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Criptomoedas e ICOs: por que regular?

21 jun 2018, 15:56 - atualizado em 21 jun 2018, 15:56

Por Jonathan Doering Darcie, advogado, Doutor pela UFRGS e Professor do Curso de Criptomoeda e Blockchain da Faculdade Brasileira de Tributação (FBT)

Você é uma formiguinha. À procura de comida, você enfrenta todo o tipo de desafio que só a natureza sabe oferecer: predadores para todos os lados, intempérie constante e todo o tipo de acidente no seu caminho. A vida é dura na natureza. Mas você conseguiu: encontrou uma linda folha, que pesa mais de cem vezes o seu peso — formigas são realmente muito fortes. Você a coloca em suas costas e sai em busca de um abrigo. Afinal de contas, o inverno está quase aí e você precisa se proteger.

Muito sacrifício por todo o caminho, mas você está quase lá. Você chega a uma encruzilhada, com dois caminhos à sua frente. No fim de cada um deles, um tipo de formigueiro diferente. Pelo caminho da sua esquerda, chegará a um formigueiro que não permite que você entre com folhas maiores do que dez vezes o seu peso. Além disso, antes de entrar, deverá registrar a sua folha com o porteiro do formigueiro, que, aliás, só aceita folhas quadradas: você será obrigado a recortá-la antes de entrar. Seguindo pela direita há um formigueiro diferente. Nele, ninguém se importa com o formato ou o tamanho da sua folha — quanto maior, melhor. Desde que você não derrube sua folha em ninguém, é muito bem-vindo.

Essa escolha não é nada diferente da escolha de onde abrir uma empresa ou realizar investimentos. Anos atrás, tratava-se de uma escolha difícil: sua vida se definia por onde você se encontrava fisicamente. Se quisesse fazer apostas, teria que viver em um país que as permitissem; se quisesse pagar menos tributos, haveria de se contentar em morar em um país distante, longe dos seus entes queridos. Em um mundo de fronteiras, o possível se determina geograficamente.

A internet eliminou muitas dessas fronteiras. Quer abrir uma empresa no Reino Unido? Acesse o site do governo — você não leu errado: g-o-v-e-r-n-o —, insira o seu cartão de crédito, pague o equivalente a R$ 50,00 — isso mesmo: c-i-n-q-u-e-n-t-a reais — e pronto: em 24 horas sua empresa estará aberta e pronta para faturar. E sem aquela nossa preocupação brasileira com tributos, pois lá se paga menos e se aprende no site mesmo como pagar. Que tal apostas ou jogos de azar? Pena que aqui é proibido, não? Sem problemas: basta acessar um dos milhares sites de apostas de empresas sediadas em países que as permitem e divirta-se! Está difícil escolher, entre tantas opções? Uma dica: na dúvida, escolha uma casa de apostas patrocinando campeonatos brasileiros ou fazendo propagandas na televisão nos intervalos de jogos de futebol.

Mas a destruição completa de barreiras ocorreu agora, com a invenção das criptomoedas e da tecnologia blockchain. Talvez você não saiba, mas até a invenção do blockchain, toda e qualquer transação eletrônica haveria sempre de ocorrer através de um ou mais elos de confiança. Cada um, uma oportunidade para algo dar errado; cada um, um custo de transação.

Uma compra paga através de Bitcoin, que tem por trás a tecnologia blockchain, é diferente: uma transação que não possui intermediários de qualquer natureza. É do consumidor ao lojista, sem ninguém no meio, nem para ver os seus dados pessoais. É rápida, barata e segura: tão segura que hoje um supercomputador demoraria milhões de anos para violá-la. 

E a potência do blockchain está só começando. Já há sistemas de votação em blockchain, mais baratos e seguros do que os que temos para as nossas eleições! Existem “cartórios” em blockchain, que por centavos registram de forma indevassável a autenticidade e a data de um documento qualquer. Há os chamados ICOs (initial coin offering), ou oferta inicial de criptomoedas, em que qualquer um pode lançar um projeto e captar recursos em criptomoedas do mundo todo para financiá-lo. Tudo isso sem intermediários, sem fronteiras.

Diante desse universo de oportunidades e possibilidades, de toda essa riqueza que a tecnologia está a nos permitir, nós, Brasil, temos dois modelos diferentes a seguir. Podemos ser o formigueiro do caminho à esquerda, criando muitas regras sobre como devem ou não devem ser criptomoedas, quem pode e quem não pode fazer ICOs: enfim, muitas regras sobre todo esse admirável novo mundo, um universo que hoje sequer compreendemos na sua totalidade. Ou podemos ser o formigueiro do caminho à direita, deixando as formiguinhas trabalharem livres para fazerem essa tecnologia evoluir e amadurecer para melhorar as nossas vidas.

Quando iniciei esse artigo, estava em dúvida se elogiaria a postura dos nossos reguladores, sobretudo Bacen e CVM, por até agora haverem se distanciado de uma interferência direta no universo destas novas tecnologias. E, em se tratando de Brasil, talvez devam mesmo ser elogiados. Exceto que, nesse caso, acho que podemos um pouco mais: ao invés de emitirmos alertas sobre os riscos envolvendo estas tecnologias, como repetidamente fizemos, quem sabe não criamos as condições e os incentivos para que mais e mais empresas as desenvolvam e usem aqui no Brasil, para nos tornarmos exemplo e referência no assunto?

Posso parecer um eterno insatisfeito. Mas é que gostaria de viver em um formigueiro livre e próspero, em que estejam dadas as condições para que todos possam seguir em paz com as suas vidas, gerando riqueza pelo desenvolvimento dos seus negócios sem interferências desnecessárias e onerosas de uma “formiga-rainha”.

E eu sei que você, formiguinha, também quer viver em um formigueiro assim.

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