Entre Altas e Baixas

Cuidado com as narrativas do mercado: o Brasil não é uma ilha

20 abr 2023, 11:25 - atualizado em 20 abr 2023, 11:25
Ibovespa
Mercado costuma oscilar entre euforia e depressão, alternando movimentos voláteis em meio a informações locais e desempenhos globais (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Você provavelmente já ouviu (e sentiu na pele) que o mercado costuma oscilar entre a euforia e a depressão. O sentimento nos mercados vai do entusiasmo ao medo, alterando entre a celebração de desenvolvimentos positivos e a loucura com os negativos.

Sabendo de antemão desse comportamento bastante volátil, parece óbvio que o mais certo para um investidor fazer seria comprar nos momentos de maior estresse e vender quando todos estão otimistas. “Compre ao som dos canhões e venda ao som dos violinos”, como diria Rothschild.

Embora pareça fácil, na prática, essa mudança de percepção tende a poluir bastante a visibilidade de quem acompanha o dia a dia do mercado financeiro. Mais ainda, muitas das vezes são criadas narrativas para justificar esses movimentos, deixando o investidor confuso sobre o real cenário que se avizinha.

O mercado e suas narrativas

Alguns exemplos veem a cabeça. Muito aguardado pelo mercado, o arcabouço fiscal é um conjunto de medidas, regras e parâmetros de controle das receitas e despesas do governo para que se tenha maior visibilidade da trajetória da dívida pública brasileira.

Depois de bastante burburinho e expectativas, tal projeto foi apresentado de forma preliminar pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e demais nomes fortes do governo federal no fim do mês passado.

Naquele 30 de março, a Bolsa brasileira subiu forte, o dólar cedeu e a curva de juros futuros fechou. Automaticamente, grande parte do mercado atribuiu que o pacote do arcabouço fiscal era bastante positivo e que o bom desempenho do Kit Brasil era explicado pela apresentação dele.

Só esqueceram que o Brasil não é uma ilha. Além do bom humor local pela percepção de redução de risco fiscal, as bolsas globais também andaram bem.

Ou seja, um movimento de maior tomada de risco ao redor do globo acabou trazendo ventos favoráveis ao pregão local. Confira, abaixo, que diversos países tiveram desempenho bastante forte no pregão do mesmo dia:

ETF Desempenho em US$ (30/03/23)
EWZ (Brasil) +2,4%
EZA (África do Sul) +2,1%
EWG (Alemanha) +1,8%
FXI (China) +1,7%
EWQ (França) +1,4%
EWU (Reino Unido) +1,3%
EWY (Coreia do Sul) +1,1%

Fonte: Bloomberg

Mais exemplos

Outro exemplo mais recente foi a divulgação do IPCA de março. O dado mostrou uma inflação abaixo do esperado, reacendendo a expectativa de que um corte da taxa Selic esteja mais próximo do que era esperado anteriormente.

De acordo com o divulgado pelo IBGE, o IPCA do mês passado ficou em 0,71% contra uma projeção de mercado de 0,77% e de 0,84% apresentado em fevereiro. Na semana, o Ibovespa subiu forte, enquanto o dólar e a curva de juro caíram.

Embora o consenso tenha sugerido que o bom desempenho naquele dia tenha sido fruto unicamente dos dados de inflação, outros motivos também foram importantes para melhorar o humor do mercado. Naquele mesmo dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um elogio público a Haddad e reforçou que acredita que a proposta do arcabouço fiscal será aprovada.

Se antes parecia que o ministro da Fazenda estava “sozinho nessa”, essa sinalização do presidente acabou sendo bem recebida pelo mercado. Vale pontuar também a carta enviada por Haddad ao Fundo Monetário Internacional (FMI), na qual se compromete com a responsabilidade de gastos.

Embora concorde que grande parte do desempenho da semana se deva a um resultado de inflação melhor do que o esperado, boas notícias do exterior também foram fundamentais para tal performance.

Por fim, quando estendemos o horizonte temporal  e analisamos o desempenho do real frente ao dólar no ano, parece que a valorização de 8% da nossa moeda reflete uma expectativa positiva dos investidores em relação ao Brasil e às informações acima. Mas, novamente, quando se olha por um espectro mais amplo, percebe-se que o peso chileno está se valorizando 7,3% perante o dólar, enquanto os pesos mexicano e o colombiano estão se valorizando 7,5% e 9,8% , respectivamente.

Moral da história

Esses três exemplos servem para que o investidor fique atento e evite cair nesse tipo de armadilha de narrativa. Embora possam ser tentadoras, as narrativas podem passar por cima da realidade sobre cada movimento.

Com isso, o investidor que acreditar fielmente nelas, poderá acabar entrando em uma grande furada. Para evitar cair no pensamento do senso comum, vale lembrar dos ensinamentos de Howard Marks sobre os pensamentos de primeiro e segundo nível.

O primeiro é uma abordagem simplista para a tomada de decisões de investimento. Ela é baseada em respostas rápidas e superficiais, sem levar em consideração uma análise aprofundada ou consideração cuidadosa dos riscos.

Por exemplo: um investidor que opera no pensamento de primeiro nível pode reagir impulsivamente à divulgação do crescimento do PIB de um país, baseando sua decisão de investimento apenas na manchete da notícia. Se o PIB tiver crescido acima das expectativas, o investidor pode ficar eufórico e tomar decisões de investimento otimistas sem uma análise aprofundada.

Já o pensamento de segundo nível é uma abordagem mais reflexiva e cuidadosa para a tomada de decisões de investimento. Ou seja, envolve uma análise aprofundada dos fundamentos e dos fatores subjacentes que influenciam o desempenho dos ativos bem como uma compreensão dos riscos envolvidos.

Nesse caso, um investidor que opera no pensamento de segundo nível adotaria uma abordagem mais analítica em relação à divulgação do crescimento do PIB, analisando os detalhes do relatório, como os setores que impulsionaram o crescimento, a composição do PIB, bem como outros indicadores econômicos relevantes. Verificaria também como os demais países emergentes estão se comportando e se houve alguma notícia relevante referente aos países desenvolvidos, por exemplo.

Cuidado com as narrativas. Afinal, o Brasil não é uma ilha.

* Graduado em Engenharia Mecânica pela UFRJ e com MBA de Finanças pela mesma instituição, Fernando atua na Empiricus como analista de investimentos há 5 anos. Atualmente, é responsável pela série best-seller As Melhores Ações da Bolsa e faz parte da equipe que comanda o Carteira Empiricus, o portfólio multimercado que é o carro-chefe da casa. Colunista da newsletter Day One, Fernando passou a integrar o time de colunistas do Money Times com sua série semanal Entre Altas e Baixas.

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