Coluna do Anderson Gurgel

Copa do Mundo: Catar 2022 celebra o oposto das boas práticas da Economia Criativa

19 nov 2022, 21:59 - atualizado em 19 nov 2022, 21:59
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Ouro de tolo: Copa do Mundo do Catar 2022 “é um retrato da crise do modelo dos megaeventos esportivos”, explica Anderson Gurgel (Imagem: Divulgação/ Road to Qatar)

A Copa do Mundo de Futebol, um dos expoentes dos megaeventos esportivos e importante agente dos negócios criativos, mergulhou a indústria do esporte mais amado do mundo e o ecossistema do entretenimento a ele conectado numa jornada obscura de retrocessos para o sistema do entretenimento e da criatividade.

O início da Copa do Mundo Fifa 2022, no Catar, no dia 20 de novembro, marca a chegada, pela primeira vez, do maior torneio do futebol a um país do Oriente Médio. Diversidade cultural pode ser algo louvável, mas o resultado alcançado pela jornada do futebol pelo mundo árabe está longe de ser consenso na opinião pública global.

Se as imagens que chegam ao mundo, vindas do Catar, mostram estádios modernos, arquitetura arrojada e o futebol ambientado em um pequeno país de muita riqueza, o processo subterrâneo que dá origem ao circo da Copa está marcado por problemas de várias ordens nos quesitos sustentabilidade, direitos humanos e diálogo humanístico.

Riqueza e a tecnologia marcam arenas. As reportagens jornalísticas elogiam a hotelaria, o transporte e a logística de deslocamento no país. Também são destacadas soluções criativas em espaços como o Fifa Fan Fest. Contudo, mesmo com essas informações e imagens, o clima para falar do evento é de constrangimento e preocupação.

Não se pode negar que, ao mesmo tempo, Catar 2022 é um retrato da crise do modelo dos megaeventos esportivos: na superfície há muita opulência, mas nos detalhes da estrutura há um modelo marcado por desconexão com as grandes questões centrais da humanidade no mundo contemporâneo.

Em outras palavras – e mantendo o paradigma que marca esta coluna -, nada pode ser menos fiel ao paradigma da Economia Criativa que o modelo adotado em Catar 2022.

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Copa do Mundo pisa na bola

Como abordamos aqui, nesta coluna, em vários outros textos, a Economia Criativa é um fenômeno contemporâneo que envolve modelos de negócios que interfaceiam criatividade com: valores humanos, sustentabilidade, valorização da diversidade, busca da inovação a partir de valores éticos e fomento de novos modelos para um mundo que está em profunda crise ambiental e de relações sócio-político-econômicas.

É tudo o que não veremos de forma plena em Catar 2022. E isso não começou agora. Infelizmente a Copa do Mundo, vem ao longo das últimas edições, intensificando uma jornada que foge dos valores apresentados acima. Desde a Copa da África, em 2010, o modelo vem ganhando novas camadas de críticas, pela desconexão com realidades locais, pelos escândalos de corrupção e pelo pouco apreço a métodos sustentáveis.

Para poucos: “É notório que o evento no Catar não almeja ser inclusivo para fãs do esporte em geral”, diz Gurgel (Imagem: Divulgação/ Road to Qatar)

No Brasil, em 2014, eclodiram os complexos protestos de junho de 2013 e, de alguma forma ainda não totalmente estudada, esse megaevento estabeleceu algum tipo de conexão com a ascensão da extrema direita e o nacionalismo exacerbado enquanto gastos de realização dele foram à estratosfera, com obras questionadas, pouco sustentáveis e que coroaram, por fim, o trágico 7 a 1.

Mas África do Sul e Brasil não foram o auge dos erros. Na sequência, uma Fifa atolada em escândalos e pouco afeita ao que estamos chamando aqui de paradigma da economia criativa levou o evento mais amado do mundo para a Rússia, em 2018, já iniciada em um modelo político ditatorial e, agora, chega ao Catar, um pequeno e rico país, mas que tem um sistema político-cultural nada arejado e aberto às causas dos direitos humanos e da democracia.

Ou seja, mulheres são tuteladas, homossexuais são perseguidos e, trabalhadores em geral, pouco valem ou têm direito a reclamar por boas condições de trabalho. A ver que há denúncias de que mais de 6 mil pessoas podem ter morrido na organização da Copa de 2022. Um escândalo que não parece constranger a elite política local.

Também é notório que o evento no Catar não almeja ser inclusivo para fãs do esporte em geral. Em um país de alto custo de vida, a ideia de participar presencialmente da Copa do Mundo não contempla modelos que envolvem torcedores fazendo “mochilão”, compartilhando espaços e recursos ou qualquer outra solução de caráter mais “riponga”.

Ou seja, é um evento para uma elite que pode gastar milhares de dólares para ficar em hotéis caríssimos e usufruir de um formato de consumo de entretenimento esportivo que é símbolo de algo com acesso a poucos mas que gera custos ambientais para todos.

Catar 2022 sofre goleada de críticas

O auge das restrições, sob o ponto de vista da cultura da Copa do Mundo, deu-se já nas vésperas da estreia do megaevento, quando organizadores locais anunciaram proibição de álcool em locais de evento. É sabido que, na cultura do Catar, o consumo de bebidas alcoólicas é proibido, mas a Fifa vinha tentando costurar algum tipo de acordo para agradar patrocinadores e torcedores.

Mais que o escândalo com um hábito cultural já arraigado na cultura do Catar, o episódio envolvendo a restrição a cervejas mostra os erros da Fifa no planejamento do que é o primeiro megaevento esportivo após a covid-19 (ou, ao menos, da primeira onda que atingiu em cheio Tóquio 2020).

O Mundial de Futebol de 2022, que poderia celebrar uma nova fase para a humanidade, mostrando que os seres humanos podem superar desafios, aprender e evoluir nas relações humanas e com o meio ambiente, apostou no passado e em tudo o que levou os megaeventos esportivos a uma crise, a ser um símbolo de tudo o que não se adorna com os desafios do mundo contemporâneo. O resultado é críticas, insatisfação e boicotes, de artistas (que se recusaram a se apresentar em eventos locais durante a Copa) e até mesmo de seleções e jogadores.

Que os dias de futebol ajudem a melhorar o ambiente e dar um tom mais ameno, reduzindo o clima hostil surgido por todos os erros da Fifa no planejamento da Copa de 2022.

Ao longo do mês em que vamos viver o futebol intensamente, voltaremos à Copa do Mundo e ao futebol nesta coluna. E, prometo, tentarei trazer soluções de empresas e agentes que, em oposição à organização do Catar 2022, são efetivamente exemplos de que o esporte mais amado do planeta também é estrela na economia da criatividade.

Anderson Gurgel é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Jornalista de economia, negócios e marketing, Anderson Gurgel também é professor universitário da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário belas Artes, além de pesquisador, consultor e produtor de conteúdo. Conectando todas essas várias frentes de ação estão os negócios criativos, do entretenimento e do esporte, segmentos que o profissional vem se dedicando ao longo dos quase 25 anos de vida profissional. É autor de livros, produtor de eventos e já ganhou alguns prêmios, sendo um destaque a Menção Honrosa em 2019 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie pela atuação na área de inovação na educação.

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