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Courtnay Guimarães Jr: o que esperar do mundo de blockchains em 2020?

25 jan 2020, 14:16 - atualizado em 22 maio 2020, 20:22
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Blockchain
“Use o conteúdo a seguir com moderação, e por sua conta e risco. E em nome da amizade e da ciência, seja cético” (Imagem: Unsplash/@launchpresso)

Primeiramente, um rápido disclaimer

Como diz o meme já famoso no Facebook, tomemos cuidado com exercícios descontrolados de forecasting e foresighting (projeções e previsões, em tradução livre).

Este artigo é uma bela projeção de exercícios empíricos e resultado de muitas conversas com várias pessoas da indústria, em diversas regiões do mundo — quase sempre em reuniões individuais, mas sem nenhum dado formal de comprovação ou garantias.

Como faço isso todo ano com as estruturas tecnológicas que uso no dia a dia, não poderia ser diferente com o sarapatel que chamamos de blockchain. Use o conteúdo a seguir com moderação e por sua conta e risco. E, em nome da amizade e da ciência, seja cético.

O hype acabou. Ou não.

Depois de quatro anos (2016, 2017, 2018 e 2019), o hype sobre “vamos curar o mundo e salvar as baleias e golfinhos venuzianos usando ‘blokixain’ para tudo isso” chegou ao fim. Como consequência, penso que, finalmente, acabou a última marolinha de todas as “frufrulências” que vêm se desenhando desde 2013.

Como engenheiro (dos chatos), desde sempre me incomodo com todas as mudanças de narrativas no mainstream, que se desenharam de acordo com as variações de expectativas e realidades ligadas ao projeto cypherpunk de moeda independente.

Em resumo, o que foi criado em 2009 não foi o blockchain, mas uma moeda criptográfica independente. Todas as mudanças de narrativa foram derivadas de mudanças de humor do mercado (Silk Road, por exemplo) e de seus desejos (como a narrativa de livros-razão distribuídos).

O que importa é que, desde 2015, quando o primeiro Hype Cycle do Gartner sobre “blockchain technologies” foi publicado, o cenário fugiu ao controle da sanidade (a coisa foi tão acovardada que o paper era sobre “economia programável”). Só de pensar me dá saudades dos relatórios do finado Satoshi.Fund, como este aqui.

Hype Cycle para tecnologias emergentes, 2015 / Fonte: Gartner

“Fast foward” para hoje, não se lotam mais auditórios para ouvir “a revolução do blockchain”, que todos já descobriram que não é nem revolta de ratos (ainda bem).

Ao mesmo tempo, de todo o volume de dinheiro investido em golpes, uma parte relativamente pequena (mas enorme em volumes absolutos) foi aportada em pesquisas, laboratórios, provas de conceito, ideações e afins, o que gera mais possibilidades (reais, irreais, remotas ou próximas do realizável, mas isso é assunto para outra hora). O fato é que isso tudo é realmente impactante.

A motivação correta (criar uma rede provedora de garantias incorruptíveis e, quando necessário, imutáveis) guiou libertários, cypherpunks e engenheiros corporativos em busca de soluções que culminaram no surgimento de tecnologias, produtos, plataformas e até mesmo de empresas. Finalmente, entramos na era do fim do hype. Ou não…

As bolhas especulativas estouraram e “mooning” voltou a ser uma piada de mau gosto de universitários dos anos 1950 (“google it”)

Quando os capitalistas de risco (VCs, na sigla em inglês) descobriram a mais nova e rentável máquina de fazer dinheiro, com expectativas exuberantemente irracionais – e o fizeram em várias ondas desde 2014 –, o interesse pela coisa foi às alturas, inflando ainda mais o anseio dos atuais e futuros investidores.

Mas quando uma onda de inovação que literalmente imprimia seu próprio ouro de tolo foi descoberta, passamos a viver a bolha mais ensandecida deste século.

Não vou recontar toda a história mas, durante a “euforia das papoulas”, de 2017 e 2018, em meio à imensa nuvem de vapor que se formou, foi difícil abordar o tema de forma séria no que tange evolução, tendências, casos de uso práticos e visionários.

