Cristián Bohn: desafios para a adesão institucional de cripto
A adesão dos investidores institucionais às criptomoedas (ou “cripto”) foi um tópico muito discutido na ampla comunidade cripto em 2019.
Sabemos que gestores alternativas de ativos muito especializados e algumas instituições financeiras já realizam operações com cripto, mas não vimos adesão relevante e alocação de capital de criptoativos como uma classe de ativos por investidores institucionais.
Apesar de cripto ser relativamente pequena em relação a outras classes de ativos, nos últimos anos, a demanda de investidores varejistas aumentou rapidamente, resultando em um crescimento significativo na avaliação e rentabilidade de empresas no ecossistema.
Este artigo explora o que acreditamos serem os principais desafios que impedem investidores institucionais de alocarem capital ou investirem diretamente em cripto e esperamos esclarecer o que precisa evoluir para a aceleração esse processo.
O foco deste artigo vai ser principalmente nos gestores de ativos institucionais, que incluem gestores tradicionais ativos e passivos e fundos de hedge.
Cripto como classe de ativos
A estrutura regulatória de cripto como uma classe de ativos não está clara entre os países que servem de lar para grandes centros financeiros.
Reguladores apresentaram guias sobre o tratamento jurídico de cripto como uma classe de ativos, mas não aprovaram nenhuma legislação específica.
Essa é uma das principais barreiras para gestores institucionais tolerantes a baixo risco, pois é provável que qualquer iniciativa seja barrada por seu departamento jurídico, assim encerrando as atividades do projeto.
Esses gestores de ativos com mais tolerância a risco vão achar que o guia dado pelos reguladores vai ser parecido ao tratamento jurídico no futuro, principalmente para Bitcoin e Ethereum, que não são vistos como valores mobiliários, e sim como utility tokens que alimentam redes descentralizadas.
Esperamos que reguladores em todo o mundo continuem a ampliar seus conhecimentos sobre criptoativos e seu ecossistema.
Quando algumas jurisdições criarem legislações sobre o tratamento de cripto como uma classe de ativos, outros vão ser forçados a agir. Essa questão continua sendo um dos principais desafios para a adesão de cripto por gestores de ativos com aversão a risco.
Alocação de capital
A ineficácia de alocação de capital é um grande problema enfrentado por gestores de ativos que fazem operações de cripto com diversas contrapartes.
Existe uma falta de infraestrutura e de serviços necessários para gerenciar cripto e moedas fiduciárias entre bancos, corretoras, custodiantes e fornecedores de negociações em mercado de balcão (OTC, na sigla em inglês), criando fardos operacionais relevantes e exposição a riscos indesejados.
A ineficácia de alocação de capital nos mercados financeiros tradicionais é baseada em contrapartes que atuam como intermediários, gerenciando e operando os ativos em seu nome. Exemplos desses intermediários são grandes corretoras e contrapartes de centrais de compensação.
No mundo cripto, haverá necessidade limitada para essas instituições como as conhecemos já que a maioria será automatizada por softwares e diferentes padrões de contratos inteligentes.
O moderno movimento das finanças descentralizadas (DeFi), de contratos inteligentes autônomos, ainda está bem distante de atender às necessidades de gestores institucionais.
Estamos começando a ver algumas plataformas integradas verticalmente, em que instituições podem acessar serviços como negociação, custódia e empréstimo, mas ainda existe uma grande lacuna de software e serviços necessários por gestores de ativos a fim de coordenarem ativos digitais com os mesmos padrões regulatórios de classes de ativos tradicionais.
Fatores de risco do ecossistema cripto
Geralmente, gestores de ativos levam em consideração os seguintes fatores de riscos ao analisarem seu processo de investimento: riscos de mercado, de crédito (contraparte), de liquidez, operacionais e de segurança.
No ecossistema cripto, o desafio para os gestores institucionais é principalmente associado a riscos de crédito (contraparte), operacionais e de segurança.
O risco de crédito de contrapartes é o fator de risco mais analisado no mercado financeiro tradicional.
