Cúpula dos Brics: Por que moeda única é plano difícil de realizar
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou hoje a Johanesburgo, África do Sul, para participar da décima quinta cúpula dos Brics.
O encontro, que começa amanhã e se estende até quinta-feira, volta a ocorrer no formato presencial após três anos de atividades virtuais. Além de Lula, Xi Jinping, presidente da China, Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, também já se encontram na cidade-sede, onde serão recebidos por Cyril Ramaphosa, presidente sul-africano. A África do Sul assumiu a presidência rotativa do bloco em 2023.
A única ausência entre os cinco chefes de Estado é de Vladimir Putin, que participará do encontro de maneira remota. A falta do presidente russo já vinha sendo especulada desde muito tempo, dado o contexto da guerra da Ucrânia e o mandato de prisão emitido contra si pelo Tribunal Penal Internacional.
Se em 2022, o conflito no Leste Europeu foi a grande pauta do bloco, neste ano, os Brics discutem a expansão do bloco e o fortalecimento de negociações comerciais desvinculadas do padrão dólar.
Planos alternativos ao uso da moeda americana no comércio exterior se multiplicaram em 2023, provocados por um aumento da influência chinesa no concerto global, temor de sanções econômicas e aumento do custo do dólar vinculado a alta de juros nos EUA.
Em meio às iniciativas de ‘desdolarização’, começou a ganhar tração a possibilidade de que os Brics apresentassem uma moeda comum para o bloco nesta reunião, em moldes semelhantes ao euro.
Aventada recentemente pela imprensa russa, a ideia da moeda comum conta com a simpatia do presidente brasileiro na agenda internacional, mas está longe de ser uma unanimidade entre os membros fundadores da aliança.
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Moeda única do Brics é possível?
Em entrevista ao canal chinês CGTN, Ben Joubert, alto representante diplomático da África do Sul na cúpula, explicou que a adoção de uma moeda única entre os membros não está na mesa — ao menos por hora.
“Sabemos que alcançar um acordo sobre uma moeda comum é um processo bastante longo e detalhado. Nesse momento, a discussão nos Brics é sobre estimular o comércio nas moedas domésticas (…) é sobre assegurar maior estímulo ao comércio dentro do bloco e criar proeminência para essas divisas”, declarou Joubert.
Proeminência esta que vem sendo alcançada, sobretudo, pelo yuan/renmibi. Pequim tem conseguido ‘internacionalizar’ a sua moeda em negociações bilaterais envolvendo sua rede de parceiros comerciais no mundo emergente. No final de março, o Brasil anunciou seu próprio plano para negociar com a segunda maior economia mundial sem a necessidade de emitir sua dívida exterior em dólar.
O molde para negócios em yuan seria garantido por uma Câmera de Compensação, representada pelo Banco Comercial e Industrial da China. Evandro Caciano, head de câmbio da Trade Finance, explica que essa entidade atuaria para simplificar das transações, reduzindo riscos e facilitando a liquidação financeira.
No Brasil, vale salientar que o yuan chinês ultrapassou o euro para ser a segunda maior reserva de valor internacional, com 5.37%. Até 2018, a fração ocupada pela moeda da China era inexpressiva. Os dados são do levantamento anual do Banco Central.
Apesar do fortalecimento do movimento de contestação do dólar em ambiente global, a moeda norte-americana está longe de perder o seu posto de principal reserva de valor do mundo, correspondendo a mais de 80% de todo o valor investido em reservas internacionais.
“Até agora outros pretendentes têm competido entre si [pela posição de dominância] e não há evidências conclusivas de um declínio estrutural do dólar”, avaliam os estrategistas do banco ING.
Sobre a questão da moeda comum entre os Brics, o banco holandês tem a expectativa de que o projeto seja sondado somente em um nível técnico, inicial e exploratório. Uma novidade mais concreta da cúpula de Johanesburgo deverá ser um sistema de pagamento único dentro do bloco, análogo ao Swift.
O fator Índia
Um dos principais entraves para a adoção de uma moeda comum aos Brics vem do desinteresse da segunda maior economia do bloco: a Índia.
Em julho, o ministro das Relações Exteriores indiano, S. Jaishankar, disse que o país pretende focar esforços em fortalecer a sua própria moeda nacional, a rúpia.
Agora, de acordo com o que disse uma fonte do governo indiano ao Money Control, Nova Delhi deve usar as circunstâncias do encontro para fazer suas próprias negociações bilaterais com base na rúpia, seguindo o que Pequim tem feito.
Embora possuam interesses econômicos em comum, China e Índia travam uma relação de rivalidade local, com destaque para uma longa e, inclusive, sangrenta disputas territoriais na área de Arunachal Pradesh e na Caxemira.