CPI ainda é necessária para transparência de dados da Covid-19, defende senadora após liminar do STF
Mesmo diante da decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou na terça-feira ao Ministério da Saúde que voltasse a apresentar diariamente todos os dados epidemiológicos da Covid-19, a líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA), irá insistir na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a transparência das informações relacionadas ao avanço da doença no país.
Segundo ela, que protocolou na segunda-feira requerimento para criar a CPI e trabalha pela coleta das 27 assinaturas exigidas regimentalmente para efetivá-la, a comissão mantém-se uma alternativa válida para garantir a transparência, já que confere prerrogativas ao Congresso Nacional para ajudá-lo na tarefa de fiscalização das ações de combate ao coronavírus.
“Nós tivemos a ideia de apresentar a CPI porque ela é um instrumento que te dá mais poderes”, disse a líder à Reuters.
“Você consegue desenvolver com mais exatidão as suas prerrogativas de fiscalização, porque a CPI te dá poder do polícia, você pode requisitar documentos, fazer mandados de busca e apreensão, as pessoas não podem mentir durante os depoimentos porque correm o risco de prisão por falso testemunho”, explicou a senadora.
Eliziane explica que mesmo diante da decisão do Supremo a CPI será útil, por entender que “de uma forma ou de outra o governo sempre tenta fazer uma alteração”.
O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou na véspera que o Ministério da Saúde retome a divulgação diária de todos os dados epidemiológicos, inclusive os números acumulados de ocorrências e de mortes causadas pela doença respiratória provocada pelo novo coronavírus.
A pasta voltou a divulgar na tarde da terça-feira dados completos sobre a pandemia. O “Painel Coronavírus”, principal ferramenta de dados sobre a doença no país, havia sido alterado na sexta-feira para mostrar apenas os casos e óbitos registrados nas últimas 24 horas, sem contar com dados históricos, números acumulados e informações regionalizadas, além de outras informações.
“Acho que a gente não vai ter dificuldade de recolher assinaturas”, avaliou. “Acho que temos um ambiente favorável (para a CPI), porque mesmo os parlamentares da base do governo não toleram algumas ações, por exemplo essa de omissão de dados. Eu não vejo dificuldades no Parlamento de se buscar uma transparência nessa emissão de dados.”
Contrapeso
Ao avaliar a atual conjuntura política e os recentes embates de Jair Bolsonaro com o STF, tendo como pano de fundo investigações na corte que apuram, de um lado, se houve interferência dele na Polícia Federal, e de outro, possível envolvimento de aliados e pessoas próximas do presidente em disseminação de fake news, Eliziane considerou que tanto Legislativo quanto Judiciário estão atentos e têm agido com equilíbrio.
Até mesmo por ter adotado essa postura de contrapeso, avalia a senadora, o Congresso não demonstra, por ora, tendência a embarcar em uma ruptura como um eventual processo de impeachment de Bolsonaro.
“Como a gente tem um presidente que é muito imprevisível em algumas situações, é necessário você ter uma postura de equilíbrio para a situação não piorar ainda mais”, disse a senadora, defendendo, no entanto, que a Casa se posicione com firmeza diante de determinados assuntos, caso da CPI da transparência.
“Eu acho que não temos espaço para impeachment por uma razão: a gente está vivendo um dos momentos mais preocupantes da história do mundo, a gente está diante de uma pandemia, de um vírus que ninguém sabe conter, do ponto de vista de medicamentos, vacinas”, explicou, lembrando ainda das consequências econômicas.
Para a líder, um processo de impeachment é um recurso a ser utilizado apenas em casos “extremos” porque traria “prejuízos muito maiores” ao país.
A senadora atentou ainda para a necessidade de os senadores chegarem a um texto de consenso sobre projeto que cria Lei das Fake News, pautado para a próxima semana no Senado. Ela lembrou que circulam notícias falsas inclusive, sobre a Covid-19, o que pode resultar na morte de pessoas.
Eliziane, que coordena a Frente Ambientalista do Senado, afirmou que a postura de contrapeso adotada pelo Congresso e pelo Judiciário também se aplica às ações relacionadas ao meio ambiente.
“Por mais que venha do governo uma tentativa de passar a boiada, passar o rolo compressor em relação a toda uma legislação que nós já temos, não dá para se fazer assim porque você vai acabar afetando a economia”, disse a senadora.
Em vídeo de reunião ministerial liberado para divulgação em maio pelo STF no âmbito do inquérito que apura interferência na PF, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu que o governo aproveitasse a atenção da mídia concentrada na pandemia, para “ir passando a boiada”, expressão adotada por ele para descrever a intenção de mudar pontos da legislação e facilitar a exploração de terras hoje restritas pelas leis ambientais.
“Infelizmente nós temos um presidente da República que tem posturas intransigentes, posturas que às vezes não valorizam a vida”, disse a senadora. “Mas o nosso país é constituído de Executivo, e nós temos mais dois Poderes, o Legislativo e o Judiciário.”