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Crise política deve forçar Banco Central a acelerar alta da Taxa Selic

25 out 2021, 12:58 - atualizado em 25 out 2021, 12:58
Roberto Campos Neto
Na semana passada, as garantias públicas de Campos Neto se chocaram com a dura realidade de Brasília às vésperas das eleições do próximo ano (Imagem: Bloomberg)

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contava com uma certa disciplina fiscal de seus colegas no governo.

Isso, pelo menos, é o que ele disse repetidamente aos investidores nos últimos meses, enquanto crescia a ansiedade com o novo programa social prometido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Na semana passada, as garantias públicas de Campos Neto se chocaram com a dura realidade de Brasília às vésperas das eleições do próximo ano.

Bolsonaro, desesperado por aumentar seus índices de aprovação, anunciou um programa social tão grande e amplo que desencadeou fortes perdas nos ativos brasileiros e a renúncia de membros-chave da equipe econômica, inclusive o secretário do Tesouro.

A tensa sucessão de eventos agora pressiona o próprio Campos Neto. Enquanto ele se prepara para começar a reunião de política monetária de dois dias amanhã, operadores do mercado estão olhando para o presidente do BC e demais membros do Copom como a última linha de defesa contra a inflação galopante e a turbulência cambial.

Até mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou claro que o fardo agora recai sobre o banco central, dizendo na sexta-feira que a autoridade monetária terá que correr mais rápido para não ficar atrás da curva.

A especulação está aumentando nos mercados de futuros de que o BC irá aumentar a taxa de juros, hoje em 6,25%, em mais de um ponto percentual na reunião desta semana. Mesmo para um banco central que ganhou a reputação de ser um dos mais hawkish do mundo após cinco altas consecutivas, isso seria um passo ousado. Seria o maior aumento de juros no Brasil em quase duas décadas.

A questão é se, em um país onde tantas coisas que estão fora do controle de Campos Neto estão dando errado, ele consegue conter a maré sozinho. O aumento das taxas de juros pode, por si só, acabar com a febre da inflação e acalmar os investidores?

“Parece muito difícil o BC alcançar a meta sem choque favorável em 2022”, disse Mauricio Oreng, economista sênior do Banco Santander Brasil. Ele prevê que a inflação, agora com uma alta anual de mais de 10%, desacelerará para 4,7% no ano que vem, antes de atingir a meta de 3,25% em 2023. Mas isso desde que as taxas de juros atinjam dois dígitos no final do ciclo. A maioria dos analistas vê a inflação em 4,4% no próximo ano.

O BC já havia se comprometido a seguir elevando a Selic ao ritmo de 1 ponto percentual até que as expectativas de inflação voltassem à meta. Mas, os economistas agora dizem que esse ritmo parece muito brando se o BC for cumprir a promessa de fazer “o que for preciso” para controlar os preços.

“Para manter o compromisso inquestionável com a meta de 2022, o BC precisa surpreender o mercado e acelerar de forma relevante o ritmo de ajuste”, disse Mariana Guarino, gestora de portfólio da Truxt Investimentos, com sede no Rio de Janeiro. Isso pode significar um aumento da taxa em até 2 pontos percentuais na quarta-feira, acrescentou ela.

A curva de juros já precifica um aumento de 174 pontos-base esta semana. Analistas de grandes bancos estrangeiros esperam uma aceleração do aperto monetário — Morgan Stanley prevê alta de 1,25 ponto percentual, enquanto JPMorgan, UBS, BNP Paribas e Barclays esperam elevação de 1,5 pp. A última vez que o Brasil viu aumentos nas taxas de tais magnitudes foi no final de 2002, um pouco antes de Luiz Inácio Lula da Silva tomar posse.

Grande parte da inflação atual do Brasil é explicada por preços que mal respondem à política monetária: alimentos, combustíveis e eletricidade

Risco de estagflação

O problema é que, ao mesmo tempo em que aumentos de juros maiores do que o esperado podem ser ineficazes para trazer a inflação para a meta do próximo ano, eles correm o risco de comprometer a frágil recuperação econômica.

Grande parte da inflação atual do Brasil é explicada por preços que mal respondem à política monetária: alimentos, combustíveis e eletricidade.

Além disso, a distribuição de recursos proposta por Bolsonaro de R$ 400 reais por mês para cerca de 17 milhões de famílias pobres provavelmente aumentará a demanda por itens básicos, tornando-os mais caros.

A recuperação econômica do Brasil já deve perder força no próximo ano, mesmo com a reabertura do setor de serviços, com cerca de metade da população de 210 milhões totalmente vacinada contra Covid-19. Após aumento de 4,25 pp na taxa de juros desde março, os economistas estimam que o PIB deve expandir apenas 1,4% em 2022 — alguns dizem que qualquer crescimento será resultado de carregamento estatístico.

“Se o BC entregar a alta dos juros que está embutida na curva, o Brasil entra em recessão em 2022”, disse o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, agora estrategista de investimentos da Wealth High Governance, gestora de recursos em São Paulo. “O que estamos assistindo é um enorme aperto das condições financeiras por parte do mercado. Isso é negativo para a economia, vai desacelerar o PIB e será deflacionário para a inflação.”

Real
O dólar subiu mais de 3% na semana passada e o real teve o pior desempenho entre as moedas de mercados emergentes, depois da lira turca (Imagem: Pixabay)

Derretimento da moeda

Uma eventual decisão de não apertar agressivamente a política monetária, no entanto, pode deixar o país mais vulnerável à turbulência cambial.

O dólar subiu mais de 3% na semana passada e o real teve o pior desempenho entre as moedas de mercados emergentes, depois da lira turca.

O real perdeu cerca de 8% de seu valor em relação ao dólar até agora neste ano, apesar de o Brasil ser um exportador de commodities que deveria se beneficiar do aumento dos preços das matérias-primas.

A pressão cambial faz parte de uma ampla reavaliação do risco do Brasil por investidores que agora estão desiludidos com as promessas de disciplina fiscal feitas pelo governo.

A intervenção do Banco Central, que detém mais de US$ 330 bilhões em reservas internacionais, seria inútil em tal cenário, segundo Caio Megale, economista-chefe da XP Inc. e ex-integrante da equipe de Guedes.

“Se o BC atua contra isso, vai perder reservas, vai perder munição e não vai mudar a tendência do câmbio”, disse ele.

Os próximos dias serão cruciais para os ativos brasileiros, pois o governo deve detalhar quanto está planejando gastar além do teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas à taxa de inflação do ano anterior.

No entanto, há poucas dúvidas sobre a deterioração dos fundamentos fiscais do país.

“A forma como eles quebraram o teto fiscal é importante, mas o quadro geral é que a regra é fácil de quebrar”, disse Alvaro Mollica, estrategista de mercados emergentes do Citigroup Inc.

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