Pecuária de corte

Contra desmatamento, boiada chipada seguirá com entraves sem Brasil e China pagando

12 jul 2020, 11:36 - atualizado em 12 jul 2020, 13:42
Criação de gado em Paulínia (SP) Boi Carnes
Rastreabilidade da boiada embarra em custos e dificuldades práticas (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

A depender das reações em cascata contra a carne bovina brasileira, a partir das pressões europeias que as associam ao desmatamento, e a depender também das reações da cadeia produtiva e do governo no sentido de reduzir os danos, a rastreabilidade total do boi deverá voltar à discussão.

Exigir que todo e qualquer produtor, de todo e qualquer animal, instale um brinco chipado, que vai contar a vida do boi até chegar ao frigorífico – a começar se a fazenda que o originou o criou sem desmatar – foi a lembrança feita por Marcos Molina, presidente do conselho de administração e principal acionista da Marfrig (MRFG3), na reunião virtual dos empresários com o vice-presidente Hamilton Mourão.

Presidente do Conselho da Amazônia, Mourão ouviu de fundos internacionais, e de grupos brasileiros, nas reuniões virtuais do fim da semana, as ameaças sobre cortes de investimentos contra o que eles classificam de aumento do desmatamento pelas queimadas. Além de bloqueios às importações de produtos, como várias redes de supermercados na União Europeia (UE) tentam se mobilizar.

A pecuária de corte é a principal cadeia produtiva criticada.

A rastreabilidade que volta ao debate, vai, entretanto, encontrar as resistências de sempre, quanto às dificuldades de implementação na relação direta às condições de mercados. O sistema, por exemplo, é exigido apenas pela Europa desde 1997, e com algumas variações pela Coreia do Sul e Japão, mas que pouco compram do Brasil.

O bloco europeu, no entanto, nem figura entre os principais compradores da carne bovina brasileira. Foi perdendo participação, caindo de 294 mil toneladas em 2012 para menos de 70 mil em 2019, segundo dados compilados do Secex/Mdic e da UE.

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Custos

Ainda que a bonificação seja relevante, superior em até R$ 10 na @ do boi ao prêmio pago pela China, o custo de chipar a boiada toda, cuja carne vai para outros mercados e, também, para o consumo interno, não teria a mesma compensação. Destaca-se ainda que na maioria das unidades que compram boi com esse processo, a rastreabilidade acaba na carcaça, ou seja, os cortes das carnes acabam não sendo rastreados para os consumidores também verificarem a procedência.

E esse ponto remete a outro, que faz parte da eterna briga entre pecuaristas e abatedouros, a necessidade de uma outra normativa de classificação de carcaça (gordura, coloração, musculatura etc). Na reunião com Mourão, o dono da Marfrig falou que 42% da sua produção é rastreada, mas não disse se em todo o processo, ou só no boi comprado de confinamento, e que espera chegar a 100% em cinco anos.

Lembra-se, ainda, como apontou em documento a Scot Consultoria, as exportações de carne bovina representam pequena parcela da produzida.

Em estatísticas da Abiec, que reúne os principais frigoríficos, das 10,9 milhões de toneladas de carne produzidas, 2,21 milhões/t são embarcadas, ou seja, nem 21%, apesar do extraordinário aumento das compras da China nos últimos dois anos.

Como os animais não são criados separadamente, entre os que serão abatidos para exportações e os que vão acabar na mesa dos brasileiros, “a carne bovina exportada é colhida em todo o rebanho brasileiro (214,6 milhões de cabeças)”, destaca a Scot, mostrando, por isso, o encarecimento do processo de rastreabilidade completa. “E mesmo supérfluo”, completa a consultoria, que embora o considere importante quando todo o mercado estiver unido em torno do tema.

Estrutura produtiva

Ainda há empecilhos práticos da estrutura produtiva em várias regiões, que vão desde a falta de tronco, ou brete, nas fazendas, que são equipamentos de pesagem individual e de brincagem, a até a baixa instrução dos trabalhadores.

Mas considerando que os frigoríficos queiram pagar por essa carne rastreada, além daquela já destinada aos países que a exigem, eles teriam que ter a contrapartida dos compradores. O mercado interno está a anos-luz de assumir um repasse para o varejo desse custo. Na escalada da crise gerada pela pandemia, ficou impensável.

A China seria o diferencial, se viesse a exigir. O país já paga um prêmio que varia atualmente de R$ 10/@ pelo boi China, de 30 meses e até quatro dentes, mas não deu nenhum sinal de que vá demandar só carne rastreada. A inflação dos preços dos fornecedores seria muito alta para a sua necessidade de proteína.

Em 2019, os embarques para lá somaram 494.078 toneladas (26,7% do total), mais 53% sobre 2018, e alta de 80% em receita, para US$ 2,67 bilhões, de quase US$ 8 bilhões internados no Brasil. Nos primeiros seis meses de 2019, de novo a China continental e Hong Kong ficaram com 57% dos embarques globais.