2019 ainda foi um ano ruim, especialmente por conta dos ruídos gerados pelas bolhas resultantes das ofertas de tokens (STOs e IEOs). De qualquer forma, o importante é que, no final das contas, a poeira baixou (ou a maré secou no mangue, como gostam de dizer os amigos do “Condado”) e a normalidade tornou a se estabelecer.

Contudo, vale lembrar que o espírito empreendedor das “vaporwares” insiste em assombrar o mercado, procurando por qualquer coisa que provoque euforia e medo de perder o bonde (FOMO, na sigla em inglês) ou que desperte a possibilidade de lucros estratosféricos num curto espaço de tempo, justificando seu crescimento em métricas absolutamente subjetivas e em estratégias igualmente ineficazes (“blitzscaling” é a mais exótica delas que me vem à mente).

Ainda bem que existe o arquivo vivo da internet, que nunca esqueçamos.

“Identidade será uma área enorme, principalmente sua integração com IOT (internet das coisas) e a possibilidade de registrar eventos 100% atrelados a algo ou alguém” (Imagem: Unsplash/@hiteshchoudhary)

O foco no cliente final aparece nos radares dos tecnólogos radicais

Como no início da internet e até antes, na época do surgimento dos computadores pessoais, tudo era assunto para os já “iniciados” na tecnologia.

Com o passar do tempo, os menos letrados passaram a ter acesso aos mundos até então fechados e a estarem expostos aos seus malwares. O ciclo se repete com cripto — desta vez com alguns requintes.

Neste momento, vivemos a revolução mais impactante e silenciosa desde o fim dos CDs e a desmaterialização da música como ativo: o fim dos cartões bancários (na sua forma atual).

Essa mudança atende pelo nome de “Walleting Business” e ter uma wallet é comparável a ter uma empresa de serviços inteira. Qualquer semelhança com as apps de redes sociais (com feeds, messaging, fotos, vídeos etc.) não é mera coincidência.

Em outras palavras, a parte menos badalada e “hypada” do mercado (nunca ouvi falar do ICO da Trezor ou da Ledger, por exemplo) tende a ser a área mais badalada e “hypada” desta nova década.

#apostacourtnay

“Como venho dizendo a séculos, nunca foi criada a tecnologia genérica de blockchain. Foi criada a tecnologia especializada em criptoativos” (Imagem: Unsplash/@easiblu)

Começaram os cases corporativos sem criptoativos

Quando digo cases, quero dizer projetos já em funcionamento, avião no ar mesmo. E não me venha com esse preciosismo de “Aahhhh! Mas não é descentralizado, então não vale”.

Para ilustrar, tomemos como exemplo o caso da Food Trust, solução blockchain da IBM para a cadeia de fornecimento de alimentos em que, a cada dia, uma nova empresa embarca na iniciativa, com um novo case de uma comida x, que tem um problema y e precisa de uma solução z. Sabe o que isso significa? Uso integrado em toda a cadeia!

Como venho dizendo há séculos, nunca foi criada a tecnologia genérica de blockchain. Foi criada a tecnologia especializada em criptoativos.

Graças a ela – e depois de tanta espuma – corporações com cadeias de valor gigantescas, dispersas e quase incontroláveis passaram a perceber que o uso de uma parte das tecnologias dos criptoativos serviam para criar uma ferramenta de registro distribuído, que serve não apenas para dirimir dúvidas, mas evitar fraudes nessas mesmas cadeias.

Uma vez integrada às outras milhares de tecnologias já maduras, não tão maduras e emergentes, as DLTs finalmente encontraram “business cases” demonstráveis, como o projeto citado no início desta seção. E o que isso significa? O início da fase de crescimento acelerado!

Ao contrário de tudo que se especulou (DAOs, dApps, etc), aparentemente, o primeiro grande caso de uso dessa tecnologia, além dos criptoativos, será o uso de garantias em cadeias de valor, upstream e downstream.

Finalmente, encerramos o ano e abrimos a década com nada mais nada menos que moedas digitais de bancos centrais (ou CBDCs). Mais surpreendente ainda é que talvez a China saia na frente nesta corrida! Deu para imaginar o tamanho da reviravolta?

