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COP16 da biodiversidade: Atenções para digitalização de recursos genéticos e biopirataria

15 ago 2024, 16:30 - atualizado em 15 ago 2024, 16:17
biotecnologia
Brasil precisa ficar atento sobre parâmetros específicos do sequenciamento digital, especialmente para obtenção de consentimento (Foto: iStock.com/nicolas_)

A Convenção de Diversidade Biológica (CDB) foi o primeiro tratado internacional vinculante a endereçar a preservação da biodiversidade como um todo. Tendo em vista este amplo fim, a CDB dispõe de três objetivos básicos: conservação da biodiversidade, seu uso sustentável e repartição justa de seus benefícios.

De forma breve, a CDB exige que a biodiversidade seja protegida e que os benefícios econômicos, científicos e de mercado, oriundos de produtos e serviços gerados com o patrimônio genético da biodiversidade seja devidamente repartido entre as nações e povos de origem desses dessa biodiversidade. 

Em relação à estrutura da CDB, esta possui uma organização e um procedimento de tomada de decisão. A Conferência das Partes (COP) é uma reunião das Partes signatárias de negociação e tomada das decisões referentes à CDB. Esta tem autoridade máxima, podendo inclusive emendar a própria convenção – se trata da mesma estrutura de negociação e tomada de decisão adotada nas COPs do Clima, dentro do escopo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).

A próxima COP da CDB ocorrerá em Cali, na Colômbia, dos dias 21 de outubro à 1º de novembro – a COP 16. Dentre os vários temas previstos na sua agenda para outubro, um terá enorme importância, com grandes impactos nos países, suas economias e indústrias de biotecnologia – o sequenciamento digital de recursos genéticos.

O que é o Sequenciamento Digital (DSI)?

A despeito do nome complicado, esta tecnologia está cada vez mais presente no cotidiano. O sequenciamento digital (DSI) é a capacidade tecnológica de digitalizar um recurso genético, ou seja, ter um DNA sequenciado digitalmente (também denominado in sílico). 

O tema de DSI é assunto recente, originado de uma ramificação do tema de Biologia Sintética, durante a COP 13 em Cancun, uma vez que essa tecnologia usa o sequenciamento digital dos recursos genéticos para editar genomas.

Este tema é de alta sensibilidade, uma vez que o sequenciamento digital tem o potencial de alterar a forma de acesso ao patrimônio genético dos países, especialmente, uma possível nova forma de biopirataria. Disponibilizado em bancos de dados eletrônicos – e eventualmente acessíveis “online” – o acesso e utilização do patrimônio genético seria imensamente facilitado.

Com a facilidade, também vêm os riscos de uso inadequado ou para fins indesejáveis, até mesmo o de biopirataria. De forma prática, a pesquisa e o acesso ao patrimônio genético nacional poderiam ser feitos de forma remota em bancos digitais/online genéticos, ao invés de um acesso local/presencial nas florestas brasileiras. Algo que sem o devido rastreamento, pode tornar o registro desses acessos mais complexo e, por consequência, reduzir a incidência do pagamento de repartição dos benefícios – objetivo da própria CDB.

Assim, o CDB, por meio de seus órgãos, como reuniões prévias e científicas, têm estudado este tema desde 2018, principalmente três pontos-chave: (i) terminologia, (ii) implicações de DSI na conservação da biodiversidade e (iii) impactos na repartição de benefícios e formas de acesso. Pontos esses ainda em negociação e sem definição concreta.

A despeito das dúvidas inerentes a um tema tão complexo, na última COP 15 já se decidiu criar um mecanismo global específico para repartição de benefícios oriundos de sequenciamentos digitais, inclusive com o uso de um fundo global. Com isso, na próxima COP 16, as Partes deverão analisar questões relacionadas a esse possível novo fundo como: governança, contribuições para o fundo e qual será o “gatilho” para haver a repartição de benefício dos recursos de origem digital.

O protocolo de Nagoya, dentro do escopo da CDB, já prevê a criação de um mecanismo global de repartição de benefícios, mas devido à complexidade e especificidade do DSI, as Partes decidiram que esse deve ter um mecanismo próprio. Entretanto, esse futuro mecanismo para o DSI não deve prejudicar o mecanismo a ser utilizado para os acessos físicos (in situ) do Protocolo de Nagoya, ou seja, a coexistência dos dois mecanismos para as duas diferentes formas de acesso ao patrimônio genético. 

Para isso, atualmente um grupo de trabalho está reunido em Montreal (entre 12 e 16 de agosto), com o objetivo de esclarecer esses pontos, de forma a auxiliar as futuras negociações e decisões a serem tomadas na COP 16. Esse grupo de trabalho possui representantes das partes signatárias e o foco das conversas é o desenvolvimento desse mecanismo de repartição de benefícios de DSI e se esses benefícios, devidos aos países de origem do genoma digitalizado em bancos online, serão monetários ou não monetários.

Países com maior indústria de biotecnologia até o momento advogam para que não seja na forma monetária, enquanto países com menos indústrias preferem deixar de forma explícita a repartição monetária de benefícios pelo acesso digital aos recursos genéticos dos seus respectivos patrimônios genéticos – seria um valor em porcentagem sobre a venda final do produto ou serviço oriundo desse acesso.

De acordo com as conversas de corredores entre as Partes, os principais setores incidentes do mecanismo de repartição de benefícios de DSI seriam os setores de fármacos, cosméticos, produtos e serviços com animais ligados à reprodução e melhoramento genético e/ou transgenia de fauna ou flora – portanto, um leque muito vasto, com impactos em todos os setores de biotecnologia atuais.

Implicações no Brasil

Países desenvolvidos com forte indústria de biotecnologia advogam para que o sequenciamento digital não seja uma forma de acesso ao patrimônio genético, para não haver problemas de propriedade industrial e que alguns acessos feitos remotamente não precisem repartir benefícios com os países de origem. Já os países em desenvolvimento, com grande biodiversidade, tendem a defender que DSI é forma de acesso ao patrimônio genético e, consequentemente, gerando a repartição de seus benefícios.

Apesar de o Brasil ser produtor de biotecnologia, como os países desenvolvidos, também possui enorme biodiversidade, como os países em desenvolvimento. Assim nas últimas COPs o país adotou uma postura mista sobre o tema, posição de que recurso genético é informação, conforme estabelecido na lei nacional.

Dessa forma, o país precisa ficar atento sobre parâmetros específicos do sequenciamento digital, especialmente em como ocorrerá a obtenção de consentimento prévio informado, a rastreabilidade desses recursos, a repartição dos benefícios e a propriedade intelectual do sequenciamento e dos produtos originados por essas sequências digitais.

Dado os resultados da COP15 e por ser o meio detentor de biodiversidade do mundo, o Brasil deve ser ativo nas futuras negociações da COP 16, em especial ao novo mecanismo global para recurso oriundo de sequenciamento digital, enfatizando que esses recursos tenham o centro de origem cadastrados de forma clara. Pode ser uma oportunidade de captar recursos com a sua biodiversidade e ao mesmo tempo fomentar sua indústria de biotecnologia.

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Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
leonardo.munhoz@autor.moneytimes.com.br
Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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