Internacional

Cumprir quarentena é desafio em bairros mais pobres de Caracas

01 abr 2020, 15:11 - atualizado em 01 abr 2020, 15:11
Dentro do mercado, as regras logo são esquecidas: centenas de pessoas tropeçam umas nas outras à procura dos melhores preços da cebola, sardinha ou banana (Imagem: Unsplash/@luisanazl)

Grande parte de Caracas agora está deserta, com pouquíssimas pessoas nas ruas, com exceção das forças de segurança para garantir o cumprimento da quarentena em meio à pandemia de coronavírus.

No entanto, o cenário é bem diferente nas favelas da capital venezuelana, onde encher a despensa e se isolar não são opções. Os alimentos acabam e, sob risco de contágio, pessoas de baixa renda precisam ir a mercados cheios para comprar arroz, ovos e farinha de milho.

No mercado de Coche, no sudoeste de Caracas, uma longa fila de consumidores ouve mensagens de alto-falantes para que usem máscaras e álcool gel e mantenham distância de 1,5 metro entre si. Antes de entrar, precisam higienizar as mãos com uma mistura de água e álcool.

Dentro do mercado, as regras logo são esquecidas: centenas de pessoas tropeçam umas nas outras à procura dos melhores preços da cebola, sardinha ou banana.

]Faz calor, e as moscas estão por toda parte. Em meio à gritaria, muitas pessoas removeram as máscaras velhas e sujas e passam as mãos nos rostos suados. Entre as barracas de frutas, um barbeiro corta o cabelo de um cliente.

Cenas semelhantes acontecem no mercado de Quinta Crespo, no centro da cidade; em Catia, no oeste; e em Petare, no leste. Algumas pessoas não têm dinheiro suficiente para comprar alimentos para mais de um dia e voltam aos mercados várias vezes.

Apesar da pandemia, Alberto Silva, de 39 anos, precisa sair de casa todos os dias. Caso contrário, a família não come. Ele caminha pela rua principal de Catia usando sua única máscara, vendendo pão. Silva gasta tudo o que ganha na comida do dia para a esposa e dois filhos.

Em casa, tudo o que tem são dois pacotes de farinha de milho e três sacos de arroz, diz. Ele evita tocar nos filhos por medo de infectá-los.

“Hoje só consegui trocar uma bolsa de pão por esse pacote de arroz”, disse. “Não posso ficar em casa.”

Todos têm medo, especialmente os idosos, e todos sabem que o sistema de saúde colapsado da Venezuela não tem estrutura para enfrentar a pandemia.

O governo do presidente Nicolás Maduro diz que a Venezuela registra 143 casos e três mortes desde 13 de março. Segundo o líder da oposição, Juan Guaidó, o número real é muito maior.

Segurando uma sacola de tomates e cenouras no mercado de Coche, Mirtha Ley, 71 anos, disse que precisa fazer suas próprias compras porque mora sozinha. Ela paga com o dinheiro que seu filho envia do Peru.

“Isso me assusta, está cheio de gente, mas os preços são melhores aqui”, disse. “Espero não ficar doente, mas não posso deixar de comer.”

Vendedores de legumes como José Padilla, 43 anos, se queixam que, desde o início da quarentena em 17 de março, os preços subiram e agora recebem menos mercadorias devido à falta crônica de gasolina.