Thinking outside the box

O mercado não quer promessas: Se a situação dos gastos públicos se deteriorar, não haverá Selic que nos salve

18 out 2024, 18:15 - atualizado em 18 out 2024, 18:16
ibovespa ações brasil
Da mesma forma, o aumento dos juros por aqui é insuficiente sem um compromisso firme do governo com a responsabilidade fiscal (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

As preocupações com a situação fiscal no Brasil têm se intensificado, aumentando a apreensão no mercado financeiro.

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No início desta semana, declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trouxeram um breve alívio, ao sinalizarem que o governo está preparando medidas de contenção de gastos para serem implementadas após as eleições.

Contudo, a paciência dos investidores com promessas ainda não concretizadas está no limite. Sem a implementação de ajustes fiscais efetivos, os ativos de risco continuam sob intensa pressão.

Na ausência de um plano fiscal robusto e crível, o país tem dependido quase exclusivamente de políticas monetárias, com o Banco Central recorrendo ao aumento das taxas de juros para tentar controlar as expectativas de inflação e restaurar a confiança na economia.

A situação se agravou após recentes declarações do presidente Lula, que mencionou a compra de novos aviões presidenciais e a ampliação da isenção do Imposto de Renda para rendas de até R$ 5 mil.

Esses comentários amplificaram as preocupações de um mercado já sensível à falta de controle fiscal.

Para financiar essa proposta de isenção, discute-se a criação de um imposto mínimo para indivíduos com renda superior a R$ 1 milhão, com alíquotas entre 12% e 15%.

Esse imposto seria calculado sobre a renda total do contribuinte e, caso o valor do imposto mínimo seja maior do que o montante pago pelo sistema atual de Imposto de Renda, o contribuinte teria que pagar a diferença.

No entanto, essa proposta expõe uma falta de inovação na formulação de soluções para reduzir efetivamente os gastos públicos. Até o momento, as alternativas apresentadas pelo governo têm se concentrado principalmente em aumentar impostos, sem uma estratégia clara para cortar despesas de forma sustentável.

Outras declarações do presidente Lula, que contradizem o compromisso anteriormente demonstrado em reunião com líderes financeiros da Febraban, só aumentaram as incertezas.

A afirmação de que “não importa o quanto custa” reacendeu as dúvidas sobre o comprometimento do governo em realizar uma reforma fiscal estrutural necessária para estabilizar a trajetória da dívida pública.

Sem um plano fiscal claro e consistente, a credibilidade do Brasil continua em xeque, deixando os investidores apreensivos quanto ao futuro econômico do país.

Ainda assim, a notícia de que o governo está preparando medidas de contenção de despesas obrigatórias para serem anunciadas após o segundo turno das eleições municipais tem ganhado grande relevância.

O principal objetivo dessas medidas é controlar os gastos obrigatórios e garantir que a dívida pública bruta do Brasil permaneça abaixo de 80% do PIB, sinalizando um esforço para manter a saúde fiscal do país. A equipe econômica avalia atualmente dois cenários possíveis para a implementação dessas medidas:

  1. 1. Cenário mais restrito, que envolve ajustes pontuais em benefícios sociais e previdenciários, com foco especial no Benefício de Prestação Continuada (BPC) – este benefício é destinado a idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência cuja renda familiar per capita não ultrapasse um quarto do salário-mínimo.
  2. 2. Cenário mais abrangente, que propõe uma revisão mais extensa de diversos programas governamentais. Além do BPC, esse plano considera possíveis ajustes no abono salarial, seguro-desemprego e outros benefícios previdenciários, mirando uma redução mais ampla de despesas.

Embora o segundo plano seja mais ambicioso e potencialmente mais eficaz para melhorar a situação fiscal do país, qualquer movimento que sinalize contenção de gastos é visto de forma positiva pelo mercado, contribuindo para a estabilidade econômica.

No entanto, persiste um ceticismo significativo no mercado quanto à capacidade do governo atual de implementar um ajuste fiscal profundo e efetivo. Sem cortes reais e estruturais nas despesas públicas, é difícil imaginar um progresso substancial na estabilização das finanças do Brasil.

As metas de déficit zero para 2024 e 2025, e a expectativa de alcançar um superávit de 0,25% em 2026, ainda parecem fora do alcance. Além disso, questões como os gastos tributários, que representam cerca de R$ 600 bilhões em renúncias fiscais, não estão sendo abordadas. Também não há planos para alterar a política de valorização do salário-mínimo ou a vinculação de aposentadorias a esse índice.

A falta de vontade política e de apoio em Brasília para aprovar reformas substanciais, especialmente após o resultado das eleições municipais, sugere que uma reforma fiscal mais abrangente pode acabar sendo adiada para um futuro governo, possivelmente após 2026.

No entanto, a implementação de medidas imediatas é crucial para demonstrar um compromisso real com o novo arcabouço fiscal.

A incerteza quanto à execução desses ajustes já resultou em um aumento de estresse no mercado financeiro, refletido na precificação de uma Selic final entre 13,25% e 13,5%, bem acima dos atuais 10,75%.

Além disso, os recentes leilões de títulos do governo, especialmente das NTN-F, registraram as maiores taxas do ano, alcançando 13% ao ano. Esse cenário é alarmante, indicando uma trajetória financeira insustentável a longo prazo. A questão que se impõe é: quem conseguirá sustentar esse alto custo de financiamento por tanto tempo?

Nesse contexto, a determinação da taxa de juros terminal — o ponto em que a Selic deverá se estabilizar — está cada vez mais condicionada às ações do Ministério da Fazenda, e não apenas às decisões do Banco Central. Mesmo um sinal mínimo de comprometimento com a responsabilidade fiscal poderia aliviar a pressão sobre o mercado financeiro e moderar a alta das taxas de juros.

O Brasil, portanto, encontra-se em um momento crítico. Se o governo falhar em adotar medidas que controlem o aumento das despesas obrigatórias, existe um risco real de desancoragem das expectativas inflacionárias, o que poderia elevar a Selic para 13% ou mais. Esse cenário poderia tornar o terceiro mandato de Lula semelhante ao segundo mandato de Dilma Rousseff.

Por outro lado, uma perspectiva mais favorável se desenha caso o governo implemente medidas eficazes de controle de gastos e cumpra rigorosamente o novo arcabouço fiscal. Essa abordagem proporcionaria resultados substancialmente melhores para a economia e ajudaria a restaurar a confiança dos investidores.

Na prática, Lula tem poucas alternativas, especialmente após o desempenho abaixo do esperado do PT e de seus aliados nas eleições municipais.

Uma reforma ministerial está prevista, possivelmente até o final deste ano ou no início de 2025, alinhada às mudanças de liderança na Câmara e no Senado, onde é provável que Lira e Pacheco consigam emplacar seus sucessores.

Entretanto, antes dessa reconfiguração política, há questões cruciais que precisam ser resolvidas, incluindo a distribuição de emendas parlamentares, prevista para ocorrer entre o final de outubro e o início de novembro, e a regulamentação da reforma tributária.

Os próximos quatro meses serão determinantes para definir o rumo dos dois últimos anos do terceiro mandato de Lula, com a política fiscal sendo um componente central nesse processo.

Para assegurar um final de ano mais favorável e reconstruir a confiança no governo, é essencial que sejam implementados cortes reais e estruturais nas despesas públicas.

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Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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