No mundo cripto, o risco de crédito de corretoras, fornecedores de OTC e parceiros bancários associados passam bem despercebidos por players institucionais já que a maioria das contrapartes não está preparada para fornecer informações relevantes.
Em uma forte queda do mercado, risco de crédito subestimado poderia resultar em riscos sistêmicos consideráveis para o ecossistema cripto.
O processo de diligência para realizar operações com uma contraparte no mercado financeiro tradicional considera todos os fatores de riscos mencionados acima. Gestores tradicionais vão ter padrões de políticas de risco equivalentes às contrapartes do mercado financeiro tradicional.
A realidade é que poucas corretoras e poucos players de OTC atendem aos requisitos mínimos de políticas de risco para atenderem gestores institucionais.
O risco operacional é geralmente subestimado por gestores de ativos, o que pode causar perdas irreversíveis ao lidarem com criptoativos.
Em um ambiente descentralizado, em que você precisa manter inúmeras contas em diferentes contrapartes como custodiantes, bancos e plataformas de negociação, o fardo operacional para o gerenciamento e controle de portfólio vem com muitos riscos operacionais.
Estes são associados a controles manuais, dificuldades em conciliar contas e à falta de software e integrações adequados.
Risco de segurança associado a chaves privadas de cripto é algo novo para os gestores institucionais e tem sido um foco importante da indústria.
Soluções de custódia para cripto evoluíram significativamente nos últimos anos e acreditamos que são sólidas o suficiente para atender gestores institucionais, principalmente por conta de instituições financeiras tradicionais estarem começando a fornecer serviços de custódia de criptoativos.
Pensando no futuro, esperamos que corretoras de cripto e fornecedores de OTC continuem melhorando seus padrões de política de riscos para permitir que clientes institucionais operem.
O surgimento recente de corretoras de security tokens (que também listam criptoativos) vai fornecer uma estrutura regulamentada, provavelmente as tornando em plataformas tradicionais desejáveis para gestores institucionais.
Regulamentação para proteger investidores
A regulamentação para a proteção de investidores para gestores de ativos apresenta desafios relevantes para adesão institucional de cripto.
Na Europa, a regulação MiFID II (Segunda Diretiva de Mercados de Instrumentos Financeiros) foi apresentada no início de 2018, impondo novos requisitos para pré e pós-atividades de negociação.
As de principal destaque e que se aplicam à negociação de criptoativos são (1) restrições adicionais de negociação em OTC fora das corretoras e (2) aumento na transparência de custos e melhoria do registro de transações.
Esta última inclui o “melhor requisito de execução”, que afirma que gestores de ativos devem tomar as medidas suficientes para obter o melhor resultado possível ao executarem uma ordem.
Cumprir com esse requisito no mundo cripto implicaria na necessidade dos gestores consultarem fontes de cripto de pelo menos duas a três plataformas de negociação.
A infraestrutura de mercado necessária para a negociação de cripto em diversas contrapartes não é simples e exige muita experiência técnica e de mercado, ou seja, seria muito custoso ou demorado para gestoras de ativos institucionais a implementarem internamente.
Estamos vendo cada vez mais startups trabalhando para resolver a falta de infraestrutura e serviços necessários para que gestores tradicionais realizem operações com cripto.
Acreditamos que essa onda de infraestrutura será essencial para integrar gestores tradicionais que estão na surdina.
É importante mencionar que a infraestrutura e os serviços financeiros sendo desenvolvidos são os mesmos necessários para realizar a operação de criptoativos como security tokens.
Com um número crescente de gestores de ativos se conectando a softwares e serviços institucionais para cripto, esperamos que ajude na distribuição da indústria expansiva e evolutiva dos security tokens.
Cristian Bohn é CFO e cofundador da ParFin e ex-gestor de renda fixa do EFG Asset Management e BTG Pactual. Constrói os serviços e a infraestrutura financeira necessários para desbloquear a revolução dos ativos digitais.