Coronavírus: Brasil saiu rápido demais de uma quarentena frouxa; eis as provas
O Brasil saiu rápido demais de uma quarentena bastante frouxa para combater o coronavírus, apesar das queixas de parte dos brasileiros que defendem abordagens alternativas às recomendadas pela Organização Mundial de Saúde e pelos médicos. Esta é a conclusão inevitável, quando se comparam os dados do isolamento social brasileiro com os de outros países.
O Credit Suisse deu uma pista, em um relatório enviado a clientes nesta sexta-feira (22) e obtido pelo Money Times. Assinado por Regis Cardoso, a análise utiliza dados dos relatórios de mobilidade do Google, desenvolvidos para contribuir com informações sobre o isolamento social em diversos países.
No caso do Credit Suisse, os números foram utilizados para comparar o gradual retorno à normalidade, com o objetivo de antecipar a volta da demanda por combustíveis. Neste sentido, o banco suíço compara o Brasil aos Estados Unidos, e afirma que estamos voltando mais rápido da quarentena e, portanto, é possível que a venda de combustíveis acelere.
Retrato da crise
Mas, o mais interessante, é observar relações que o analista do Credit Suisse não destacou, simplesmente por estar interessado em outras correlações. Ao comparar o Brasil com outros países apresentados no estudo, vê-se com clareza como alcançamos, em cerca de um mês, o terceiro lugar em número de casos – e com fortes chances de tomarmos a vice-liderança da Rússia.
Queda da mobilidade (%) | |||
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País | 29/mar | 11/abr | 13/mai |
Brasil | -51% | -38% | -36% |
Argentina | -71% | -59% | -45% |
EUA | -40% | -35% | -28% |
Itália | -82% | -67% | -47% |
França | -76% | -65% | -40% |
Espanha | -81% | -81% | -52% |
Alemanha | -59% | -33% | -25% |
Reino Unido | -65% | -60% | -54% |
Portugal | -68% | -63% | -49% |
Japão | -21% | -24% | -25% |
A primeira data analisada pelo Credit Suisse, com base nos relatórios de mobilidade do Google, é 29 de março. Naquele dia, segundo o Google, o trânsito de pessoas era 51% menor que em janeiro no Brasil. Pode parecer muito, mas, dos dez países listados pelo banco suíço, estávamos à frente apenas dos Estados Unidos (40%) e do Japão (21%).
Excluindo-se Brasil, EUA e Japão, a taxa média de isolamento dos demais sete países era de 72%. Traduzindo: enquanto outros povos levavam realmente a sério o perigo da pandemia de coronavírus já em março, colocando a grande maioria da população em isolamento, os brasileiros – e não só o presidente Jair Bolsonaro – mostravam que, na prática, viam a Covid-19 como uma gripezinha.
Entre 29 de março e 11 de abril (a segunda data apresentada no relatório do Credit Suisse), nove dos dez países listados afrouxaram as medidas de isolamento social. A exceção foi o Japão, que elevou de 21% para 24% as pessoas nesta condição.
O Brasil acompanhou esse movimento, e o isolamento social, segundo o relatório do Google, baixou de 51% para 38%. Novamente, os EUA pareciam mais relapsos que nós, com 34%. Mas, novamente, os sete países (excluindo-se Brasil, EUA e Japão) apresentaram uma média de 59% de isolamento, mesmo após relaxar as medidas.
Relaxar não é “liberou geral”
Ou seja, os países que levaram a pandemia a sério partiram de um patamar mais alto de isolamento, e, mesmo relaxando-o, ainda mantinham mais pessoas nessa condição em meados de abril, que os brasileiros, que começaram num nível já baixo e, ao furar a quarentena, reduziram ainda mais o percentual.
O último dia analisado pelo Credit Suisse é 13 de maio, quando o Brasil contava com 36% de isolamento, segundo os critérios do Google. O Japão havia elevado seu percentual para 25%; e os EUA regrediram para 28%. Os outros sete países da amostra mantiveram o ritmo de relaxamento, mas, ainda assim, 44% da população estava reclusa, em média.
Aumento da circulação (pp) | ||||
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País | 29/03 a 11/04 | 12/04 a 13/05 | Total | % até 11/04 |
Brasil | 12 | 2 | 14 | 86% |
Argentina | 11 | 15 | 26 | 43% |
EUA | 4 | 7 | 11 | 37% |
Itália | 16 | 20 | 36 | 45% |
França | 11 | 25 | 36 | 31% |
Espanha | 10 | 19 | 29 | 35% |
Alemanha | 26 | 8 | 34 | 77% |
Reino Unido | 6 | 6 | 12 | 50% |
Portugal | 5 | 14 | 19 | 27% |
Japão | na | -1 | -4 | na |
A evolução desses números mostra o óbvio: os países que adotaram medidas sérias de isolamento social para conter o coronavírus já começaram a relaxá-las, mas ainda mantêm níveis maiores que o Brasil e os EUA, de quem Bolsonaro e sua equipe copiam passos e atitudes.
O resultado não poderia ser mais claro. Em 29 de março, os EUA tinham 140.223 casos confirmados; em 11 de abril, 525.436; em 13 de maio, 1,380 milhão. Nesta quinta-feira (21), já eram 1,565 milhão, assumindo a liderança isolada desse sombrio campeonato.
Rumo ao topo
O Brasil, seu fiel seguidor, passou de 4.256 casos confirmados em 29 de março, para 20.727, em 11 de abril; 188.974 em 13 de maio; e 310.087 casos ontem. Como a Rússia contabiliza cerca de 320 mil casos, é possível que alcancemos o segundo lugar em número de contaminados nos próximos dias.
Enquanto isso, a Itália, que ocupou a nada honrosa liderança no ranking de contágios, desbancando a China, onde o vírus surgiu, impôs um severo isolamento social. Em 29 de março, 82% das pessoas estavam em casa; em 11 de abril, 67%; em 13 de maio, 47%.
O resultado? De líder do ranking, com 97.689 casos, no fim de março, conseguiu achatar sua curva e contava, ontem, com 228 mil casos, atrás de EUA, Rússia, Brasil, Alemanha e Reino Unido.
Num campeonato em que ser o último colocado é o que importa, o Brasil faz tudo para estar no topo do ranking – e na contramão do mundo.