COP27: O que esperar para a Cúpula do Clima?
Por Denny Thame*
De 6 a 18 de novembro acontece no Egito o encontro do ano da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito das mudanças climáticas[1]: a COP27 [2].
Haverá seis discussões políticas entre os Estados, chamadas “de alto nível”. Os temas em debate serão sobre: transição justa; investimentos em energias renováveis; financiamento inovador para clima e desenvolvimento; segurança alimentar; segurança hídrica; mudanças climáticas e sustentabilidade de comunidades vulneráveis.
Os chefes de estado e diplomatas que vão representar os países irão discutir a respeito de vários aspectos, que implicam o cumprimento e revisões das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs); Além disso, haverá também muitas reuniões paralelas entre ministros, técnicos[3], terceiro setor e empresas.
No Acordo de Paris[4] os países se comprometeram a limitar suas emissões de modo a manter o aquecimento global abaixo de 1.5°C. Mas para conseguir atingir esse objetivo, é necessário cortarmos 45% das emissões atuais de gases do efeito estufa (GEE) antes de 2030.
E o mundo está bem distante disso. Mesmo que sejam cumpridas todas as NDCs declaradas até hoje, o planeta terra ainda ficaria com temperatura acima disso, em torno de 1.8°C.
Brasil no ranking global
No Brasil, as NDCs consolidadas visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 50% até 2030, em relação ao emitido em 2005; buscar alcançar a neutralidade climática até 2050; zerar o desmatamento ilegal até 2028; restaurar e reflorestar 18 milhões de hectares de florestas para uso múltiplo até 2030 e alcançar a participação estimada entre 45% e 50% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030 [5].
Todos os países sofrerão os efeitos das mudanças climáticas, mas alguns emitiram muito mais ao longo da história e esse estoque ainda continua na atmosfera. Por isso a necessidade de manter as responsabilidades comuns, porém diferenciadas de acordo com o que cada país contribuiu até hoje.
Atualmente, conforme se verifica da figura abaixo, os maiores emissores são: China, EUA, Índia e Europa. Contudo, se considerarmos em termos de emissões por habitantes o Brasil aparece em quarto lugar, atrás apenas da China, Rússia e dos Estados Unidos, que lideram esse ranking.
Além disso as emissões decorrentes dos sistemas agroindustriais, tão relevantes para o Brasil, são variadas. Isso porque decorrem tanto da supressão de vegetação nativa quanto das práticas de agropecuárias inadequadas, do pouco uso de energia renovável e da falta de circularidade para reaproveitar os resíduos, conforme se verifica da imagem abaixo:
Brasil na COP27
A particularidade do nosso país é que nossas emissões são em grande parte originadas da mudança do uso da terra, sobretudo do desmatamento e do setor agrícola por conta do uso de fertilizantes e da pecuária extensiva. Sendo assim, na COP 27, vamos enfrentar enorme pressão política para enfrentarmos a destruição da Amazônia, com queimadas, garimpo e invasões criminais e para mudar o modelo convencional de praticar agropecuária.
Por outro lado, iremos cobrar dos países desenvolvidos pelo descumprimento da meta de US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 que tinham sido prometidos para serem destinados ao financiamento climático via Fundo Verde Clima (GCF – Green Climate Fund), o Fundo de Adaptação e outros mecanismos oficiais.
Fora essas duas bandeiras políticas antagônicas, é preciso levar as tecnologias agrárias sustentáveis à pauta de adaptação e oferecer os modelos de agricultura tropical sustentável desenvolvidos e implementados aqui como soluções para outros países.
O Brasil precisa conseguir mais investimento em tecnologias como a criação de variedades de alimentos mais resistentes a eventos naturais extremos e de bioinsumos mais potentes e fáceis de serem implementados. Também será preciso contestar bandeiras extremistas como a da proibição completa de agrotóxicos, mudanças drásticas de dieta, “proibindo” o consumo de carne e exigências extremas que possam comprometer a produção em escala e com isso a segurança alimentar.
Provavelmente durante a COP 27 será formalizado o Comitê de Koronívia (criado em 2017), para avançar a temática da agropecuária sustentável com adoção de tecnologias, aumento de produtividade, práticas de adaptação que promovam a resiliência dos sistemas produtivos, assistência técnica, redução de emissões de gases de efeito estufa e financiamento condicionado a critérios de sustentabilidade.
Crédito de carbono
Apesar de ser líder na área e de poder servir de exemplo para várias práticas de manejo sustentável, o Brasil ainda precisa intensificar sua produtividade, recuperar áreas gigantescas que estão degradadas (particularmente pastagem extensivas), aumentar a absorção de carbono no solo, reduzir a intensidade de emissões relacionadas aos sistemas agroindustriais, capturar carbono por meio da restauração da vegetação nativa associada às áreas produtivas e da adoção de sistemas integrados de produção agropecuária.
