Cristian Aquino: Como a tecnologia pode ajudar a segurança pública nas cidades
A criminalidade figura sempre entre as principais preocupações dos brasileiros. Somente em 2019, foram 47.796 mortes violentas intencionais (último dado anual oficial disponível do Fórum de Segurança Pública) com tendência de alta mesmo em ano de pandemia.
Estudos projetam que a população da Terra atingirá cerca de 10 bilhões até 2050, com 60% desse contingente vivendo em cidades. Ao mesmo tempo que tal concentração demográfica significa mais geração de valor, também implica maior pressão e maiores riscos.
Quando se pensa em soluções para a melhoria da segurança pública, o uso da tecnologia ainda ocupa um espaço modesto. A mudança de atitude precisa vir logo.
Experiências e casos bem sucedidos aqui e no exterior mostram que tecnologias como câmeras de vigilância, inteligência artificial, integração de dados, analytics e softwares de reconhecimento facial podem contribuir de forma importante para melhoria da sensação de segurança e na redução dos índices de violência.
Na China, referência mundial no uso de big data e tecnologias de reconhecimento facial para segurança pública, a previsão é de que o número de câmeras de vigilância nas ruas das cidades chegue este ano a 560 milhões. Em 2018, eram 200 milhões. A vigilância, de acordo com o governo chinês, reduz a criminalidade no país.
A taxa anual de homicídios por 100 mil habitantes na China é de 0,53 (dados de 2018), abaixo de países europeus conhecidos pela paz e tranquilidade, como a Suíça (0,59), índices bem diferentes do nosso cenário: em 2019 a taxa no Brasil foi de 22,7 por 100 mil habitantes, mesmo após queda de 17% em relação a 2018, segundo o Fórum de Segurança Pública.
Duas startups chinesas, a Sense Time e MegVii, avaliadas em US$ 1,6 bilhão e US$ 3,5 bilhões, respectivamente, lideram o desenvolvimento de uma das tecnologias mais sofisticadas para vigilância pública, câmeras e softwares de reconhecimento facial.
A MegVii afirma que suas câmeras analisam até mil pessoas por frame capturado, identificam os rostos e checam em bases de dados públicas se há, entre os monitorados, cidadãos procurados pela Justiça.
Os softwares de reconhecimento facial comparam medidas únicas das pessoas, como a distância entre os olhos, o tamanho do osso do nariz ou o desenho do queixo para distingui-las. As chances de acerto na identificação, promete a MegVii, são de até 99,98%.
Apesar dos protestos sobre invasão de privacidade, dados da agência chinesa Xinhua revelam que 83% dos cidadãos aprovam a tecnologia de reconhecimento de rostos para aumentar a sensação de segurança.
Com a pandemia de Covid-19 e a expansão do uso de máscaras nas ruas na maioria dos países, empresas que fornecem tecnologia de reconhecimento facial tentam adaptar seus softwares para que eles se concentrem nos dados das partes descobertas da face, como os olhos.
O uso das câmeras inteligentes para identificar nas ruas, em segundos, procurados pela polícia já chegou ao Brasil em cidades como Campinas (SP) e Rio de Janeiro.
No Rio, além do monitoramento interligado ao centro de controle instalado para a Copa do Mundo e a Olimpíada, o governo realizou, em 2019, testes com dezenas de câmeras de tecnologia de reconhecimento facial.
Foram presos 63 procurados em quatro meses de utilização. A solução testada foi fornecida pela Oi, com tecnologia da chinesa Huawei.
A mesma solução foi avaliada em Campinas com servidores voluntários do município. A cidade mantém, desde 2015, o Sistema Inteligente de Monitoramento Veicular (SIMVECAMP), que faz a leitura das placas dos veículos nas ruas e compara quase em tempo real com o banco de dados de carros roubados ou procurados e, em caso de “match”, soa um alarme na central de monitoramento.
A informação é repassada às equipes de segurança mais próximas do local.
O sistema ganhou crédito por conta da queda na quantidade de furtos e roubos de veículos na cidade. Só nos três primeiros anos de funcionamento, até 2018, foram recuperados 354 veículos roubados.
O Instituto Igarapé, que pesquisa e propõe soluções na área de segurança pública, fez um estudo sobre as iniciativas de videovigilância de Campinas, do Rio, e de Salvador (BA).
Foram avaliados, durante nove meses, os resultados das tecnologias de reconhecimento facial, leitura de placas de veículos e os CFTV, circuitos fechados de TV monitorados por uma central.
A conclusão foi de que essas tecnologias, mesmo com limitações, podem ser aliadas das forças policiais no sentido de coibir tipos específicos de crimes, como roubos e furtos, além de identificar foragidos.
Outra iniciativa que tem sido desenvolvida em algumas cidades brasileiras é a interligação de câmeras de vigilância de estabelecimentos comerciais ou particulares às centrais de monitoramento das forças de segurança.
São Paulo criou o projeto City Câmeras, que funciona com uma plataforma eletrônica em que a sociedade civil pode integrar imagens de seus equipamentos de vigilância ao monitoramento da prefeitura. A meta é alcançar 10 mil câmeras integradas.
No Paraná, a pequena Palotina, de 31 mil habitantes, tomou iniciativa semelhante com bons resultados. A população aderiu de forma maciça ao projeto Cidade Segura, iniciado em 2018.
A prefeitura investiu em uma central de monitoramento e torres com identificadores de placas de veículos. Comerciantes e moradores compartilharam as imagens das câmeras de segurança privadas, que passaram a ser monitoradas pela central.
Com mais de 500 câmeras conectadas, de 2019 para 2020, a região viu despencar o número de roubos e furtos em 81%, além de terem dobrado as apreensões de drogas. A cidade é agora, segundo a prefeitura, uma das mais monitoradas da América Latina, com uma câmera para cada 62 habitantes.
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 5662/19, que visa tornar obrigatória a instalação de sistema de monitoramento por câmeras em áreas públicas nos municípios brasileiros com mais de 30 mil habitantes.
Para justificar o projeto, que ainda não foi avaliado pelas comissões da Câmara, o autor cita que a redução da criminalidade violenta em alguns Estados, em 2019, está ligada à utilização de alta tecnologia, aliada a treinamento e capacitação de agentes.
As cidades inteligentes, com uso de analytics e IA, podem até prevenir situações de perigo potencial. Pessoas se deslocando em velocidade superior à média, pessoas que invadem linhas férreas, entre outras atividades suspeitas, disparam alarmes, evitando tragédias ou, no mínimo, reduzindo o tempo de resposta das forças de segurança.
É claro que a violência no Brasil tem raízes estruturais profundas, mas quanto maiores os esforços no sentido de reduzir os índices de criminalidade melhor será para construirmos um país mais seguro.
As tecnologias de monitoramento e vigilância parecem ter grande potencial para melhorar a segurança pública nas cidades brasileiras.
Passou da hora de investir nas que já estão disponíveis e vêm mostrando resultados positivos.
Cristian Aquino é CEO e fundador da Camerite