Crise na Receita atrasa envio de reforma tributária e Tebet alerta para timing
A equipe econômica ainda realiza um ajuste fino na proposta de reforma tributária, movimento que foi emperrado pelo conturbado clima na Receita Federal, num momento em que o Congresso aguarda o envio da proposta formal do Executivo para efetivamente dar prosseguimento à tramitação da matéria.
Avaliação no Ministério da Economia, segundo fonte da equipe, é que é preciso que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seja encaminhada ao Congresso Nacional em ambiente pacificado, de forma a evitar atritos que contaminem a discussão de medida vista como crucial para melhorar o ambiente econômico.
“Temos um contencioso a ser administrado que ainda não foi devidamente equacionado que é o problema das substituições na Receita”, afirmou a fonte, sob condição de anonimato.
Nesta semana, o secretário especial de Receita, Marcos Cintra, trocou o número 2 da Receita em meio à crise que atinge o órgão, acusado por integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de atuação política.
Auditores fiscais protestaram na quarta-feira contra as críticas dirigidas por autoridades ao órgão, alegando que recentes decisões do STF suspendendo investigações em curso criam “lista vip de contribuintes inalcançáveis pelo Fisco”.
Para a senadora e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), o governo precisa se posicionar e definir logo as diretrizes para a discussão de uma reforma tributária, sob risco de perder uma janela de oportunidade política.
Em entrevista à Reuters, a senadora lembrou que tanto a
Câmara quanto o Senado discutem propostas sobre o tema e já vêm
formando suas opiniões. O governo, alerta, pode perder o timing para colocar o seu posicionamento, frustrando a expectativa –da sociedade e do mercado– de mudanças no sistema tributário do país.
“Em política tudo é janela de oportunidade. Chegar no momento em que Senado e Câmara já formaram seu juízo de valor –não digo nem disputa de protagonismo–, como você desconstrói tudo isso?”, afirmou.
De acordo com a presidente da CCJ, colegiado que já discute uma PEC de reforma tributária em tramitação na casa, há consenso entre os parlamentares sobre a necessidade de uma reformulação do sistema, ainda que não haja necessariamente acordo sobre o conteúdo dessas mudanças. Mas a parlamentar ponderou que a entrada do governo “precisa ser mais rápida e contundente”.
CPMF
Tal como na reforma da Previdência, que já foi aprovada em dois turnos da Câmara, a equipe econômica considera crucial que o governo esteja coeso na defesa da proposta, que inclui a instituição de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da impopular CPMF, para substituir a tributação sobre a folha de pagamentos.
A medida tem sido rechaçada por vários economistas e parlamentares. Como o imposto incide sobre todas as etapas de produção, o argumento é que provocaria distorções na economia, além de ter caráter regressivo.
O presidente Jair Bolsonaro também já se manifestou repetidas vezes contrário à CPMF, mas nesta quinta-feira flexibilizou o discurso ao admitir conversar com o ministro Paulo Guedes sobre a possibilidade.
De acordo com a fonte da equipe econômica, há convicção sobre a necessidade de desonerar a folha para gerar empregos, até pela consideração de que essa base de tributação está fadada à erosão em função das modificações profundas que estão acontecendo no mercado, com novas formas de trabalho associadas à economia digital.
“É de bom senso você procurar uma outra base. Ou seja, a contribuição sobre pagamentos é exatamente a forma pela qual a gente pode buscar base nova com ótima potência fiscal, baixíssimo custo administrativo e praticamente zero de contencioso”, disse.
Diante da polêmica em torno de um imposto desta natureza, Guedes tem preconizado o diálogo para que o projeto do governo seja encarado como um instrumento que guiará costura da reforma final, e não como um elemento de disrupção.
Nesta semana, o ministro afirmou que caberá à classe política a decisão de apoio ou não ao novo tributo sobre transações financeiras em troca da desoneração da folha de pagamento.
Estados
O sistema tributário brasileiro, considerado um dos mais complexos do mundo, é visto como entrave importante para o ambiente de negócios no país. Governos anteriores já tentaram aprovar reformas nessa área, mas os esforços sempre esbarraram em resistências setoriais e regionais, com governadores e segmentos econômicos temendo prejuízos com as mudanças sugeridas.
A proposta do governo Bolsonaro não envolverá, em princípio, Estados e municípios. A ideia é limitar as mudanças aos tributos federais, minimizando assim embates para tentar garantir a aprovação.
Para a presidente da CCJ, uma das discussões que poderiam influenciar no calendário de tramitação da reforma tributária seria justamente a tentativa de impor “goela abaixo” a extensão de outra reforma, a da Previdência, a Estados e municípios. A saída, argumenta, passa por oferecer alternativas aos entes federativos e facilitar seus esforços para administrar suas contas.
“A sociedade e o mercado estão esperando uma reforma tributária, seja lá o que for. Se nós não entregarmos nada, por conta de seja lá qual interesse, estaremos prejudicando a economia. Por que correr risco de prejudicar a tributária discutindo a questão da inclusão de Estados e municípios goela abaixo?”, ponderou a parlamentar.
Na avaliação de Tebet, o mais provável é que o Congresso produza uma minirreforma que proporcione ao menos a desburocratização, a unificação e a simplificação dos tributos.