Entre elas, a integração lavoura-pecuária-floresta, entre outras formas de fomentar a produção resiliente e com baixa emissão de carbono [8].
Outro ponto muito importante serão as definições mais amplas sobre os artigos 6.2 e 6.4 que operacionalizam os mecanismos do mercado regulado de carbono. O artigo 6.2 estabelece um mecanismo para os países voluntariamente superarem as suas NDCs e colaborarem para o atingimento das NDCs dos demais.
O desafio principal é evitar a dupla contagem. Ou seja, um projeto ser usado para atingir a meta do país e, ao mesmo tempo, ser comercializado para abater as NDCs de outros países.
Por sua vez, o artigo 6.4 cria um mecanismo internacional de crédito de carbono que será governado pela ONU e no qual poderão negociar governos e setor privado.
Para colocar em prática tais mecanismos, são importantíssimos os critérios a respeito da qualificação dos créditos de carbono negociáveis entre os países, as regras de aplicação dos ajustes correspondentes (mecanismo que evita a contagem dupla de créditos de carbono) e as definições de adicionalidade (o que significa acima do normal, melhor do que aquilo que seria conseguido caso nada fosse feito).
Especialmente relevantes para o Brasil são as discussões sobre linha de base (ponto de partida). O ideal é que houvesse parâmetros comuns a todos os países.
Por exemplo, na agricultura, as técnicas adotadas hoje já são bem mais sustentáveis que em outros países, como o uso do plantio direto (sem revolver o solo) e de rotação de culturas. Se cada um dos países tiver a própria linha de base vai ser muito mais difícil avançar a sustentabilidade aqui, pois a nossa variação já sairá de um ponto inicial muito mais alto que nos demais países.
Outra questão ainda é o critério de permanência (quanto tempo o carbono tem que ficar estocado no solo e nas plantas por exemplo) para que um projeto de carbono possa ser creditado e comercializado. E como resolver o problema de destruição, como no caso de haver um incêndio em um projeto de carbono, deve ser criado uma área reserva, feito um seguro ou se criar outras alternativas, essas provavelmente serão algumas das discussões a serem tratadas na COP27.
A redução de metano promete continuar os avanços da COP do ano passado. Relatório sobre essa área constatou haver vários desafios e também oportunidades para o Brasil reduzir suas emissões, como tratando melhor seu lixo orgânico e desenvolvendo rações menos indigestas para o gado[9].
Bottom line
Em resumo, a expectativa é que na COP27 se avance principalmente a respeito de uma nova meta quantificada de financiamento climático. Também são esperados avanços sobre mecanismos focados em adaptação; adoção do plano de ação para a agricultura[10]; ferramentas de implementação do mercado internacional de carbono; e mais comprometimento com a redução de emissões dos gases de efeito estufa (inclusive do metano).
Ainda assim, muito mais precisa ser alcançado. Afinal, está se fechando a janela de oportunidade para evitar a extinção da espécie humana.
*Denny Thame pesquisa bioeconomia circular sustentável na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo
[1] UNFCCC, United Nations Framework Convention on Climate Change, COP 27.
[2] COP 27 Significa 27ª Conferência das Partes do Acordo Internacional das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNCCC)
[3] Os grupos técnicos mais importantes são o de apoio científico e tecnológico e o de implementação que em inglês se chamam Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice (SBSTA) e Subsidiary Body for Implementation (SBI)
[4] UN, United Nations, Acordo de Paris.
[5] UNFCCC, United Nations Framework Convention on Climate Change, Brazilian NDC, disponível em: <https://www4.unfccc.int/sites/NDCStaging/pages/Party.aspx?party=BRA>. acesso em: 19 abr. 2022.
[6-7] UNEP, United Nations Environment Programme, Emissions Gap Report 2022: The Closing Window. Climate crisis calls for rapid transformation of societies, [s.l.]: United Nations, 2022.
[8] CAPDEVILLE, Guy; TELHADO, Samuel Filipe Pelicano, Tecnologias poupa-terra 2021, Brasília, DF: Embrapa, 2021.
[9] IEMA, Instituto de Energia e Meio Ambiente; SEEG, Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa; OC, Observatório do Clima, Desafios e Oportunidades para a Redução das Emissões de Metano no Brasil
[10] SBI, Subsidiary Body for Implementation; SBSTA, Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice, Koronivia joint work on agriculture.
*Denny Thame pesquisa bioeconomia circular sustentável na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo.
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