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Coronavírus impacta elétricas e pressiona generosa política de dividendos

01 maio 2020, 15:01 - atualizado em 01 maio 2020, 15:47
Setor Elétrico Energia Elétrica
Muitas empresas do setor elétrico sempre foram enxergadas como excelentes pagadoras de dividendos e isso não deve mudar, avalia economista da FGV (Imagem: Unsplash/@cdubo)

Impactos negativos do coronavírus sobre o mercado de energia elétrica no Brasil, como menor demanda e maior inadimplência, vão pressionar no curto prazo as políticas de pagamento de dividendos das empresas do setor, conhecidas na bolsa pela generosidade na distribuição dos lucros aos acionistas.

Grandes elétricas, incluindo os braços locais da francesa Engie e da portuguesa EDP, propuseram cortes nos proventos. E outras empresas podem realizar movimentos semelhantes ao longo do ano, uma vez que já haviam decidido a destinação dos ganhos referentes a 2019 antes de a pandemia se agravar no Brasil.

Mas sinalizações do governo de que haverá um pacote de apoio às elétricas geram expectativa de que a redução seja temporária, sem alterar perspectivas de médio e longo prazos para as políticas de dividendos do setor, disseram analistas à Reuters.

“Esse é um movimento de proteção, sem dúvida. Acredito que para as distribuidoras o governo vai de uma forma ou de outra encontrar uma solução, mas isso pode acontecer em um ritmo X ou Y”, afirmou o pesquisador Roberto Brandão, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ).

“Muitas empresas do setor elétrico sempre foram enxergadas como excelentes pagadoras de dividendos e isso não deve mudar. A princípio, imagino que é uma atitude de curto prazo para enfrentar a tempestade. Tenho usado a analogia: ‘cash is king’. Manter o caixa nesse momento é fundamental”, disse o professor de Finanças do MBA em Setor Elétrico da Fundação Getúlio Vargas, Andriei Beber.

A avaliação geral é de que empresas com grandes operações de distribuição de energia são as mais imediatamente sujeitas aos efeitos colaterais da Covid-19, enquanto aquelas com ativos de geração sofrem impactos à medida que possuem maior parcela de contratos de venda da produção no chamado mercado livre de eletricidade.

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A avaliação geral é de que empresas com grandes operações de distribuição de energia são as mais imediatamente sujeitas aos efeitos colaterais da Covid-19 (Imagem: Reuters/Ricardo Moraes)

Já os negócios de transmissão são vistos como um segmento que pode passar praticamente incólume pelo vírus, a não ser em um cenário mais pessimista, no qual as iniciativas do governo para apoiar as elétricas fracassem em conter a crise.

O Ministério de Minas e Energia tem negociado empréstimos com bancos para apoiar o caixa das distribuidoras, em operação a ser realizada por meio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para não aumentar o endividamento das empresas.

Essa saída evitaria um “espalhamento” da crise para os demais segmentos da indústria de energia, uma vez que as empresas de distribuição recebem dos consumidores finais e repassam recursos ao restante da cadeia do suprimento do setor, como geradores e transmissores.

Enquanto o governo não divulga detalhes sobre as medidas, as elétricas já se movimentam.

A Light (LIGT3), que tem ativos de geração e é responsável pela distribuição na região metropolitana do Rio de Janeiro, decidiu propor retenção de 100% do dividendo obrigatório de 2019, de 315 milhões de reais para “preservar sua saúde financeira diante das incertezas”.

A Energias do Brasil (ENBR3) reduziu a proposta de distribuição de proventos de 2019 para 27,8% do lucro líquido, de quase 50% anteriormente. Com operações de distribuição em São Paulo e Espírito Santo e uma fatia da Celesc, em Santa Catarina, a empresa também cortou projeções de aportes.