Regulamentações fortes, mas inócuas

Tema delicadíssimo e objeto de tretas homéricas e infindáveis em todas as comunidades (libertários, legisladores, juristas, reguladores e players do judiciário), não se foge mais do rumo das leis no setor de criptoativos.

A coisa toda, aparentemente (e bem teoricamente), está restrita a sete regras simples:

1 – todas as empresas de intermediação de criptoativos passam a ser tratadas como entidades do sistema financeiro;

2 – toda transação com criptoativos deve ser declarada e identificada (aqui já existe o problema de definir o que é uma transação, mas enfim);

3 – sobre os criptoativos em si, não há incidência de nenhum tipo de imposto mas, sobre a sua comercialização, pode haver a incidência de ganho de capital;

4 – as operações heterodoxas de captação de fundos para projetos (ICO, IEO, etc.) são e deverão continuar sendo proibidas;

5 – as operações de captação para projetos via tokens de valores mobiliários (seja lá o que for definido nessa categoria) serão permitidas em sandboxes regulatórios e em mercados locais;

6 – moedas anônimas serão criminalizadas pela sua natureza, digamos… exótica;

7 – o comércio internacional de criptoativos se manterá livre.

Em regras comerciais dos ditos contratos eletrônicos criptográficos, será necessário esperar por uma nova ordem jurídica no direito comercial. Aguardem cenas dos próximos capítulos.

Correndo por fora, bem disfarçadamente, há algo de cunho prático, mas que vira, além de caso de uso, uma plataforma parajurídica: identificação.

Em DATPs (sigla em inglês para Plataformas Distribuídas e Autônomas de Garantias, popularmente conhecidas como blockchain) ou em DLTs, um sistema global de identificações e certidões seria a base de uma revolução digital imensa. De qualquer forma, devemos aguardar o que está por vir.

Onde você deve depositar suas fichas

A quem possa interessar, não faço recomendações de investimentos, nem sob tortura. DYOR (sigla, em inglês, para “faça sua própria pesquisa”) é minha única recomendação. Mas, por via das dúvidas, não deixe de acompanhar a volatilidade do bitcoin!

Aposte sua carreira em…

…entender, ao máximo, todas as variantes tecnológicas que circundam o mundo das criptos.

Identidade será uma área enorme, principalmente sua integração com IOT (internet das coisas) e a possibilidade de registrar eventos 100% atrelados a algo ou alguém.

Event Tickets, isto é, eventos que gerem bilhetes para se cobrar por coisas (área onde o Brave Browser atua, por exemplo) também será um nicho interessante.

Além disso, aprenda sobre criptoativos em suas formas de negócios. Criar tokens e moedas é tão básico quanto copiar e colar. Tokenizar imóveis para uso e valorização no estado de São Paulo, por exemplo, é uma competência raríssima.

Por fim, processos longos, que possam ter pontos de garantia em toda a sua extensão, com comprovada economia mensurável, são a batalha do ano e, portanto, merecem sua atenção.

Sobre o autor:

Courtnay Guimarães Jr é um executivo especialista em transformação de negócios e indústrias por meio da tecnologia. Atua há 35 anos nos mercados financeiro, de telecomunicações e de serviços digitais, com foco em impacto e valor.

É cientista-chefe na BRQ Digital Solutions, empreendedor no setor de educação, voluntário como market advisor em projetos em que acredita (como Moedaseeds.com, Allice.me, Sthorm.io e Hathor.network), voluntário em associações de classes e em causas sociais diversas. Também é fundador da Cogno.school, fundador e presidente do Brazilian Blockchain Council do ITS/SP, pai de três seres humanos incríveis e pesquisador do impacto da convergência tecnológica na cultura e na sociedade.

Graduado em Ciências Econômicas, pós-graduado em Marketing, certificado em Financial Markets, High Frequency Trading e doutorando em Ciência da Computação, com ênfase em Convergência Tecnológica, produzindo uma tese ligada a ontologias de plataformas blockchain.