Thinking outside the box

Corte de juros nos EUA não resolve tudo na bolsa: Bomba fiscal põe em risco fim de ano do mercado de ações no Brasil

28 set 2024, 11:26 - atualizado em 28 set 2024, 11:26
ibovespa ações brasil
Da mesma forma, o aumento dos juros por aqui é insuficiente sem um compromisso firme do governo com a responsabilidade fiscal (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Na última quarta-feira, o Federal Reserve encerrou um longo período de expectativas ao anunciar um corte expressivo nas taxas de juros, ajustando-as para o intervalo de 4,75% a 5,00%. Esse movimento marca o início de um ciclo de afrouxamento monetário nos Estados Unidos, inicialmente previsto para 2023, mas repetidamente adiado. Durante a coletiva de imprensa, o presidente do Fed, Jerome Powell, adotou um tom cauteloso, descrevendo a decisão como parte de uma recalibragem da política monetária, com o objetivo de garantir um “pouso suave” para a economia americana.

Powell destacou a ausência de sinais claros de recessão no curto prazo, mas evitou fornecer diretrizes precisas sobre os próximos passos do banco central. Ele mencionou, entretanto, o dot-plot atualizado (gráfico de pontos do Fed), que sugere mais dois cortes de 25 pontos-base até o fim deste ano e quatro reduções adicionais em 2025. As projeções econômicas também foram revisadas, com a previsão de crescimento do PIB para 2,0% em 2024 e uma taxa de desemprego ajustada para 4,4%, sinalizando um mercado de trabalho mais fraco.

Se os próximos dados do mercado de trabalho indicarem uma deterioração maior que o previsto, o Fed pode considerar um corte adicional de 75 pontos-base em 2024, o que fortaleceria os ativos de risco globalmente. Com o índice PCE (inflação pessoal) vindo abaixo do esperado, a expectativa de um corte de 50 pontos-base em novembro se reforça, com a possibilidade de mais uma redução adicional de 25 pontos em dezembro.

Esse cenário de “pouso suave” sugere que a queda nas taxas de juros pode estimular os ativos de risco, especialmente em economias emergentes como o Brasil, que tem enfrentado os efeitos das elevadas taxas nas economias desenvolvidas. A metáfora do “avião pronto para decolar” se aplica bem à situação: os ativos beneficiados pela queda dos juros americanos estão prontos para avançar. O que ainda nos impede de embarcar?

Vamos por partes. No Brasil, a resposta da política monetária foi oposta. O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a Selic em 25 pontos-base, com a possibilidade de novos aumentos até o final do ano. Contudo, o maior desafio do país vai além da política monetária: a fragilidade fiscal é o principal obstáculo à estabilidade econômica. A postura mais agressiva do Banco Central, voltada a conter as pressões inflacionárias e reancorar as expectativas de inflação, não será suficiente sem um ajuste fiscal significativo.

A situação fiscal se agravou com a divulgação do relatório bimestral de receitas e despesas do governo, que frustrou expectativas ao não apresentar os cortes profundos esperados. Em vez disso, o governo aumentou o bloqueio orçamentário em apenas R$ 2,1 bilhões e reverteu um contingenciamento anterior de R$ 3,8 bilhões, resultando em uma flexibilização fiscal de R$ 1,7 bilhão. Com despesas fora do arcabouço estimadas em R$ 40,5 bilhões, o déficit projetado para 2024 chega a preocupantes R$ 69 bilhões.

tesouro nacional
(Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional e BCB)

Nesse cenário, as expectativas do ministro Fernando Haddad de elevar a classificação de crédito do Brasil, após reuniões com as agências de rating Fitch, S&P Global e Moody’s, parecem excessivamente otimistas e distantes da realidade. A ideia de que o Brasil possa recuperar o grau de investimento até o final do próximo ano soa quase utópica, considerando o atual panorama fiscal.

Embora as declarações do ministro tenham trazido um breve alívio aos investidores, preocupados após a divulgação do último relatório de receitas e despesas, elas não atacam os desafios estruturais profundos enfrentados pelo país. Para reaver o status de grau de investimento, o Brasil precisaria subir dois degraus nas classificações das principais agências de risco, que vêm reiterando a necessidade de reformas fiscais mais consistentes e duradouras.

A resposta do mercado foi imediata e majoritariamente negativa, refletindo a frustração com a falta de medidas concretas. Esse descontentamento, já presente desde a divulgação do relatório na sexta-feira, ganhou ainda mais força na segunda-feira, como destacado pelo Boletim Focus. A desconfiança crescente quanto à capacidade do governo de cumprir suas metas fiscais e, mais importante, de manter sua credibilidade junto a investidores e agências de classificação, tornou-se ainda mais evidente.

Focus
(Fonte: Focus)

O boletim mais recente trouxe uma atualização nas expectativas para a taxa Selic em 2024, com o consenso subindo de 11,25% para 11,50%. Esse ajuste reflete a postura mais rígida do Copom, motivada por um crescimento econômico superior ao esperado e pelo aumento dos riscos fiscais. Para 2025, a projeção da Selic se manteve em 10,50%, enquanto as estimativas de inflação para 2024 e 2025 foram revisadas para cima.

A hesitação do governo em implementar medidas concretas e eficazes tem impactado negativamente a confiança do mercado. A política fiscal mais flexível requer uma resposta monetária mais severa, o que implica juros mais altos, prejudicando ativos como as ações. A última ata do Copom enfatizou a possibilidade de intensificação no ciclo de aperto monetário, além de reconhecer que a economia brasileira está operando acima de sua capacidade, o que gera pressões inflacionárias devido ao descompasso entre oferta e demanda.

Embora eu acredite que o Banco Central seguirá aumentando os juros, sou cético quanto à intensidade desse aperto. As projeções que apontam a Selic em 13% no início de 2024 como o ponto final do ciclo de alta me parecem questionáveis. Vamos com calma. Até lá, teremos diversas variáveis em jogo, como a continuidade da queda dos juros em economias desenvolvidas, como os EUA, a adoção de novas medidas de contenção de gastos pelo governo — com o próximo relatório de avaliação de receitas e despesas primárias previsto para 22 de novembro — e a tendência de valorização do real.

Em relação ao câmbio, além do diferencial de juros que favorece o real (cortes nas taxas de juros nos EUA e o aumento da Selic), os estímulos econômicos da China têm impulsionado o mercado de commodities e atraído capital estrangeiro para a bolsa brasileira. Como resultado, as apostas contra o real por investidores estrangeiros recuaram para US$ 65,7 bilhões, o nível mais baixo desde maio. Apesar de sinais de fortalecimento do real, um avanço mais significativo da moeda brasileira, com potencial para se aproximar de R$ 5 por dólar, dependerá de um compromisso mais firme do governo com a responsabilidade fiscal.

Contrário a isso, o Ministério da Fazenda projeta um agravamento na trajetória da dívida bruta do governo, apesar das novas projeções de crescimento do PIB. A situação fiscal é preocupante, e há dúvidas sobre se o governo compreende plenamente a gravidade do cenário. Para ilustrar o desafio, a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, revisou sua estimativa para a dívida bruta do governo, que deve atingir 80,01% do PIB em 2024, um aumento em relação à previsão anterior de 78%.

Até 2026, uma política monetária mais flexível nos EUA pode estimular um otimismo maior no mercado brasileiro. No entanto, sem uma solução definitiva para os problemas fiscais persistentes, é improvável que haja uma “solução final” fácil. Como já foi destacado, o aumento das taxas de juros, por si só, não será suficiente sem um compromisso firme do governo com o equilíbrio fiscal.

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Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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