A Energias do Brasil reduziu a proposta de distribuição de proventos de 2019 para 27,8% do lucro líquido, de quase 50% anteriormente (Imagem: Reprodução/Facebook/EDP)

A brasileira Energisa (ENGI11), que controla onze distribuidoras, postergou 500 milhões de reais em investimentos e ainda discute possíveis mudanças em dividendos.

A Engie, líder privada em geração no Brasil, propôs distribuir aos acionistas 56,8% do lucro líquido de 2019, contra 100% em anos anteriores.

“Fica até ruim, politicamente, chegar e pagar um monte de dividendos em momento em que o setor todo está discutindo um pacote de ajuda. Acho que as empresas, de forma prudente, devem manter um pouco de caixa, mas à medida que o impacto da crise fique claro elas vão voltar a pagar dividendos no patamar anterior e eventualmente até mais”, disse o analista de utilities do Itaú BBA, Marcelo Sá.

Ele não descartou, no entanto, que o governo busque limitar a distribuição de dividendos de empresas de distribuição enquanto durarem as medidas de apoio ao segmento.

O secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Rodrigo Limp, disse à Reuters que o governo tem buscado estruturar o pacote de iniciativas e ainda não discute detalhes como uma eventual limitação de proventos.

Geração e transmissão

Taesa Setor Elétrico Empresas
Empresas puramente de transmissão, como a Taesa, podem passar sem maiores transtornos financeiros pela crise porque seus contratos não preveem risco de demanda (Imagem: Facebook da Taesa)

Na visão do Itaú BBA, empresas puramente de transmissão, como Taesa (TAEE11) e Cteep, podem passar sem maiores transtornos financeiros pela crise porque seus contratos não preveem risco de demanda, mas eventualmente sofrerão atrasos em obras devido às quarentenas.

Já para as empresas de geração, o risco está hoje em contratos fechados com clientes no mercado livre, no qual grandes empresas como indústrias e shoppings negociam diretamente o suprimento de energia.

Com medidas de isolamento social que têm obrigado o fechamento de lojas e shoppings em muitos Estados e municípios, há agora uma série de pedidos e até ações judiciais de consumidores livres para renegociar contratos de energia devido à queda da demanda.

Engie e EDP, por exemplo, foram acionados na Justiça por shoppings fechados devido a quarentenas e tiveram contratos suspensos por liminares.

“Em geração, haverá algum impacto de curto prazo, à medida que as empresas têm essa demanda por flexibilização de contratos. Mas acho que é um choque temporário”, disse o analista de utilities da Genial Investimentos, Vitor Sousa.

Ele também apontou que uma recuperação lenta da economia após a crise gerada pelo coronavírus também pode pesar sobre o segmento, ao reduzir ainda mais preços no mercado livre, que já recuaram ao menor patamar desde o início de 2016 desde o agravamento da pandemia.

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O consumo de eletricidade no Brasil está cerca de 14% abaixo do nível visto antes de medidas de isolamento social (Imagem: Reuters/Nacho Doce)

Outro perigo, bem maior, mas ainda visto como bastante remoto, está associado a possíveis descumprimentos de contratos no mercado regulado.

Algumas empresas com ativos de distribuição –como Light, Enel (ELPL3;ELPL4) e Equatorial Energia (EQTL3)–chegaram a alertar a geradores que podem não conseguir cumprir compromissos na íntegra devido à pandemia, alegando “força maior”. Depois, as elétricas disseram que o movimento foi preventivo e que esperam que o pacote do governo evite essa alternativa mais drástica.

Se a situação das distribuidoras chegasse a esse ponto, no entanto, os impactos, poderiam ser exacerbados para toda a cadeia, até para empresas de transmissão, o que é justamente o que o governo tem tentado evitar com as medidas em análise para o setor elétrico, destacaram os analistas.

O consumo de eletricidade no Brasil está cerca de 14% abaixo do nível visto antes de medidas de isolamento social adotadas para conter a Covid-19, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), enquanto as distribuidoras também já apontam aumento da inadimplência.

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