Crise de confiança: O desafio de reconstruir a credibilidade na economia brasileira
É inegável que vivemos uma crise de confiança na economia, particularmente nos instrumentos de política, fiscal e monetária. Em outras palavras, não se acredita que as trajetórias projetadas para a dívida pública e para a inflação serão concretizadas.
Isso acontece mesmo em prazos longos, onde o peso da conjuntura é menor e vale mais a credibilidade dos executores das políticas ao indicar o que será feito para que os objetivos sejam alcançados.
Os números falam por si. No último relatório de projeções fiscais, o Tesouro Nacional projeta que a dívida bruta do país, em percentual do Produto Interno Bruto (PIB), terminará 2024 em 77,7% e continuará subindo nos anos seguintes até atingir 81,8% em 2027, para depois recuar ano a ano até atingir 75,6% em 2034.
Já a mediana de mercado da pesquisa Focus — que reúne as expectativas de mercado —, por sua vez, espera que a dívida saia de 78,0% em 2024 e não pare mais de subir ao menos até 2033 (limite das projeções), quando pode atingir 93,0% do PIB.
No caso da inflação as diferenças são menores, mas o desafio também é grande. Enquanto a meta de inflação estipulada para os próximos anos é de 3,0%, a mediana da pesquisa Focus permanece entre 3,5% e 4,0% até 2029. Isso mesmo considerando a expectativa de que a Selic permaneça acima de 9,5% em todo o período.
Toda essa desconfiança é justificada pelo histórico do país, que há décadas tem mantido uma trajetória de rápida expansão da dívida pública e inflação elevada, com poucos episódios em que a dívida tenha recuado ou a inflação ficado abaixo do centro da meta.
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Mas alguns acontecimentos mais recentes agravaram o problema. Em 2023, o país teve déficit de R$ 230 bilhões, o segundo pior da história, seguido por um déficit ainda expressivo em 2024, projetado em aproximadamente R$ 84 bilhões. Também em 2023, houve a substituição do teto de gastos pelo arcabouço fiscal.
Na prática, substitui-se uma regra que continha penalidades duras, automáticas e definidas em lei para o caso de descumprimento, por um novo conjunto de regras que, caso não sejam respeitadas, não trazem punições importantes, tornando menos crível o seu cumprimento.
Para convencer os agentes econômicos que as metas seriam perseguidas, a estratégia anunciada era a de buscar elevar as receitas tributárias. Várias medidas foram apresentadas e aprovadas. A receita veio, mas o crescimento das despesas anulou esses ganhos. A estratégia fiscal precisava de uma mudança.
Por isso, no ano passado, o desafio foi propor medidas de redução de despesas. Mas elas demoraram a vir e foram insuficientes diante do necessário para assegurar a melhora da dívida pública. Junto com o anúncio, a proposta de isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, que ajudou a minar a confiança já frágil do mercado no pacote e na política econômica.
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O Banco Central também sofreu com momentos de desconfiança. Em maio do ano passado, uma decisão de juros dividida reforçou dúvidas do mercado sobre a independência política da instituição.
Recobrar a confiança não é fácil. Mesmo depois de retomar o processo de alta de juros e de surpreender ao anunciar um choque de juros em poucos meses, o BC ainda não conseguiu garantir que as expectativas de inflação convirjam para a meta, mesmo em prazos mais longos.
Agora, cabe ao governo e ao BC aumentarem os esforços para reconquistar a confiança. Quanto mais o tempo passa, maiores os custos desse processo. Uma regra fiscal rígida e eficaz nas punições reduz o peso sobre o formulador de políticas e eleva a confiança no longo prazo.
Como o atual arcabouço fiscal é apenas uma referência de política, sem restrições mais severas, o cenário macroeconômico seguirá dependente de ações de curto prazo, muito custosas por estarem em um contexto de crise de confiança.