela coisa, as pessoas ficam esperando um motivo. Ele deu todos os motivos do mundo para irem para cima dele. Então agora ele vai ter que arcar com as consequências”, afirma.

Do Val desagradou gregos e troianos

Arthur do Val, o Mamãe Falei
O deputado Arthur do Val pediu a desfiliação do seu partido, o Podemos, após início do processo de expulsão (Imagem: Facebook/ Arthur do Val)

É por isso que a deputada não se surpreende com a debandada de aliados de “Mamãe Falei”. Com exceção de membros do Movimento Brasil Livre (MBL), o deputado Arthur do Val foi duramente criticado por diversos colegas, correligionários e hoje ex-aliados, como foi o caso do pré-candidato à presidência da República, Sergio Moro.

O repúdio às falas do parlamentar conseguiu unificar o discurso da esquerda e da direita. Isso se traduziu, inclusive, nos pedidos de cassação do mandato, endossados por deputados dos mais diferentes partidos.

A primeira representação, protocolada por Isa Penna, teve o apoio de Douglas Garcia (Republicanos), José Américo (PT), Tentente Coimbra (PSL), Coronel Telhada (PSDB), Coronel Nishikawa (PSDB), Leci Brandão (PCdoB), Mônica Seixas (PSOL) e Thiago Auricchio (PSDB).

Fernando Cury não é Arthur do Val

Caso Isa Penna e Fernando Cury
O deputado Fernando Cury apalpou o seio de Isa Penna durante sessão na Alesp em 2020 (Rede Alesp/YouTube/Reprodução)

Há pouco mais de um ano, no dia 17 de dezembro de 2020, outro caso de violência contra a mulher cometida por um parlamentar também ganhou notoriedade.

A vítima, no caso, era a própria deputada Isa Penna. Durante uma sessão na Alesp, o deputado estadual Fernando Cury se aproximou da colega por trás e apalpou o seu seio. Ele, no entanto, disse que se tratava de “um abraço”.

Cury virou réu, em dezembro do ano passado, por importunação sexual. Um mês antes, foi oficializada a sua expulsão do Cidadania, seu então partido.

“O Diretório do Cidadania de São Paulo decidiu nesta segunda-feira (22), por 27 votos a 3, expulsar do partido o deputado estadual Fernando Cury, flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa apalpando em plenário a colega Isa Penna, do PSOL”, disse o partido em nota.

A expulsão, no entanto, não cassa o mandato do parlamentar, que segue deputado estadual até o final da legislatura.

O caso tem sido utilizado como argumento por parte de Arthur do Val. Isa Penna pondera, no entanto, que esse tipo de comparação é injusta com ela.

“A agressão física, no nosso próprio código penal, é mais grave do que a agressão verbal. Agora isso é injusto comigo, não com ele [do Val]. Caso ele seja cassado, é mais um elemento para provar que o Fernando Cury deveria ter sido cassado. De alguma forma, a nossa luta é por todas as mulheres. Se a cassação do Arthur se confirmar, isso vai prevalecer”, disse a deputada ao Money Times.

Entenda o caso do “Mamãe Falei”

O deputado Arthur do Val falou com jornalistas assim que chegou da viagem no sábado (5) (Reprodução do vídeo de Fábio Vieira/Metrópoles)

Na sexta-feira (4), o site Metrópoles divulgou com exclusividade áudios em que Do Val, que havia viajado para o leste europeu sob a justificativa de “auxiliar” na resistência contra a Rússia, falava para um grupo de amigos sobre as mulheres ucranianas, hoje refugiadas de guerra, de forma misógina.

O parlamentar chegou a dizer que elas seriam “fáceis” porque “são pobres”. “E, assim, é inacreditável a facilidade. Essas ‘minas’ em São Paulo se você dá bom dia elas iam cuspir na tua cara. E aqui elas são supersimpáticas, super gente boa. É inacreditável.”

“Acabei de cruzar a fronteira a pé aqui da Ucrânia com a Eslováquia. Maluco, eu juro… eu, nunca, na minha vida… ó, eu tenho 35 anos. Eu nunca na minha vida, nunca, vi nada parecido assim em termos de ‘mina’ bonita. Assim, a fila das refugiadas, irmão, assim… imagina uma fila, sei lá, nem sei… tô sem palavras”.

“Uma fila de 200 metros ou mais. Só deusa, assim, só deusa. É sem noção, é inacreditável. É um bagulho assim fora de série. Se você pegar a fila da melhor balada do Brasil, a melhor, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila dos refugiados aqui. Maluco, eu ‘tô’ mal, eu ‘tô’ triste, porque é inacreditável”, diz em outra mensagem.

Ele se manifestou, pedindo desculpas pelas falas, assim que chegou no aeroporto de Guarulhos, no sábado (5). O deputado, que era pré-candidato ao governo do Estado de São Paulo, negou as acusações que teria feito a viagem em busca de “turismo sexual”.

“Uma coisa é o Arthur que foi lá [Ucrânia] fazer a missão que fez e saiu. A outra coisa é o Arthur que já tinha saído e mandou um áudio num grupo privado com os amigos dele de forma errada, descabida, não foi a melhor das posturas, é nítido aquilo. Mas é um áudio privado”.

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